“Tesão piá”

Foto: Amanda Koiv.

Sentado em um dos bancos, logo no começo da Rua XV de Novembro, encontra-se Vanito Pereira. Com seu chapéu panamá, o aposentado de 69 anos lia um jornal da cidade. Tranquilo, ele aproveita o momento de descanso para refletir sobre sua própria vida no calçadão da cidade.

Vanito aposentou-se como motorista de ônibus de Curitiba. Durante 33 anos, participou da rotina corriqueira dos curitibanos. Hoje sai de casa apenas para observá-la.

Morador da cidade há 42 anos, trabalhou em quase todas as empresas que prestam serviço de transporte no município. Filho de baiano, nasceu em Bela Vista do Paraíso, cidade da região Norte Central do Paraná. Atualmente, mora no Tingui, de onde sai todos os dias para apreciar a cidade.

Ele diz que ao chegar em uma idade mais avançada, quando grande parte da vida já passou e os filhos estão adultos, a maioria dos idosos sentem-se sozinhos. “Ninguém mais quer escutar nossas histórias ou nos ouvir falar. A gente já não tem mais atenção”, afirma em tom de decepção.

Para evitar a solidão, diariamente ele passeia de ônibus pela cidade até chegar na Rua XV. Isento de pagar a passagem, ele gaba-se de já ter realizados seus feitos na vida e hoje pode andar despreocupado. No meio da conversa, quando questionado sobre seu passado, revela uma das maiores tristezas de sua vida. O pai de Vanito faleceu quando ele tinha 6 anos de idade. Com isso, a mãe adquiriu problemas psicológicos e durante algum tempo ficou morando sozinha em uma chácara. A mando dos familiares, a polícia foi até o local e mandou-a para Curitiba com laudo de esquizofrenia. A mãe, sem condições de cuidar do filho, entregou-o aos padrinhos e pediu que o doutrinassem. Vanito nunca mais reencontrou a mãe e até hoje não sabe seu paradeiro.

As lembranças tristes da infância permanecem. “Eu apanhava muito do meu padrinho, ele arrancava sangue do meu nariz”, dispara. Aos 18 anos, decidiu morar sozinho. A partir desse momento, a vida do aposentado começou a mudar. Em Curitiba, conheceu sua esposa, Cecília Melo Pereira, hoje com 62 anos.

Ele diz que nessa época, por volta de 1974, fazia mais frio do que hoje em Curitiba. Natural de Cascavel, Cecília e os pais acabaram retornando para o sítio onde moravam. Durante este tempo, o casal se comunicava por cartas.

Vanito não esperou muito. Foi à cidade da amada, noivou e, depois de um ano, se casou. Retornou com Cecília para Curitiba. Teve quatro filhos, dos quais se orgulha muito. Quando fala da mulher, seus olhos brilham.

Sentados no meio da movimentada Rua XV, nossa conversa flui natural e agradável, como se estivéssemos em um bar tomando uma cerveja. E cá para nós, “eu adoro tomar uma cerveja”, diz o idoso entre risos. Vanito surpreende-me ao disparar um “tesão pia” enquanto me conta sobre Santa Catarina, local onde um de seus filhos mora. Envaidecido, fala sobre um de seus netos, o qual tem total incentivo do avô para estudar.

Quando conto que estudo jornalismo, ele me parabeniza e aconselha: “continue seguindo seus sonhos”. Nos olhos e na simplicidade das palavras, noto o quão feliz ficou pelos cinco ou dez minutos que fiquei ali para escutá-lo. “Estou feliz e agradecido por você ter parado aqui para conversar comigo. Que Deus te abençoe.”

Por Amanda Koiv

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A XV de Novembro é uma rua de personagens

Medium do jornal laboratório do curso de Jornalismo do UniBrasil Centro Universitário