Cecilia Roth no papel de Manuela, esperando um autógrafo com o filho em frente ao teatro.

Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre, 1999) — O filme fetichista e feminista de Pedro Almodóvar.

Transexuais nunca tiveram diálogos tão marcantes.

Rubens Fabricio Anzolin
3 min readDec 26, 2016

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Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre, 1999) começa nos dando a impressão de ser um filme melancólico. A cena de abertura em um hospital, tratando de transplantes de órgãos, nos passa a impressão de que esse é um filme de perda, de sofrimento — algo tipo a trilogia do Iñárritu, mas mais perto de Amores Perros e 21 Gramas. Entretanto, Tudo Sobre Minha Mãe, definitivamente, não é um filme de Iñárritu. Para os cinéfilos mais treinados, os próprios planos iniciais já entregam: cores. Esse é um filme de Almodóvar. Um filme fetichista, feminista, aguçado e tocante. É, praticamente, uma película fatal. E é, inclusive, de fatalidades que se moldam as tramas (ou a trama) de Tudo Sobre Minha Mãe.

Manuela (Cecilia Roth, em performance marcante e muita realista) interpreta uma mãe solteira que parte de Madri para Barcelona após ver seu filho aspirante à escritor ser morto em um trágico acidente de carro. É através da chegada de Manuela em Barcelona que o filme se desenrola, como um retorno ao seu passado e uma saída para o seu futuro. E é, basicamente, a partir daí que Pedro Almodóvar nos delicia com os seus simbolismos, as suas personagens femininas marcantes, os seus diálogos cheios de subliminaridade e ironia.

Manuela volta a se encontrar com sua amiga transexual, a afetadíssima Agrado de Antonia San Juan, quem lhe apresenta Rosa (uma melancólica Penélope Cruz em um dos papéis que lhe alçaram à Hollywood e ao estrelato), uma portadora de HIV que acaba de engravidar. E se já existiam mulheres demais nesse enredo, é porque ainda Manuela ainda iria se tornar amiga da atriz de teatro Huma Rojo (uma Marisa Paredes retirada de um filme de Woody Allen), a moça ‘’responsável’’ pelo acidente de seu filho.

E é exatamente isso que faz com que Tudo Sobre Minha Mãe seja tão interessante: as mulheres que Almodóvar constrói (e desconstrói). Aqui, não há vulgaridade na transexualidade de Agrado, ou no fetichismo de Huma Rojo; elas são requisitadas, poderosas e, principalmente, dotadas de humanidade. As mulheres de Tudo Sobre Minha Mãe se colocam em patamares de igualdade, onde as poderosas atrizes são recebidas cordialmente na casa de enfermeiras para tomar champanhe casualmente.

Mas se Todo Sobre Mi Madre é um filme feminista, também não deixa de ser familiar. Tudo aqui tem a ver com a questão da paternidade (ou melhor, da MATERNIDADE). A relação entre Manuela e Rosa passa a ser de mãe e filha (quando bem que poderia ser de ‘cumadres’), bem como Huma cuida de Nina (sua parceira de atuação) como se fosse a sua mãe, e Manuela (e posteriormente Agrado) cuidam de Huma e de seus compromissos como se a atriz fosse filha delas. O papel da maternidade, no fim, é transvertido em amizade, em companheirismo, em casualidade. As mulheres de Tudo Sobre Minha Mãe, tão diferentes, e tão parecidas ao mesmo tempo, tem cada uma a sua força interior justamente no seu papel de mãe, sendo os seus filhos reais (o Esteban falecido e o Estaban para nascer) apenas metáforas ou caminhos usados por Almodóvar para empoderar estas mulheres, falando de fetichismos, sexualidade, sensualidade e feminilidade.

Se para a geração X, Azul é a Cor Mais Quente, Almodóvar vêm para nos provar que o vermelho diz (e sempre dirá) com muito mais força e intensidade o que é, realmente, ser mãe, ser mulher, ser empoderada e ser sexy. Seja com roupa de freira, uniforme de enfermeira, ou com litros de silicone e um pênis de baixo das pernas. Com isso, Almodóvar nos explica que mães não precisam dar a luz e que pais podem compartilhar seios e pênis em um mesmo corpo. É o diretor espanhol subvertendo a sexualidade, e reivindicando a liberdade sexual muito antes do fervor das discussões políticas e sociais. É Almodóvar dizendo que é, não só sexualmente, como também intelectual e artisticamente, muito à frente de seu tempo.

COTA: 5/5

Rubens Fabricio Anzolin, 25/12/16

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Rubens Fabricio Anzolin

Estudante de Cinema & Audiovisual e ex-estudante de Letras. Escreve sobre filmes.