Como Doutor Estranho influenciou D&D

Thiago Rosa
RPG Notícias
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4 min readDec 27, 2018

Um mago que estuda através de livros, tem vários itens mágicos e faz magias visualmente espalhafatosas. Estamos falando do seu mago de D&D (prestes a chegar ao quinto nível e finalmente poder preparar bola de fogo) ou de Stephen Strange, que o Feiticeiro Supremo da Marvel, interpretado nos cinemas por Benedict Cumberbatch?

Doutor Estranho tem vários elementos em comum com os magos de D&D. Ele usa gestos, palavras de poder e (raramente) componentes materiais para suas magias. Ele assume forma astral com frequência. Ele tem vários itens mágicos. Ele detecta e dissipa efeitos mágicos; os termos detectar e dissipar, inclusive, não são comuns em nenhuma outra literatura da época, provavelmente entrando no léxico de Dungeons & Dragons através de Doutor Estranho.

Benedict Cumberbatch como Doutor Estranho

Componentes Somáticos

Para um mago de D&D, existem três tipos de componentes numa magia: material, verbal e somático. O componente somático são gestos com as mãos, que exigem pelo menos uma mão livre. O mesmo acontece com Dr. Estranho, mas esse é um elemento extremamente comum da representação de magos.

Sem as mãos, Estranho não pode conjurar feitiços

Magias e Habilidades

Em D&D, projeção astral é uma poderosa magia de nível 9. Ela permite que o conjurador e alguns aliados cruzem para o plano astral. Essa também é uma das habilidades mais famosas de Stephen Strange.

Conjurando projeção astral

O termo dissipar (dispel) é empregado frequentemente nas histórias de Estranho, apesar de não ter uso corrente na literatura de fantasia da época. Também há uso frequente de detectar (detect), mas essa é uma palavra bastante comum.

Mencionando como ninguém é capaz de conjurar dissipar magia para desfazer determinado feitiço
Magia de detecção bloqueada por não-detecção

Itens mágicos

Repare também como pouquíssimos heróis literários da época tinham vários itens mágicos, normalmente tendo apenas um, como uma arma ou cajado. Doutor Estranho não só introduz o “efeito árvore de natal” que se potencializaria com o passar das edições como o próprio modelo de enunciação de itens mágicos.

Manto da Levitação, definindo a fórmula “X de Y” que define itens mágicos até hoje

Não paremos por aí. Lembra como um pergaminho de magia some depois de usado? É bem funcional, mas parece um pouco estranho no jogo. Esse conceito não existe nos livros de Jack Vance, que servem como base para o sistema de magias de D&D. Por exemplo, em The Eyes of the Overworld (também conhecido como Cugel the Clever) Vance apresenta Cugel. Ele não é um conjurador treinado, aprendendo a usar uma magia de um pergaminho para escapar de uma prisão extra-dimensional. A história tem versões das magias aprisionar e libertação (inclusive com os mesmos riscos), ou seja, teve influência direta em D&D; mas, no conto, os pergaminhos não desaparecem quando são usados. Por outro lado, em Strange Tales #155, é exatamente isso que acontece quanto o mestre de Estranho usa um pergaminho mágico.

“Tão definitiva, tão irrevogável é a terrível invocação que só pode ser usada uma vez — já que quando o canto é encerrado, o próprio pergaminho segue a jovem — segue-a para o desconhecido eterno–!”

E o Apêndice?

Mas você leu o Apêndice N e sabe que Doutor Estranho não consta daquela lista. Será que isso tudo não é coincidência? Será que os criadores de D&D apenas não beberam da mesma fonte que os roteiristas da Marvel? Isso não é impossível, mas se a gente compara essa ilustração da capa da famosa capa branca com essa ilustração interna de Strange Tales #167 dá pra ter certeza que alguém na TSR lia Doutor Estranho sim.

Tá um pouquinho parecido, né. Assim, de leve.

O que levou Gygax e Arneson a deixar Strange Tales e seu protagonista Doutor Estranho das citações do Apêndice N? Difícil, se não impossível, dizer. Mas negar a influência do Feiticeiro Supremo nas origens do mago de D&D como conhecemos é igualmente difícil. Quando assistir Benedict Cumberbatch na tela grande, lembre que os quadrinhos influenciaram não somente o filme, mas o próprio D&D.

Será mesmo?

Só existem dois laços realmente comprovados entre Dr. Estranho e D&D. A primeira é a capa copiada da Strange Tales. A segunda é o sistema de psionicismo introduzido em Supplement III: Eldritch Wizardry.

Todas as demais relações são meras conjecturas. Até mesmo a estrutura de nome de itens mágicos já havia aparecido nos contos de fadas de João, o matador de gigantes. Inclusive, a sword of sharpness de D&D é assumidamente inspirada por esse conto de fadas.

Saiba mais

Para um livro (em inglês) de Jon Petersen que trata das origens do RPG, clique aqui.

Para um podcast (em inglês) em que Tim Kask fala da relação entre o psionicismo de D&D e Dr. Estranho, clique aqui.

Para um artigo (em inglês) de Mike “Talien” Tresca sobre o mesmo assunto, clique aqui.

Para uma adaptação das magias do Dr. Estranho para Old Dragon, clique aqui.

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Thiago Rosa
RPG Notícias

Redator e game designer na Jambô Editora. Autor de Karyu Densetsu.