E Jesus Cristo foi sepultado

Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo
4 min readApr 3, 2021

Sidney Sanches

Deposição da Cruz. 1521. Por Rosso Fiorentino, no Museu de Volterra, na Itália.

Sexta-feira, chamada santa, quando os cristãos e cristãs lembram que Jesus Cristo foi morto, exatamente assim, ele não morreu, ele foi morto. E, como todo morto, foi também sepultado. Gostaria de falar do sepultamento de Jesus, pois da morte todos estão a falar.

Não se sepulta gente viva, mas morta. E, aqui, deixe-se de lado toda a querela racionalista de séculos passados: Jesus morreu, ou foi apenas um desmaio, de modo a negar a ressurreição? Mas, como essa ainda está para acontecer no domingo, e estou escrevendo sobre a sexta-feira, fiquemos com o fato: quem morre é sepultado, e Jesus foi sepultado.

Para que Jesus fosse sepultado tiveram que descer seu corpo da cruz. E essa já é uma história minimamente dolorida. Diz-nos os evangelhos que era o fim da tarde quando deram conta que Jesus estava morto. Um membro do Sinédrio, o mesmo que condenara Jesus à morte, José da cidade de Arimateia, homem bom e justo, que esperava o reino de Deus e que não havia concordado com a decisão do Sinédrio, foi até Pilatos e pediu permissão para descer o corpo da cruz. Pilatos ficou admirado que Jesus já tivesse morrido, a tortura da crucificação costumava durar dias. Conferido pelo comandante do destacamento que ele estava morto, o pedido foi concedido.

Ora, não é fácil descer um corpo da cruz, pelo fato simples de que o corpo está sem vida, ele não pode fazer nenhum esforço para ajudar. Quantas pessoas foram necessárias para descer o corpo de Jesus da cruz? Quem desceu o corpo de Jesus da cruz? Como o corpo de Jesus foi descido da cruz?

O corpo de Jesus estava morto e precisava ser sepultado. José de Arimateia, homem rico dono de um sepulcro novo, envolveu o corpo de Jesus em um pano de linho limpo, observe que é dito que o pano está limpo, e coloca o corpo dentro do sepulcro, fechou-o com uma pedra, e foi embora. Duas Marias, a Madalena e a mãe de José, eram muitas, afinal, ficaram ali, em frente à pedra, diante do sepulcro. Outras ficaram preparando aromas e bálsamos para arrumar o corpo de Jesus para um sepultamento digno, no domingo após o descanso do sábado.

Jesus sabia que seria sepultado, pois ele entendeu a unção em Betânia, por Maria, como um sepultamento prévio. E o sepultamento de Jesus tornou-se parte do anúncio apostólico: Cristo morreu e foi sepultado, tudo isso conforme as Escrituras.

E é tudo o que sabemos sobre o sepultamento de Jesus.

Para onde essas informações recolhidas dos evangelhos, do sermão de Pedro em Atos, das exortações paulinas, nos levam?

A gente deve acreditar no credo quando diz: morreu sob Pôncio Pilatos e foi sepultado. Gosto de ver, e isso não é masoquismo cristão, os quadros onde é pintada a descida do corpo de Jesus da cruz. Sinto ali a emoção mais profundamente humana, onde os pintores fazem sofrer as feições no sentimento mais solidário, exatamente porque comovidas pela morte, presente e dona de um corpo agora sem vida. Não era Jesus, mas continuava sendo ele, e isso é tão claro quando pessoas cristãs em Jerusalém ainda visitam o suposto túmulo onde ele esteve sepultado. Não há máscaras perante a morte, e, além disso, os verdadeiros e verdadeiras seguidores de Jesus aparecem, e se mantém fiéis a ele, na morte, não na vida, no sepultamento eles e elas estão lá. Especialmente as mulheres, as tantas Marias. São elas que o acolhem enquanto os homens fortes tiram os pregos das mãos e dos pés, soltam o corpo que quase cai sobre todo mundo embaixo, então o sustentam e vão descendo devagarinho enquanto alguns o recebem no chão, e, então, as mulheres se chegam, abraçam o corpo de Jesus, molham com suas lágrimas, clamam a Deus por consolo, e o recebem em seu colo, dando-lhe um último carinho. Após isso, elas ficam à porta do sepulcro fechado até anoitecer. E, depois, elas ficam em casa, planejando cuidar do corpo de Jesus, sem se desligar dele, querem que ele fique perfumado enquanto a corrupção não chega, é a última homenagem, e é a última participação na vida que viveram com Jesus.

Ser sepultado é uma quebra de vínculos, todos os que foram feitos durante a vida, o corpo desce para a terra, os pertences do morto já não são mais dele, seus familiares, amigos, vizinhos, discípulos, inimigos também, já se distanciam, assim também tudo o que ele fez se torna memória. Como disseram os discípulos de Emaús: “nós esperávamos”. Ele era a nossa esperança. E ela se foi. Sepultamento é isso. Uma memória que vai ficando longe, até desaparecer no tempo. A não ser que algo aconteça. Bem, aconteceu, mas isso é a história do domingo da ressurreição!

Sim, muitos, milhares foram sepultados no Brasil, hoje, e tantos mais no mundo afora. A cada um a fé cristã anuncia: Jesus foi sepultado, foi afastado, as pessoas sentiram muito, seus amigos, amigas, seguidores e seguidoras, ainda mais. Tudo se foi, suas esperanças de vê-lo, tocá-lo e senti-lo mais uma vez, também. Não é hora de antecipar a ressurreição, é hora de sentir a dor da morte, solidarizar-se com quem morre, e mais ainda com aqueles que choram seus mortos. Deixemo-nos tomar de sentimentos profundos que mostram o quão verdadeiramente humanos os que conhecem a Cristo conseguiram ser em seu sepultamento. Assim saberemos que o conhecemos e o amamos, e também saberemos aqueles que o conhecem e o amam.

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