“Amor e ação no mundo” — Entrevista com Elissa Gabriela

Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo
14 min readSep 13, 2021

…se eu conseguir olhar para o meu corpo, minhas imperfeições, meus defeitos e assumi-los, me colocando como responsável pelas minhas atitudes, somente assim serei capaz de me relacionar com o meu próximo de maneira saudável e amorosa pois, apenas dessa maneira serei capaz de compreendê-lo…

Elissa, você começou na Teologia, depois foi para a Filosofia, para as Ciências da Religião e hoje estuda Engenharia da Computação. Fale um pouco para nós sobre a sua trajetória e conte-nos o que você aprendeu com ela.

Foto de Elissa, uma mulher branca e jovem, de cabelos lisos, curtos e castanhos. Olhos castanhos, usa óculos. Está sentada em um banco, com uma parede verde atrás com um pequeno quadro colorido pendurado. Está apoiando a cabeça na mão esquerda.
Elissa Gabriela

Minha trajetória sempre foi bem flutuante pois eu não lido com o conhecimento como se fossem caixinhas, especialidades. Eu gosto de aprender e ponto. Se esse aprendizado me leva para a Humanas, Biológicas ou Exatas, não é algo que me incomoda, estou sempre muito aberta. Nesse sentido, creio que o que eu aprendi de mais importante foi aceitar essa pluralidade de interesses. Além disso, também estudei Artes, já passei pela Biomedicina e Ciências Biológicas… Cada partícula de conhecimento se soma à minha sabedoria de vida e assim vou caminhando. Sou o tipo de pessoa que consegue conversar sobre qualquer coisa e esse foi outro aprendizado da minha trajetória. Cada área do conhecimento cumpriu um papel fundamental na minha vida. Quando entrei na Teologia, estava saindo da Engenharia, em uma crise de depressão (que tenho de maneira oscilatória desde a adolescência) e sem saber para onde ir. Gosto de dizer que a Teologia me curou pois na época sequer tinha recursos financeiros para pagar o curso, embora meus pais fossem docentes na instituição onde estudava. Já a Filosofia deu um impulso forte e essencial para o meu amadurecimento e poder realizar uma transição profunda para os 30 anos. Através dela aprendi a fazer questionamentos e adquirir maior autoconsciência da minha participação no mundo. Todavia, ela me levou para o fundo do mar, onde acabei entrando em uma depressão ainda mais profunda do que aquela em que estive quando saí da Engenharia. Foi assustador e nesse estudo descobri que a Filosofia é minha companheira de caminhada, junto da solidão, pois ela também me ajudou a me reerguer e a encarar meus pensamentos suicidas da época.

No fim do Mestrado me envolvi muito com as Artes Plásticas, que foi um refrigério. Costumava dizer que havia entrado em um casulo e não sabia quando iria sair, simplesmente me mantive lá por uns 2 anos, apática, sem criar nenhuma expectativa, sem sonhos, sem desejos, apenas vivendo um dia de cada vez. Nesse tempo consumi e produzi bastante pintura, que aprendi de forma autodidata. Com isso, arranjei outra parceira de vida. Amo Arte, simples assim! Foi somente depois de uma viagem que fiz, para a Alemanha, em fevereiro de 2020 que saí do casulo em uma crise existencial enorme, a qual consegui abraçar após muita terapia (minha psicóloga é meu anjo, [risos]). Já a Engenharia da Computação cumpre um papel de retomada, respondendo aos novos desejos que têm aparecido no meu coração e que não se restringem a ficar apenas contemplando o mundo ou os céus. Tenho voltado a sentir vontade de ser útil na sociedade e não acho que as Humanas me conduzirão ao objetivo que tenho buscado. As Exatas me deram gás para reaprender sobre Deus (que hoje vejo de uma forma muito diferente daquela pregada pelo Cristianismo) e a aceitar a minha espiritualidade e a minha teologia (que é muito pouco doutrinária e bastante espiritual). Além disso, minhas matérias preferidas na escola sempre foram biologia e matemática (odiava história, português e geografia [risos]) e na Exatas eu me sinto, estranhamente, em casa.

Agora, conte um pouco para nós sobre a obra que você publicou com a nossa editora: “Amor e ação no mundo: a formação teológica do espaço público em Hannah Arendt e Agostinho”.

A obra foi resultado da minha pesquisa de mestrado, na realidade. Na época estava encantada com Hannah Arendt (e ainda sou, a considero minha amiga de pensamento) e com Agostinho (que é meu guia interior). Nela eu busquei refletir e entender que tipo de ligação existe no espaço público. É importante avaliarmos isso para termos um ponto de partida sobre como devemos agir na sociedade, isto é, o que me impulsiona a me relacionar com o próximo? É um interesse egocêntrico? É o amor? É a compaixão? Brigamos e nos obrigamos tanto a estar com a outra pessoa, a tolerar, a respeitar, mas não temos noção de qual ou quais sentimentos regem nossas relações públicas. Esse que chamamos de ‘outro’ é um total desconhecido que, geralmente, simbolizamos nas imagens do morador de rua, do indígena, do negro, da mulher e até do presidente, do ministro. Mas não sabemos quem e o que eles são exceto pelos seus nomes e atitudes públicas. Então, que tipo de ligação estabeleço com eles no plano social? Supomos que devemos amar ao próximo como a nós mesmos e a Deus acima de tudo, como Jesus pregou em Mateus, porém o que isso significa? A quem devo amar primeiro? A Deus? A mim? Ao outro? Jesus não estabeleceu uma ordem específica.

Além disso, muitas cristãs e cristãos confundem o ‘amar ao próximo como a ti mesmo’ como uma espécie de empatia, um dever kantiano de fazer com o outro o que eu gostaria que fizessem comigo. Mas essa é uma regra absurda pois nem sempre isso indica que nos amamos e, tampouco, que amamos o próximo. Na verdade, essa é uma regra de respeito mínimo para uma convivência mais ou menos equilibrada. Se uma pessoa gosta de se drogar, por exemplo, isso significa que, na visão dela, o outro deve gostar de drogar também, só não descobriu isso. Não, esse tipo de pensamento está errado. Assim, na minha pesquisa descobri o que significa essa frase ‘amar ao próximo como a ti mesmo’ e identifiquei o desejo que rege as relações públicas, a prerrogativa para o fazer político, e esse desejo não é o amor, mas o respeito. Desde que eu respeite o próximo, podemos conversar, discutir, manejar interesses, estabelecer limites, contribuir… Foi isso que o meu livro me ensinou e espero que ele também ensine às minhas leitoras e leitores. Quanto ao amor, eu não aprofundei nesta questão na obra, mas o parâmetro de relação cristã deve ser guiado pelo autocuidado e gentileza consigo mesmo. Uma pessoa que se ama, cuida de si mesma em todos os sentidos, psicológicos, profissionais, familiares, emocionais… Ela evita ser domada pela negatividade, pelo pessimismo, pela ansiedade, pela intolerância, pela raiva, pelo ódio e, claro, isso é muito fácil falar. Por isso é a maior lei cristã, pois se fosse fácil, Jesus não teria feito questão de ensiná-la. Então, se eu conseguir olhar para o meu corpo, minhas imperfeições, meus defeitos e assumi-los, me colocando como responsável pelas minhas atitudes, somente assim serei capaz de me relacionar com o meu próximo de maneira saudável e amorosa pois, apenas dessa maneira serei capaz de compreendê-lo se ele errar comigo, se ele me ofender, se ele sofrer ou se ele não corresponder às minhas expectativas.

Mais do que isso, amar o próximo não significa me obrigar a viver com todo mundo, até mesmo com os que me desagradam, pois existem pessoas com as quais eu não me relaciono bem e preciso me amar para conhecer meus limites e me afastar dessas pessoas. Isso não é egoísmo, é autocuidado. Entender isso é muito difícil na prática, exigindo um exercício constante até o fim da vida de autoconhecimento, amadurecimento, questionamento e aprendizado. Acho que, diante disso, ninguém consegue ser cristão, pois isso é um constante devir, um processo interminável.

Livro de capa laranja em fundo azul claro, na capa do livro se lê “elissa gabriela”, na parte superior, e o título, em letras maiores “amor e ação no mundo”. Logo abaixo, em letras menores, se encontra o subtítulo “a formação teológica do espaço público em hannah arendt e agostinho”. Uma silhueta das feições de Hannah Arendt de perfil se encontra na capa.
Capa do livro “Amor e ação no mundo”

Agostinho é um autor clássico na Teologia e na Filosofia: é praticamente impossível estudar qualquer uma dessas duas áreas sem passar por ele várias e várias vezes. Já Hannah Arendt não, especialmente não na Teologia. Então, o que levou ao seu interesse pela filósofa?

Eu estudei Hannah Arendt na Teologia e ela me apresentou ideias muito diferentes das que estava acostumada a ler na própria Teologia. Eu sinto abominação por doutrinas (dá até um calafrio na espinha) e qualquer movimento enrijecido que me obrigue a cumprir certas responsabilidades que me aproximariam de um suposto Deus. Isso é algo que me dá pavor no Cristianismo. A minha fé é uma coisa tão flutuante e tão livre. Para onde ela quiser ir, eu a sigo. Fui criada por uma família mais enrijecida. Por exemplo, qualquer cidade ou região nova que visito com minha mãe, ela desperta sua atenção para quais igrejas tem ali. Ela possui um olhar bem treinado [risos]. Eu era obrigada a ir nos cultos todos os domingos até meus 16/17 anos, o que odiava, até que comecei a frequentar a rede de adolescentes na minha igreja, e isso eu passei a fazer com prazer pois os cultos eram bem agitados, com apresentações de dança, teatro e uma pregação bem curtinha [risos]. Mas chegou um momento em que meus pais deixaram para eu decidir se prosseguiria nos meus hábitos dominicais ou não, e eu acabei frequentando muitas denominações e todas elas me assustavam, principalmente nos sermões.

O que isso tem a ver com Hannah Arendt? Ela foi a primeira a me apresentar uma outra forma de ver o mundo e, com ela, meus pensamentos começaram a se libertar. Com ela confirmei minha impressão de que, talvez, a Igreja não era para mim e que meu caminho era mais contemplativo. Hoje, eu olho para trás e vejo o bem que a filósofa fez para mim, e não só ela mas a minha decisão de me distanciar da Igreja, de recusá-la, de assumir meu deslocamento dentro dela e dizer: “está tudo bem, continuo amando a Deus e isso que me importa”. Isso faz parte do meu processo de aprendizado a ser cristã e de amar a mim mesma. Hannah Arendt me ensinou a amar a mim mesma e sou eternamente grata por isso.

Tanto Arendt quanto Agostinho são autores bem criticados, a primeira talvez mais que o segundo. Críticas à sua obra, seus posicionamentos políticos e mesmo à sua vida pessoal, até acusações de antissemitismo são constantes quando se cita o nome de Arendt. Como você lida com essas críticas em relação à autora?

Eu penso que toda mulher que ousa se destacar no sistema patriarcal que ainda vivemos receberá críticas, isso é histórico. Martin Heidegger, ex-amante dela, foi nazista, se aderiu ao partido, escreveu uma reflexão que ninguém entende e é aplaudido de pé na Filosofia. Kant escreveu um livro sobre antropologia filosófica em que afirmava serem os africanos selvagens animais (quando comparados com a gloriosa cultura europeia da época) e esse é um ponto que, se ressaltado nas aulas de Filosofia, é imediatamente rechaçado. Há suspeitas de que Michel Foucault, filósofo francês, tenha abusado sexualmente de crianças africanas quando esteve em algumas de suas viagens pela África e isso pouco é mencionado na academia. Jean Paul-Sartre fez sucesso pois boa parte de suas ideias derivavam de Simone de Beauvoir, sua amante da época. Nietzsche se tornou um machista após ter sido rejeitado por seu amor platônico: Lou Andreas Salomé, que escolheu seu melhor amigo ao invés dele. Suas ideias inspiraram parte da filosofia nazista alemã, não porque ele fosse nazista, mas foi vendido como tal depois que morreu. Essas são apenas algumas histórias espinhosas da Filosofia, porém às pensadoras é entregue o fogo de suas próprias fogueiras. Ser mulher na Filosofia é, por si só, uma forma de arrebentar com uma autocracia masculina e masculinizante que coloca os homens no panteão dos deuses e as mulheres como meras divagadoras que possuem muito a aprender. Não nego a importância do pensamento deles para a Filosofia, mas não concordo em criticar o pensamento feminino se não for colocado sobre a tradição filosófica como um todo o peso da falta de responsabilidade ética.

A Filosofia não torna ninguém santo, apenas desperta as consciências para a responsabilidade de suas atitudes. Isso não significa, necessariamente, que um filósofo bem capacitado saberá agir bem em todas as situações da vida. Ao contrário, mesmo sabendo o que seria uma boa decisão, o normal é eles cederem às suas paixões e continuarem fazendo coisas que, eticamente e socialmente, são erradas. Só que desta vez eles não ligam tanto para isso. Quanto a Agostinho, parte do preconceito que existe acerca dele se deve a uma falta de compreensão sobre suas ideias. Ele não é um autor fácil de ler, exige paciência e conhecimento filosófico para entendermos suas ideias. O Cristianismo de hoje é apenas uma espécie de “Resumão” do pensamento agostiniano. Para entender de fato o Cristianismo, é impossível passar batido por ele, pois suas ideias fundaram as principais doutrinas cristãs (como a doutrina da graça, do pecado original, da eleição), das quais advieram outras. Então, não faz sentido um preconceito religioso com relação a ele, mas é compreensível um preconceito filosófico.

Desenho de Hannah Arendt sentada em uma poltrona, com uma janela ao fundo e parte da cortina aparecendo no canto esquerdo. Do lado direito de Arendt, encontra-se uma máquina de escrever em cima de uma mesinha.
Hannah Arendt — Arte de Elissa Gabriela.

“Eu penso que toda mulher que ousa se destacar no sistema patriarcal que ainda vivemos receberá críticas, isso é histórico.”

Enquanto uma pessoa que caminhou e caminha entre os campos da Teologia e da Filosofia, o que você acredita que uma pode contribuir com a outra?

Penso que há muito a se contribuir! A Filosofia exige um nível de introspecção contemplativa que não é simples e nem fácil para as novas gerações. O mundo caminha para um modo de vida cada vez mais agitado, impaciente, saturado, cínico. As pessoas querem agir mais e mais, e pensar menos e menos. Elas querem resolver problemas, querem brigar, querem conhecimento prático e a Filosofia não fornece esse tipo de saber. Para apreendê-la, você precisa parar, literalmente, respirar fundo, sentar-se em uma cadeira, escutar o silêncio, abrir um livro de algum pensador e ler. Porém, não se trata somente de ler as letras, ligar as palavras, mas de interpretar, de passar os olhos da mente várias vezes sobre uma mesma frase. A Filosofia não dá respostas, ela te ensina a problematizar, a questionar, afina seu pensamento crítico. Ela não te dá nenhum subsídio para tirar conclusões, ao contrário, te dá recursos para sair com mais dúvidas do que você tinha. Por conta disso, ela demanda muita paciência, dedicação e, acima de tudo, paixão, um componente (este último) que descobri que não tenho por ela. Contudo, se você não se dispuser a realizar este processo de contemplação das coisas, de leitura e esforço, dificilmente sentirá que a Filosofia contribuiu para algo pois isso significa que você não adentrou em seus átrios, apenas ficou batendo na porta.

A Teologia surgiu da Filosofia, ela não é um conteúdo autônomo. Com isso, quero dizer que fazer Teologia sem fazer Filosofia é fazer uma Teologia em partes. O inverso não é necessariamente verdadeiro pois alguns campos da Filosofia sobrevivem bem sem a Teologia como a Filosofia da Tecnologia. Mas se você quiser tratar de temas como Ética, Filosofia Política, Metafísica, Filosofia da Mente, em se tratando de uma sociedade ocidental, portanto, na qual o Cristianismo é um pilar importante, é difícil realizar qualquer problematização sem recorrer às influências teológicas que persistem em nossa cultura.

Sua obra discute, especialmente, o espaço público. Vivemos um momento sociopolítico no qual tanto a religião quanto as ciências humanas e a filosofia tornaram-se palco de debates políticos e disputas ideológicos. Como sua obra se insere, portanto, neste contexto atual?

Minha obra não é um texto fácil de ler, não porque eu escrevo difícil [risos]. O motivo é que o texto no qual me baseei é de difícil leitura e, para piorar, incompleto. Então, meu livro ficou incompleto. A ideia nele foi, a partir da tese de doutorado de Hannah Arendt, entender o que motiva as conexões neste espaço público. A Teologia, por meio de Agostinho, defendeu por séculos que é possível existir amor neste espaço, o que Arendt rejeita, uma vez que o amor, para ela, exclui o próprio espaço. Ela entende o amor como um sentimento que liga duas pessoas e que, por isso, não permite intermediações. O mundo (vide espaço público) é uma intermediação e quando ele adentra o campo do amor, o enfraquece transformando as relações humanas em rivalidades, polarizações, devido às multiplicidades de interesses. O que o amor estabelece é uma fraternidade, uma relação entre irmãos, mas no espaço público somos indivíduos, somos o outro, o próximo, não existe nenhuma relação fraterna entre nós. A política, inclusive, para ser realizada, precisa ser ausente de amor.

Eu, por exemplo, não defendo a causa das mulheres pois as amo. Eu nem sei quem estou defendendo neste processo para dizer se as amo ou não. A minha relação com elas é de respeito e é esse princípio pelo qual luto quando afirmo que deve haver justiça na relação entre gêneros. Eu posso respeitar alguém que não conheço, mas como posso amar um anônimo? Isso não existe. Dessa forma, acredito que minha obra tem muito a contribuir em termos de ensinar a desapegar um pouco do sentimentalismo que acaba regendo nossas conexões ideológicas. Quando estamos fazendo política (que, para Arendt, é o tempo todo), acreditamos que não é possível lutar por algo sem paixão, sem amor. Isso é mentira. Não lutamos porque somos apaixonados pela causa, lutamos porque somos apaixonados pelo mundo, pelo espaço público (se trata do conceito misterioso dela chamado amor mundi). Nesse sentido, há uma enorme relação de amor entre os que buscam justiça, igualdade, liberdade, tolerância e respeito. Mas não se trata de amor uns pelos outros, mas de um amor muito romântico e profundo por um mundo melhor, que é o meu próximo.

Por fim, qual o conselho você gostaria de dar para outras(os) jovens teólogas(os) ou filósofa(os) que estejam iniciando ou que pensam em seguir por este caminho do diálogo entre Filosofia e Teologia?

Elissa está num quarto de hotel, sentada numa janela, olhando para o lado de fora. A janela possui cortinas de ambos os lados, a parte de cima da roupa de Elissa é laranja e sua calça, rosa. Na parede do quarto, à esquerda, está pendurado um quadro grande com a pintura de uma floresta. No canto inferior da foto se encontra uma cama com os lençóis desarrumados.
Elissa em Munique, quando viajou para a Alemanha em 2020

Abram a cabeça. O mundo não é dicotômico. Não existe o certo e o errado, o bom e o mal, Deus e o diabo… Tudo isso são construtos sociais profundamente arraigados em nossas cabecinhas. Libertem suas ideias e permitam-se experimentar novos conceitos, entender outros lados, outras faces do mundo. Se agarrem à pluralidade pois é lindo termos o privilégio de vivermos em um lugar tão diverso, não só de ideias como de pessoas, de animais, de plantas… O que embeleza nosso espaço público é o fato de nada ser igual. Parem de ficar babando ovo em autores, pensadores, homens, mulheres, gente como você. As pessoas podem inspirar umas às outras, mas ninguém é herói nessa história. Quanto mais gente colocamos no pedestal, mais poder e voz tiramos de pessoas que não possuem tanto destaque, do povo, da sociedade. Todos devem ser ouvidos, não apenas um ou outro que possui síndrome de Messias e se acha o salvador/diferente do grupo. Se deem ao luxo de parar de vez em quando, de sorrir, de cuidar, de respirar, pois tudo isso faz parte do processo filosófico.

Filosofia não é só ler livros difíceis e ficar interpretando autores como se nossas ideias interpretadas fossem ainda mais originais por serem contextualizadas. Cada um escreve para o seu tempo e esse tempo passa e essa pessoa desaparece. O que surge em nossa cabeça são referências figurativas, nada demais. Supervalorizar essas referências é uma perda de tempo. Hannah Arendt já morreu, nunca saberei quem ela é, se era tudo isso que eu já imaginei ou não. Mas isso também não importa. Parem de ficar percorrendo estradas difíceis para terem status, e alimentar o ego nas redes sociais, busquem o simples pois isso já é suficiente. Mais importa aprender a viver a Filosofia do que ficar saboreando-a como se fosse um grande filé de alcatra [risos]. E uma vez que você começou a pegar o jeito de como lidar com sua existência no mundo (jeito este que nunca se finaliza e você está sempre aprendendo coisas novas), leve a Teologia para longe de seus portais, coloque-a à prova. Veja se sua resistente fé sobrevive à dúvida da realidade política, de perceber a maldade de nosso governo atual, de olhar para o tratamento que os povos indígenas recebem, de assumir o machismo que todos nós, mulheres e homens, carregamos e que torna esse mundo tão estupidamente oco, de buscar sua participação em relação à criação. Se ela não resistir e você sentir que está perdendo a fé, sinta-se feliz pois agora sim estará fazendo Teologia!

* Elissa Gabriela Fernandes Sanches é graduada em Teologia, mestra em Filosofia e hoje realiza uma graduação em Engenharia de Computação. Tem estudado os seguintes temas: trans-humanismo, ciberfeminismo, inteligência artificial, feminismo latino-americano, decolonialismo. Como mulher, se considera uma feminista decolonial ciborgue (emprestando o conceito de “ciborgue” da teoria de Donna Haraway) e como profissional (se for possível destacar uma coisa da outra) uma filósofa política, cientista de dados em formação e pesquisadora independente de exatas-humanas.

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