Cristo, nosso grande antepassado: a mediação de Cristo

Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo

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por um cristão africano

Júlio Macuva Estendar

Teólogo angolano, doutorando em Antropologia Social.

Mora no Brasil atualmente.

Começo essa breve reflexão com a leitura dos dois primeiros capítulos do sermão aos Hebreus. A epístola começa com uma extraordinária apresentação do Filho, como sendo o único, eficaz, e o meio pelo qual Deus fala ao seu povo, porque no passado, como diz o autor, Deus falava de várias maneiras, pelos Pais (os ancestrais ou antepassados) e pelos profetas; mas só que agora o Filho alcança proeminência na mediação direta entre Deus e a humanidade (1.1,2). No Cristo, temos o agir de Deus completamente realizado, pois as palavras de Deus encontram seu agir nele, que é a expressão exata do seu Ser. A palavra de Deus agiu diretamente em nossa história por meio do Filho, que é sua ação. Em Hebreus 14.2, Jesus se tornou participante da carne e do sangue, demonstrando assim sua identificação com a humanidade, o que se deu através de sua encarnação. Para tornar-se o mediador era necessário que assumisse a carne e o sangue, e, sendo como um de nós, venceu a morte por sua própria morte.

No pensamento religioso tradicional bantu se concebe a ideia de Deus como totalmente transcendente e distante da humanidade, sua presença permeia todo o cosmos, mas a relação entre Deus e o ser humano é completamente transcendental. Esta concepção religiosa e cosmológica do povo Bantu demonstra as particularidades do seu monoteísmo, que em nada se apresenta como uma cópia ou subproduto do monoteísmo levado pelos missionários ocidentais, ou seja, trata-se de um monoteísmo marcado por distanciamentos e aproximações, o divino, ao mesmo tempo que está “lá”, está “aqui”. Para os bantu é como se Deus sempre estivesse distante, mas ao mesmo tempo Ele nunca foi embora. Alguns mitos desses povos demostram essa transcendência-imanência divina. Daí a grande importância dos seres mediadores, porque entre o Deus distante e os seres humanos há espíritos e poderes bons e maus, que fazem a mediação, mas de forma insuficiente. Para os bantu o antepassado fundador é o verdadeiro mediador. Dele, se recebe a salvação comunicada por Deus para toda a humanidade que espera pela manifestação das bênçãos divinas. Jesus Cristo é para nós africanos cristãos este Deus mediador, que volta a religar-nos com a fonte da vida, Suku, Nzambi (Deus).

Nessa páscoa é essencial que, como Igreja de Cristo no mundo, voltemos nossa fé e atenção a este Deus-homem mediador, Jesus Cristo, que, ao tornar-se humano resgatou nossa humanidade. Para nós, cristãos africanos, Jesus Cristo é o elo relacional com Deus, como o são os antepassados, portanto, ele é nosso grande antepassado, aquele que nos une com Deus. Neste sentido, a ressureição é a constante reafirmação do resgate de nossa humanidade por parte de um Deus-humano. Do mesmo modo que Ele é um Deus de “lá”, em Jesus Cristo Ele é também um Deus “daqui”, ou seja, não existe temporalidade e espacialidade que limite nossa relação com Deus.

Os cristãos africanos reconhecem e vivenciam o evento da ressurreição de Cristo como sendo a constante reafirmação de Deus sobre a nossa humanidade. Ao se encarnar, Ele se tornou como nós, e, ao morrer, vencer a morte e ressuscitar, de novo Ele reafirma e resgata essa nossa humanidade.

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