Em casa, 10 anos depois

“This is Happening”, lançado oficialmente em 17 de maio de 2010, marcava o fim da LCD Soundsystem, e o fim por cima, no auge da festa.

Leandro Ramos
Rubricas
3 min readMay 16, 2020

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Há 10 anos, a ideia de voltar para casa, e ficar em casa, era bem diferente do que experimentamos neste maio de 2020. Podia muito bem ser o retorno cambaleante após uma noite de excessos (muitas vezes se estendendo até boa parte da manhã seguinte), que levava a uma inevitável ressaca posterior, talvez agravada pela indefectível perda da forma física com o avanço da idade. Era, sobretudo, o momento seguinte à comunhão com amigos, vários amigos, todos os amigos, inclusive os babacas.

E assim, há 10 anos, James Murphy, criador, líder e dono da LCD Soundsystem, uma das melhores e mais criativas bandas das últimas décadas, representante privilegiada da paisagem sonora do início do milênio, que borrava as fronteiras do indierock e da música eletrônica, oferecia aquele que seria o suposto réquiem de uma experiência festiva e melancólica, alucinada e cerebral. “This is Happening”, lançado oficialmente em 17 de maio de 2010, marcava o fim da LCD, e o fim por cima, no auge da festa, naquele momento em que bateu — não no canto escuro e meio zumbi de uma after party. Murphy completava então 40 anos e achava que estava velho demais para tudo isso: aquela sensação de angústia e tédio sempre palpável, já presente nos dois álbuns de estúdio anteriores da banda.

O álbum de nove faixas, até então o trabalho mais coeso de Murphy e sua entourage, começava referindo-se a uma saída noturna na companhia de amigos e se despedia com um aceno sem muita convicção até a noite seguinte. No meio do caminho, o líder do grupo (e também dono da gravadora, a DFA Records) justificava, em “You wanted a hit”, uma suposta incapacidade de produzir sucessos musicais — hipótese algo controversa, vinda de uma banda que trouxe à tona faixas como “Losing my edge”, “Daft Punk is playing at my house”, “All my friends” e “New York, I love you but you’re bringing me down”, que causaram certa comoção no universo do qual fazia parte, conquistando o público e a admiração de colegas da indústria. Em “I can change” havia a dúvida aflitiva entre se manter o mesmo (a razão pela qual os fãs haviam se apaixonado pela banda) ou mudar, para que esse público se apaixonasse mais — mas sem nenhuma garantia de que esse suposto amor real viria de fato. Entretanto, o pessimismo melancólico de Murphy apontou para um terceiro caminho: nem manutenção, nem mudança, mas o fim puro e simples. Ele dizia só querer que o levassem de volta pra casa. É difícil não se comover com isso.

Para nossa sorte, Murphy não conseguiu manter a palavra. “This is happening” poderia ter sido a última vez. Não foi. Depois da ressaca, depois do exílio voluntário, ele parece ter escutado o chamado de alguém. Após ter passado um tempo em casa, e, quem sabe, conhecido um pouco melhor a vizinhança, o cara da loja de discos sentiu que era hora de deixar a aposentadoria antecipada de lado e voltar aos negócios, publicando, em 2017, o quarto e brilhante álbum do projeto dance-indie-melancólico-de-meia-idade, “american dream”. Era um outro mundo. Não havia mais o presidente negro de “Pow Pow”, o mundo estava infestado de fakers e “opiniões” questionáveis. Sim, estávamos no meio de um sonho ruim.

O sonho ficou pior desde então. Os dias não são mais experiências diferentes, mas cada vez mais parecem os mesmos. Quebrar as regras, num ano terrível, pode ter custos inauditos. Voltamos todos para casa, sem saber quando nos encontraremos de novo para a próxima noitada.

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Leandro Ramos
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