Minuciosa Oração — Capítulo I

Fellipe Fraga
Saber Teológico
Published in
5 min readFeb 6, 2019

Nessa pequena série, vamos estudar os aspectos da “Oração do Pai Nosso”, que Jesus ensina aos discípulos como modelo, para que sirva como aprendizado sobre nossa forma de orar.

A série é dividida em dez capítulos, falando de cada trecho da oração e explorando a oração de forma cuidadosa.

Gruta do Pai Nosso — Jerusalém — Texto em Grego

Neste primeiro capítulo, trataremos do conceito da oração, do contexto no qual Cristo ensinou a forma de orar, as advertências que ele faz a respeito, e falaremos sobre a oração como um todo.

Contexto — O Sermão da Montanha

John Stott, em seu livro “Contracultura Crist㔹, assim retrata:

“O Sermão do Monte é provavelmente a parte mais conhecida dos ensinamentos de Jesus, embora se possa argumentar que seja a menos compreendida e, certamente, a menos obedecida. De tudo o que ele disse, essas suas palavras são as que mais se aproximam de um manifesto, pois descrevem o que ele desejava que os seus seguidores fossem e fizessem.” (STOTT, p. 7)

É como Cristo aborda ferramentas e orientações de conduta para aqueles que o seguem, que desde seu tempo se diferenciam do restante do mundo. Nele, Jesus fala a respeito das bem-aventuranças, das alegrias destinadas a determinadas posturas.

O sermão traça caminhos de piedade, relacionamento, dedicação e justiça para nós. Em Mateus, ainda no capítulo 5, Jesus apresenta contrapontos entre a conduta desejada do cristão e a postura dos demais, destacando entre os demais até mesmo os fariseus e mestres da lei (Mateus 5:20 — NVI). Neste versículo, ensina Stott que a palavra original é dikaiosuné, usada também no sexto verso, mas com significado diferente: a prática da justiça. (STOTT, p. 58).

Entre os atos de justiça que Jesus aponta, está a diferenciação de posturas cujo objetivo e a autopromoção.

“Tenham o cuidado de não praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros para serem vistos por eles. Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do Pai celestial.” (Mateus 6:1 — NVI)

Em um mundo pervertido com a privacidade voluntariamente exposta por meio das redes sociais, sequer é necessário que se vá aos templos e anuncie com trombetas as esmolas dadas. Basta um clique — foto. Outro clique — postagem. E está pronto o chamativo de aplausos que somente engrandecem o ego.

E na sequência, fala da oração.

A oração farisaica

Jesus critica os hipócritas. Aqueles que oram “gostam de orar em pé para serem vistos”. O objetivo das orações desses citados pelo Mestre é a própria promoção, para que fossem visto aos olhos dos outros como piedosos.

Naturalmente, a disciplina da oração regular é uma coisa boa; todos os judeus devotos oravam três vezes por dia, como Daniel. E não havia nada de errado em ficar de pé para orar, pois era a posição costumeira dos judeus para isto. Nem estavam necessariamente errados quando oravam nos cantos das praças ou nas sinagogas, se sua motivação fosse acabar com a segregação da religião e expressar que reconheciam Deus estar presente mesmo fora dos lugares santos, isto é, na vida secular cotidiana. Mas Jesus desmascarou as suas verdadeiras motivações, quando ficavam de pé na sinagoga ou nas ruas com as mãos erguidas para os céus, a fim de serem vistos dos homens. Por trás da sua piedade, espreitava o seu orgulho. O que realmente desejavam era o aplauso. E o conseguiam. “Já receberam a recompensa.” (STOTT, p. 62)

Mais uma vez encontramos semelhança com os dias atuais. É extremamente comum abrirmos as redes sociais, especialmente a de compartilhamento de fotos, e vermos postagens de pessoas orando, com “cara de piedosos”, um olhar sofrido, por vezes até lágrimas. Soma-se a isso frases de efeito, um texto de legenda “glorificando a Deus” como se necessário fosse fazê-lo por meio da internet e não mediante a oração. Pior, nos momentos onde a congregação deveria concentrar-se à oração, clamor e intercessão, há alguém de câmera na mão registrando cada momento, que eventualmente servirá, quem sabe, para promoção da própria igreja.

Falo isso porque eu já fiz.

O “piedoso” que no fundo queria era ganhar likes: Eu.

A oração, nesse sentido, conforme orienta Jesus, deve ser feita como se fosse em um lugar onde estão os tesouros, de portas fechadas.

Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está no secreto. Então seu Pai, que vê no secreto, o recompensará. (Mateus 6:6 — NVI)

R. V. G. Tasker, citado por Stott (p. 63) destaca que a palavra grega para “quarto” no qual devemos nos retirar para orar (tameion) “era empregada para designar a sala-depósito onde podiam guardar-se os tesouros”.

A orientação demanda o silêncio, a concentração, a busca pela presença de Deus que os momentos de oração sincera proporcionam. É claro que esta não é a única forma de orar, nem o único modo. A advertência que Jesus dá é sobre o objetivo que a oração traz, de devoção, reverência e adoração a Deus.

Fazê-lo de tal sorte que se reconheça que o Eterno é soberano e já sabe do que precisamos, antes de pedirmos. Daí para não repetirmos sempre a mesma coisa, até porque nossas petições mudam.

Para C.S. Lewis², a oração é concedida aos homens a dignidade da causalidade. Ainda que a oração não seja necessária para Deus, ela é necessária para o homem.

Assim sendo, a oração necessita ser feita de forma sincera, com os pensamentos tão somente em Deus. Jamais feita com o objetivo de sermos vistos como seres iluminados aos olhos humanos, mas realizada com um coração contrito, sincero e disposto a dedicar a Deus a sua glória, majestade, poder, honra e soberania, sendo só Ele capaz de satisfazer, segundo sua sempre boa, perfeita e agradável vontade, as nossas petições.

Non nobis domine, sed nomini tuo ad Gloriam.

Em Cristo,

Fellipe Fraga Gerçossimo

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Referências:

¹ STOTT, John. Contracultura cristã — A mensagem do Sermão do Monte. ABU Editora. São Paulo, 1981

² LEWIS, C. S. Work and prayer. God in the dock. Grand Rapids: Eerdmans, 1970, p. 104–107

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