Porque eu edito jogos

Korn
#RPGenesis Workshop para Editores
6 min readJul 6, 2015

Eu escrevi esse artigo várias vezes. E nenhuma delas me parecia boa. A missão de escrever algo pro #RPGenesis é mais pesada, pra mim, do que pode parecer para muitas pessoas. Resolvi, então, me usar da temática (primeiro easter egg hehehe) de “Temas e Mecânicas” pra poder chegar a algo, e começar falando da minha experiência com o evento.

Eu participo do #RPGenesis todos os anos desde 2011, ou como autor ou como editor. Esse ano, provavelmente será como editor, e com esse artigo. Dentro dessa coisa louca de criar jogos narrativos, fora os home made que eu fazia pra jogar nas mesas com meus amigos (um salve pra eles), o evento foi meu berço. Depois eu participei do Faça Você Mesmo, do Game Cheff, e até criei/coordenei (ao lado do Jairo) o Orquestra dos Jogos. Ele já viu trabalhos meus legais, e outros que são ruins. Mas sempre que eu digo que vou fazer algo pro #RPGenesis, as pessoas me perguntam:

“Por que criar mais um jogo?” ou, mais recentemente, “Por que editar um jogo?”

A primeira pergunta é facilmente respondida por todos que já criaram jogos alguma vez, e já deve ter sido tema de diversos artigos. Por isso (e por uma conversa com o Jogador Sonhador, e pelo fato que o Orquestra desse ano pode ser relacionado com “remixar” jogos — opa, spoilers…) é que vou me ater a segunda: afinal, por que diabos a gente edita jogos?

Porque é maneiro pra caramba. Essa seria minha primeira resposta. Mas, na verdade, não é só por causa disso.

Alguma vez você já pegou aquele jogo que acha sensacional e pensou “cara, por que essa mecânica não é Y, ao invés de X?”. Ou então: “cara, que mecânica maneira! Acho que ela seria fantástica num jogo de investigação…”, e isso realmente te põe pra pensar. E matutar e mexer. E aí você vai lá e faz. Você pega o trabalho de alguém e modifica. Você “hackeia” ele. Edita ele.

Editar um jogo é tentar beber da mesma fonte que o autor. É, por exemplo, pegar a cachaça pura dele, e resolver colocar gelo e limão, só pra ver como fica. Ou então, trocar a cachaça por vodka, pra experimentar. Ou só adicionar alguns ml de suco de laranja ali no meio. É brincar com algo que alguém já fez, porque você acha que ficaria diferente.

“Mas isso não faz de você um game designer!” Não é bem por aí. Dungeon World e Monsterhearts não são menos jogos por serem hacks. Nem Mutantes e Malfeitores, se você gosta dos tradicionais.

Meu jogo ESC, por exemplo, é — em certos campos — o que as pessoas chamam de hack, ou mesmo edição (na verdade, eu mesmo já editei ele no #RPGenesis, e vou fazer isso de novo esse ano — spoilers novamente). Ele utiliza a Apocalypse World Engine, a mesma de Monsterhearts, Dungeon World, Monster of the Week (e que se originou no Apocalypse World), e a mistura com diversos outros conceitos e mecânicas. Por que eu fiz isso? Porque eu gosto dos conceitos, e eu acho que poderia aplica-los em algo legal.

Mas editar não é só sobre isso. Editar um jogo é um aprendizado sobre mecânicas e temáticas diferentes. Para editar um jogo você deve ser o tipo de pessoa que gosta de montar e desmontar, sem medo de sobrarem parafusos. Editar não é só “encaixar algo nas mecânicas do jogo”. Isso é adaptar. Editar vai além.

Quando você muda a temática do jogo, você muda a experiência dele. E quando muda uma mecânica, você muda a forma como essa experiência é atingida e vivenciada. É a mecânica que dita o ritmo da narrativa, e a mecânica é influenciada pelo tema. Então, quando você resolve desmontar um sistema para olhar as mecânicas isoladamente, você começa a perceber como elas refletem o tema do jogo. E perceber como você quer que elas reflitam o tema do seu jogo.

Por exemplo:

Se você decide quebrar um jogo pós apocalíptico para torna-lo um jogo sobre monstros, você sabe que ter uma tempestade psíquica não é parte da sua temática. Na verdade, isso é parte de uma temática totalmente apocalíptica. Você precisa mudar isso, mas você gosta de ter algo “além do mundano” permeando o mundo ao redor dos personagens. Então, você decide que abrir a mente não é o que reflete seu tema, mas olhar o abismo (e ter medo que ele olhe pra você — hehe) é uma opção melhor.

Um segundo exemplo:

Talvez você só queira uma mecânica de formas que o narrador pode intervir na história sem usar dados. Mas você não quer uma lista de ações, nem quer que isso aconteça só nas falhas do jogador. Assim, você decide modificar isso e colocar uma espécie de “intromissão” do narrador, onde ele oferece pontos de experiência para tornar algo mais difícil ao jogador, e movimentara história. Ambas as mecânicas vieram do mesmo ponto, e não necessariamente refletem um tema, mas uma é algo editado de outra — que pode ter sido editada de outra mais antiga.

Obs.: Ambos os exemplos são de jogos que hoje estão no mercado (na verdade, você pode descobrir quais são sem muito esforço), mas que os autores usaram-se outra mecânica, editada, hackeada, para fazer as suas. Pode ter sido pouco, como uma inspiração, ou o suficiente para que você veja e trace os rastros até a mecânica original. Mas um fato é um fato: elas foram editadas.

Partindo dos exemplos, você pode ver que, no primeiro, a edição foi direto em cima de um tema. Ao quebrar um sistema de jogo (quebrar: debruçar-se sobre ele destinado a entender mecânica por mecânica, conceito por conceito e separá-los), você consegue chegar as suas raízes. Por que o bônus do guerreiro se comporta de forma diferente do bônus do ladino? Por que as magias do mago são diferentes das do clérigo? Isso está tanto no tema quanto na mecânica do jogo, e quebrar ele faz com que você consiga ver as particularidades de cada uma, e entende-las. E isso é aprendizado dentro do campo de game design.

Depois de quebradas, você tem um monte de mecânicas soltas, sem amarras. É a hora de encaixar o tema que você quer. E é aí que vem a real edição, é aí que vem a parte de fazer funcionar: será que algo tão inerente a um tema poderia ser colocado em outro? E essa é a magia da edição, é fazer isso acontecer. É editar e modificar tanto tema quanto mecânica pra que tudo case e siga unificado.

Outro tipo de edição é a que você faz para melhorar seu jogo. É pegar um produto bruto e lapidar ele aos poucos, melhorando texto, tema, mecânica — testando coisas novas. E fazer isso até que a pedra preciosa que você deseja seja formada. Não vou me alongar aqui, porque mexer em um trabalho seu já é recompensa suficiente para que eu não precise mostrar os pros de fazer isso. E, do fundo do coração, eu não acredito na existência de contras.

Por último, mas talvez o mais importante, existe aquele tipo de edição que vem do coração. Eu costumo chamar de “carta de amor” a um jogo. É mostrar o quanto você gosta dele o presenteando com um desenho, um conto, uma diagramação bonita, aquilo que você desejar e achar que o jogo merece — ou mesmo, que ele não tenha. Esse tipo de edição é um dos mais respeitosos e bonitos, na minha opinião, pois estimulam autores e game designers a sempre continuarem seus trabalhos.

Se não sabe o que fazer nesse #RPGenesis, edite um jogo. Escolha aquele seu jogo favorito, e veja ele se comportar de outra forma. Ou, então, modifique aquele jogo velho da gaveta, que você acha que não vai ter futuro. Ou, ainda, mostre praquele outro jogo o quanto você o ama, o quanto você o considera bom — presenteie ele com algo novo, algo seu. É recompensador por si só, e você vai perceber.

“Por que editar jogos?” Eles sempre perguntam. Esse texto é a minha resposta pra isso.

A Semana do Editor #RPGenesis se aproxima, e você vai realmente deixar passar?

Eu sei que eu não vou. E espero que nos esbarremos por lá.

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Korn
#RPGenesis Workshop para Editores

Marido de @killer_fernanda , escritor frustrado, guitarrista da @Harmonico_3 e estudante de Letras - Japonês e autor no @VdF_RPG