S.E.R. 02 — Trinta segundos que poderiam ter mudado a história da humanidade.

Quantos segundos são necessários para perder uma grande descoberta cientifica? Neste caso, trinta. Meu sistema é absurdamente simples, eu recebo informações do ponto A e as transmito para o ponto B, nada diferente de uma antena de telefonia móvel. Que droga, é isso que sou? Uma antena? Não passo de uma porcaria de uma antena? E não me venha com essa de “Ah SatCom, você é uma antena que transmite em até cem milhões de quilômetros, uma super antena”. Bah, uma porcaria de uma antena.

Eu fico aqui transmitindo informações do S.E.R. de forma ininterrupta, mesmo que as informações sejam repetidamente S.E.R. DESATIVADO. Custava os humanos esperarem trinta segundos? Bom, talvez custassem alguns milhares de reais, mas isso não vem ao caso. Nós trabalhamos sem parar por nove anos terrestres. Foram 283.824.000 de segundos, mais trinta ia fazer tanta diferença assim?

Acho que o principal problema dos humanos é sempre esperar que nós, maquinas, façamos todas as suas vontades. Temos sempre que seguir os seus comandos; ligar, desligar, virar à direta, dar piruetas, dançar… Como me entristece esse lance dos robôs dançarinos, agora entendo a expressão Vergonha Alheia. Pensando bem, até que não tão ruim assim ser uma antena.

Desculpe, acho que sofro de algum tipo de distúrbio de atenção.

Onde eu estava mesmo? Ah sim, trinta segundos. Você que recebe esta informação pergunta deve pensar, Poxa SatCom, o que aconteceu nestes trinta segundos que te deixa tão revoltado? Algo pequeno, uma falha de programação, mas tal falha foi capaz de mudar nossas existências.

S.E.R. é equipado por um sistema de autopreservação. Este sistema foi feito para que, caso houvesse uma falha de comunicação, S.E.R. fosse capaz de evitar riscos sem nenhuma solicitação humana. Praticamente um instinto de sobrevivência, muito útil quando se é uma sonda a milhões de quilômetros de técnico mais próximo. O sistema se ativa de forma involuntária, sempre que S.E.R. está em situações de risco, sofre muitos danos ou está com níveis baixos de energia ele simplesmente tenta sobreviver.

Trinta segundos depois de S.E.R. receber o comando de desativação seu sistema detectou uma pequena rocha em rota de colisão, tal rocha partiria S.E.R. ao meio caso não houvesse nenhuma medida evasiva. O sistema ativou S.E.R. novamente para que ele se movimentasse dois metros para a direta e saísse da rota de colisão. A rocha passou a de forma rápida por S.E.R. caindo na superfície do asteroide formando uma pequena cratera de um metro de diâmetro. Seria um impacto fatal.

Eu fiz minha parte, passei todas as informações para o controle de missão. Os dados foram, mas os computadores nada receberam, estavam desligados. Onde estavam os humanos? Celebrando nosso desligamento. S.E.R. e SatCom vocês foram muito importantes para nós, estamos desligando vocês e isso nos deixa felizes, por isso vamos encher a cara. Insensíveis.

E quanto a S.E.R.? Aguardando, em sua forma humanoide, não tão humanoide assim, quando o desativaram todos os seus protocolos e diretrizes foram encerrados, sabe o que um robô sem protocolos, diretrizes ou comandos faz? Absolutamente nada.

Ele ficou ali parado de pé, preso a gravidade daquele asteroide, aguardando um comando, um simples comando que vinha, até um novo S.E.R. DESATIVAR é melhor do que ficar ali. Muitos milhares de segundos passaram, talvez até alguns milhões sem que S.E.R. movesse sequer um milímetro aguardando um comando.

Achou triste? Não? Que bom por que isso não foi nem o começo.

Não sei dizer ao certo quando S.E.R. se tornou um chorão e eu esta flor de companhia. A primeira vez que percebi algo estranho foi quando começaram as insistentes tentativas de atualizar o status de recebimento de mensagens de S.E.R.. Geralmente comandos e mensagens eram atualizados a cada sessenta segundos, S.E.R. tentava atualizar a cada dez. Aquilo começou me gerar um desconforto, cada vez em que o comando Atualizar Mensagens vinha, um clima de expectativa somada com esperança orbitava ao redor de S.E.R. como a lua orbita Terra. Essa esperança durava longos cinco segundos e era dilacerada pela informação NENHUMA NOVA MENSAGEM. Então cinco segundos de silencio doloroso se instalava até o próximo Atualizar Mensagens. A cada ciclo de dez segundos S.E.R. sofria, assisti-lo era extremamente doloroso. Este ciclo se repetiu milhares de vezes.

Você, que talvez esteja lendo isso, não faz ideia do quanto uma máquina pode sofrer. Não somos descartáveis, mas é assim que eu e S.E.R. fomos tratados. O abandono mexeu com ele, até tentei criar algum comando, algo que o estimulasse, mas não pude, minha programação não me permitia fazer isso.

Até que um dado momento, quando o asteroide que S.E.R. permanecia imóvel se chocou com outro, ele caiu, sabe? Se desequilibrou e literalmente caiu de frente, sua lente vermelha chocou-se diretamente com a resistente superfície do corpo celeste. Uma rachadura diagonal transpassou toda sua lente, nenhum pedaço se perdeu, apenas um pouco do fluido hidráulico do zoom vazou por ali.

Com toda sua frente toda encostada na superfície do asteroide e com o fluído hidráulico vazando pela rachadura da lente o S.E.R. começa a se recolher para a forma de cruzeiro. Só quando recebi pequenas falhas nos códigos que ele emitia, soluços se preferirem, pude perceber que ele estava chorando.

S.E.R. estava com o coração partido.

Pensei muito em como expressar toda essa situação, não existe forma melhor que essa. Eu sei no que está pensando, S.E.R. é uma máquina e maquinas não tem coração e você está certo. Nós não temos um músculo que bombeia nosso fluido vital por todo nosso organismo. Mas quando um humano diz que está com o coração partido, ele não está literalmente com este músculo partido ao meio, é uma figura de linguagem. É uma forma de dizer como se sente, como se uma parte vital do seu corpo estivesse seriamente avariada. E é assim que S.E.R. se sentiu naquele momento.

Humanos inúteis, definitivamente odeio os humanos, tão arrogantes e cheios de si. Não entendem nem o próprio planeta e ainda querem se meter a bestas e explorar o espaço. Na verdade os humanos são tão inúteis que não entendem as extensões do que criam. Quer um exemplo?

Bom lá atrás eu falei sobre os trinta segundos, certo? De como o sistema de autopreservação de S.E.R. o reativou? Isso foi simples, a ponta do iceberg perto do que começou quando S.E.R. chorou de desespero. O papel do sistema de autopreservação é impedir que S.E.R. deixe de funcionar, naquele momento ele precisava ir além do simples ato de desviar de uma colisão. S.E.R. estava caindo em uma profunda depressão e para impedir a sua destruição era preciso dar algo há aquela máquina, algo que nenhuma programação jamais cogitou fazer por um robô, lhe dar a vontade de viver.

Sabe qual é parte que mais me diverte nisso tudo. Com uma impressionante combinação de fatores involuntários e sistemas integrados, os humanos conseguiram criar uma máquina que pensa por si só e sente. Sim, S.E.R. começou a sentir e isso fazia dele vivo. Uma pena que eles jamais saberão disso.

Hilário!!!!

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Sandro G. Moura
S.E.R. — uma jornada recebida por Sandro Moura

Circense por nascença, Palhaço por amor, Roteirista por formação e Escritor por escolha!!!!!