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A experiência da fé na Teologia Pentecostal

Por Regina Fernandes

Regina Fernandes Sanches
5 min readMay 1, 2018

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É neste sentido que a experiência pentecostal pode servir como fonte para a produção teológica, como experiência religiosa humana com o divino. Da mesma forma, exigência fundamental para uma teologia pentecostal latino-americana.

Um dos elementos mais importantes e descritivos do pentecostalismo é a experiência com o poder do Espírito Santo, a ponto de ser elemento que distingue pentecostalismos de não-pentecostalismos. Ela é geralmente descrita de forma narrativa e metafórica, própria da linguagem religiosa das culturas tradicionais e daquelas construídas sob essa influência histórica-cultural. A intenção é comunicar a ideia da intensidade, grandeza e sobrenaturalidade do evento. Notamos também que a experiência da fé pentecostal tem uma função social, de empoderar o cristão para além de suas próprias possibilidades, sejam elas humanas ou sociais. Os cargos eclesiásticos são normalmente eletivos e seletivos, e, juntamente com eles, os espaços de poder nas comunidades cristãs. Privilegiam classes sociais, gêneros e “raças” que, geralmente, já ocupam lugares diferenciados na sociedade em geral. Mas, a operação poderosa do Espírito Santos não distingue mulheres de homens, negros de brancos, latinos de europeus, é de fato um “derramar sobre toda a carne”, essa é a compreensão pentecostal.

É uma manifestação efusiva e escatológica, pois tem a ver com o cumprimento das promessas divinas sobre o derramar do Espírito Santo (Joel 2:28–29) na realidade histórica e nos últimos dias dela. Como evento divino no plano humano e histórico ela traz em si a condição de ser restauradora da vida e transformadora da realidade. Esse aspecto da natureza da experiência da fé coloca para o pentecostalismo a exigência de corresponder ao modo operativo do Espírito Santo, de ser meio de sustentação e renovação da vida no mundo nas suas mais diversas esferas. Uma teologia da experiência da fé tende a explicá-la como “experiência para…”, seja para mudança de algo ou empoderamento da Igreja e do cristão para ações transformadoras.

Para que a experiência religiosa pentecostal possa também servir de fonte no fazer teológico é necessário que ela seja também colocada como objeto de análise e verificação. É preciso que a teologia proposta (e que a inclui como fonte) se compreenda como um saber crítico e resultante da interação entre o que Dreher coloca como “dimensões empírica e especulativa” no que diz respeito ao método teológico de Schleiermarcher, teólogo alemão do séc. XIX, pregador e professor de Filosofia. Conforme Dreher, embora Schleiermarcher esteja tratando mais especificamente das ciências, compreende ele que isso também se aplica à teologia enquanto saber científico e sistemático. Ainda comenta que segundo o pensador alemão isso se dá porque as fontes principais da Teologia são a história e a experiência:

Pois, por um lado, a “teologia” fundamenta necessariamente seu conhecimento em dados provenientes da história e da experiência, e, por outro, implica necessariamente a sistematização desses dados com base numa “especulação” entendida como um construto teórico plausível e unificador.

Para Scheleiermarcher a teologia carrega em si e se constitui dessas duas marcas: ser filosófica e prática. Filosófica na medida em que se faz especulativa e prática ao ‘basear-se bem mais no dado empírico da “vida cristã’ (DREHER, 1995, p. 39).

Neste caso, seria correto afirmar que tendo como base a experiência piedosa e como finalidade o serviço da comunidade cristã em função do conhecimento cristão, a teologia pentecostal não se constituirá como uma forma de teologia que prioriza a racionalidade e a abstração, mas que se faz caracteristicamente prática em seu sentido metodológico. Isso não impede, ao contrário, o exercício crítico sobre o dado empírico ou experiencial, para fins de sua elucidação, não enquanto movimento de transcendência, mas em suas implicações humanas, contextuais e vivenciais. Ou seja, o esforço não é por desvendar o mistério em si, o que tiraria da pentecostalidade sua riqueza religiosa, mas, na perspectiva do fenômeno, verificar como a experiência pentecostal interage com a vida e a fé, como a afeta e em que direção a move. Também é importante, à luz das especulações da teologia filosófica e das verificações históricas e sociais, compreender essa mesma experiência e sua importância para a comunidade cristã. Outra questão que se coloca é o contexto cultural e histórico e como essa experiência se alinha e corresponde à ele.

Para Schleiermarcher a teologia cristã, enquanto saber, não possui existência para si mesma, mas existe para o cristianismo e a Igreja, para a busca de sua compreensão mais profunda. Esse é o seu caráter prático e é nesse sentido também que não se pode dissociar a prática, como se ela estivesse restrita a uma teologia prática, enquanto as demais formas de teologia são especulativas. Para ele, toda a teologia carrega em si essa natureza prática, que está também na razão de sua própria existência, como tal, também possui a natureza científica, o que a constitui como saber especulativo.

Isto interessa muito a teologia pentecostal, que necessita compreender a experiência religiosa como uma das bases do fazer teológico, mas também como um saber prático e vivencial. Deve-se cuidar nisso para não incorrer no risco de se submeter a teologia a uma forma de pragmatismo teológico comprometedor de seu conteúdo teórico. Ela é sempre um saber, ainda que em serviço. É sempre especulativa no sentido de ser crítica, e deve ser prática no sentido de ser histórica e contextualizada.

O Pietismo alemão já havia resistido ao ortodoxismo racionalista pós-reforma chamando a atenção para a importância da experiência da fé. Foi justamente esse seu aspecto que mais influenciou os movimentos protestantes modernos como os avivamentos, evangelicalismo e metodismo. As raízes religiosas de Schleiermarcher estavam no Pietismo, e ele relacionou esse ponto fundamental da Segunda Reforma ao método e produção teológica, na esfera do saber científico moderno e sob as influências do Romantismo Filosófico. Para ele, o humano é essencialmente religioso e isto não pode ser desconsiderado na construção do pensamento científico, principalmente teológico.

É neste sentido então que a experiência pentecostal pode servir como fonte para a produção teológica, como experiência religiosa humana com o divino. Da mesma forma, exigência fundamental para uma teologia pentecostal latino-americana.

CAMPOS, Bernardo. Da Reforma Protestante à Pentecostalidade da Igreja. São Leopoldo: Sinodal, 2002.

DREHER, Luís H. O Método Teológico de Friedrich Schleiermacher. São Leopoldo: IEPG/Editora Sinodal, 1995.

LÓPEZ R. Darío. Pentecostalismo y Misión Integral. Lima: Ediciones Puma, 2008.

OLIVEIRA, Myckon. Igreja do Evangelho Quadrangular. Campinas: Saber Criativo, 2018.

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