De volta a estrada…

Rocha
#RPGenesis Workshop para Editores
5 min readAug 4, 2015

Em um longínquo agosto de 2011, movido pela incrível iniciativa que é o RPGenesis criei o Pé na Estrada, um jogo sobre rock’n’roll, viagens e os imprevistos da vida na estrada. Como escrevi ainda em 2011 sobre o jogo:

Como todo jogador de RPG, tenho sempre uma dúzia de ideias de jogos flutuando na minha cabeça, e o legal dos concursos como o RPGenesis e o Concurso Faça Você Mesmo de Criação de Jogos, é que te obrigam a parar de procrastinar, definir uma meta realista, parar de idealizar seu jogo e colocar a mão na massa. Sim, a primeira versão provavelmente vai ser uma merda. Mas é a partir dela que você vai criar um jogo decente. E além do mais, é melhor uma primeira versão tosca na mão do que uma ideia genial apenas nas suas ondas cerebrais não é?

Meu caso não foi diferente. Curti o que consegui elaborar do jogo em sete dias, mas tive um monte de ideias no meio do caminho e acho que o jogo ainda está com uma pegada meio “colcha de retalhos”, com alguns elementos adicionados depois que podem ser mais trabalhados e mais consistentes com o restante da parada. Também faltou uma sessão consistente para o Guia, sobre como usar o jogo, modificá-lo, criar novas playlists, etc. Isso tudo será adicionado nas próximas semanas.

Capa linda feita pelo Eduardo Caetano

Como acontece com muitos jogos após estas iniciativas e os impulsos criativos que geram, Pé na Estrada foi deixado no fundo de minha gaveta virtual por anos, eventualmente ressurgindo na conversa com algum amigo ou sempre que escutava uma música de sua trilha sonora (que certamente é a melhor coisa que veio do jogo!). Olhando com bons quatro anos de distância, Pé na Estrada apesar de ter algumas boas sacadas, se baseia demais na mecânica de seleção aleatória das músicas para sua resolução de conflitos, tendo as temáticas das músicas em segundo plano. Em outras palavras, como o próprio Jogador-Sonhador apontou a época, o jogo acaba substituindo um d20 por uma trilha sonora incrível, mas sem acrescentar muita coisa a tal rolagem de um dado com resultado de 1 a 20… E as músicas poderiam fazer muito mais!

Se eu fosse encarar a tarefa de editar o Pé na Estrada hoje, certamente daria um jeito de colocar as músicas e suas temáticas em primeiro plano, sem, no entanto, me prender tanto a muleta do valor que estas possuem na jogada de resolução. E claro, não tenho muita ideia de como fazer isso! Mas um dos caminhos que me parecem mais interessantes seria usar alguma variante do Apocalypse Engine, sistema que deu origem ao Apocalypse World e seus derivados como Dungeon World, Monsterhearts, Night Witches e tantos outros.

O lance é que os jogos “empoderados” pelo Apocalypse World que mais têm me chamado a atenção não são estas grandes reimaginações completas do sistema, mas sim jogos que pegam um movimento (ou move se você for um purista) e o transformam praticamente em um jogo em si próprio. Afinal o que é um movimento, senão uma mecânica para os participantes responderem quando um tipo de questão específica surge na ficção? Justamente por isso eles são escritos no formato gatilho (quando), rolagem (6-, 7–9, 10+), e ficção (então…). E se conseguíssemos encapsular a pergunta central de um jogo em um movimento, e este fosse sua mecânica central de resolução e propulsão da ficção?

Alguns jogos já fizeram isso, o primeiro deles que vim a conhecer foi o The Sundered Land, do próprio Vincent Baker, que na verdade são seis mini-jogos amarrados que giram em torno de uma caravana em um mundo devastado. Cada um destes mini-jogos de uma página tem um movimento para resolver o principal conflito daquela história. Em um deles rolam-se os dados par descobrir o que acontece quando a caravana é atacada, em outro, quando os personagens se reúnem ao redor de uma fogueira para passar a noite, a principal questão a ser respondida é o quanto há de verdade na história contada por outro personagem, e um terceiro jogo tem como ponto central como a caravana e seus integrantes serão recebidos ao chegaram em uma cidade. Cada um destes jogos pode ser encarado como uma cena, os personagens podem se manter os mesmos ou mudarem, e ao final diversos aspectos da caravana e do mundo terão sido criados e explorados.

Outro jogo que leva adiante esta noção de um movimento central como pilar para os jogadores estruturarem uma história específica é o Wolfspell de Epidiah Ravachol, onde o movimento Read a Sitch do Apocalypse World (espécie de antepassado do Discernir Realidades do Dungeon World) foi repaginado para o que uma matilha de lobos licantropos percebem acerca do mundo ao seu redor, de acordo com o que é preponderantes — sua linhagem lupina bestial ou humana racional. Para ser sincero até existem outros 2 ou 3 movimentos no jogo, mas me parece que este (chamado de To Behold the World) já seria o suficiente para um jogo e tanto!

O próprio Psi*Run, da Meguey Baker, lançado antes do Apocalypse World, mas que tem muitas de suas qualidades, me parece se adequar a este modelo de estrutura. Em um jogo sobre a fuga de personagens com habilidades psíquicas de uma agência governamental nebulosa, as questões que precisamos descobrir durante o jogo são: quem são aqueles personagens, do que eles são capazes, quais as consequências do uso de seus poderes, e finalmente, se eles conseguirão escapar de seus perseguidores. A autora faz isso de modo magistral ao usar um sistema que, quando uma questão significante é colocada em jogo, todas estas questões devem ser respondidas em uma só rolagem de dados, de modo que sempre algum destes elementos será priorizado em detrimento de outro. O diferencial aqui dos jogos acima, foi que a mecânica criada pela Meguey engloba várias questões em um só acesso a aleatoriedade dos dados, enquanto os jogos movidos pela Apocalypse Engine tendem a focar seus movimentos em questões bem específicas surgidas na ficção.

Enfim, voltando ao Pé na Estrada, a questão que um intrépido editor para o jogo deveria responder para aplicar este modelo a ele seria: qual a principal pergunta que Pé na Estrada busca responder? Com base na resposta desta pergunta acerca da pergunta (!), viria a tarefa de traduzir a questão mecanicamente em uma espécie de movimento central que seja contido o suficiente para não fugir do tema proposto pelo jogo, mas amplo o bastante para lidar com uma certa miríade de situações ficcionais dentro deste, sempre impelindo a narrativa adiante. Isso já seria um feito e tanto, mas fazer de uma forma que incorporasse a trilha sonora — um elemento central do jogo original, me parece ser o maior desafio para repaginar o jogo para uma experiência mais interessante, focada e dinâmica, mas sem perder algo do seu charme sonoro original.

Ainda que não seja um mapa completo daqueles guias de viagem, alguma rota foi sugerida com um ou outro atalho apontado. Agora é ver se alguém topa soprar os quatro anos de poeira acumulada, polir as rodas, encher o tanque e colocar o jogo na estrada novamente!

Ele se aproximou vagarosamente.

“Ei, rapazes, vocês estão indo para algum lugar específico

ou estão apenas indo?” Não entendemos bem a pergunta.

Era uma pergunta boa pra cacete.

−Jack Kerouac “On The Road”

--

--

Rocha
#RPGenesis Workshop para Editores

Eu invento coisas e escrevo sobre outras coisas imaginárias também.