CRÍTICA

Silvero Pereira via Gisele Almodóvar

Texto a partir do livro de dramaturgia de ‘BR-Trans’, do Coletivo As Travestidas (CE).

Mateus Araújo
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O ator Silvero Pereira no papel de Gisele Almodóvar. Foto de capa: Caique Cunha/Divulgação

O corpo transpassado pela experiência humana, posto como suporte político para o discurso sobre identidade de gênero, faz o ator Silvero Pereira se transmutar. No palco, o cearense, um dos fundadores do Coletivo As Travestidas, transita entre ele e seu alter ego, a travesti Gisele Almodóvar. Transita pelas duas identidades que, na verdade, se fundem em uma só, escritas em gestos e ditas em voz amplificadores de um teatro documental e militante.

Para se compreender essa relação, é preciso entender a origem dela. Gisele e Pereira “convivem” desde 2002, quando ela foi “parida” por ele na criação do monólogo Uma flor de dama, a partir de um conto do escritor Caio Fernando Abreu. A personagem, justifica o ator, é filha da modelo Gisele Bündchen com o cineasta Pedro Almodóvar — juntando em sua genética glamour e subversão. Com sua criatura, Pereira traduz as percepções que teve e tem do convívio com transexuais, travestis e transformistas sobretudo de Fortaleza, no Ceará.

Em Uma flor de dama, Gisele era uma espécie de máscara, usada por Silvero Pereira para sua interpretação, dentro de um campo fictício. Na montagem, a travesti falava da sua vida, dos seus desejos e das suas amarguras, tendo como interlocutor um “Boy” invisível e universal.

Com o tempo, de personagem Gisele Almodóvar passou a ser identidade. Dez anos depois, o alter ego feminino virou a chave para Pereira experimentar um novo processo de criação: o de vivência in loco do universo em que mergulhara na sua pesquisa junto ao coletivo As Travestidas.

Em 2012, contemplado por um edital federal, o ator começou a traçar novos caminhos para sua personagem, em um processo de observação e entrevistas no sul do Brasil. Foi conhecer as histórias de travestis e transexuais do Rio Grande do Sul e, a partir disso, construir uma dramaturgia que unisse os dois extremos geográficos do país. Ali surgia BR-Trans, o trabalho de maior visibilidade nacional experimentado, até agora, por Pereira.

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Mateus Araújo
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Jornalista. Repórter do TAB UOL. Mestre em Artes pela Unesp e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro