E o Deus falante nos fala

Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo
2 min readMay 6, 2024

A Bíblia e as sabedorias ancestrais

Regina Fernandes

A Bíblia é uma fortaleza e Deus nos fala através dela nas diversas leituras, seja crítica, ortodoxa, popular ou libertadora. É Deus quem escolhe o modo como nos fala e não o humano.

Ismael Conchacala, indígena Wiwa (Colômbia) descreve, com base na sabedoria do seu povo, uma das mais belas relações possíveis com as Escrituras:

consideramos a Bíblia como uma idosa a quem ouvimos. Ela tem a palavra em nossas conversas. Em outras palavras, a voz de Deus é balbuciada por uma idosa. Ao mesmo tempo, as palavras de nossos anciãos devem sentar-se ao redor do fogo com ela. (CONCHACALA, In: SANCHES, PURI, RIBEIRO, 2022, p. 152)

Assim como na tradição hebraica a relação com as Escrituras se dava através da sabedoria, de igual forma, não podemos dispensar nossos diversos saberes, inclusive esses ancestrais mencionados por Conchacala, para ouvir a revelação divina que ela nos conta. Devemos ver os patriarcas aos apóstolos como aqueles anciãos e anciãs Wiwa que em volta da fogueira conversam sobre as ações de Deus e as narram aos mais jovens. É dessa forma que a humanidade foi chamada, pelo próprio Deus, a participar da construção do seu conhecimento, ouvindo a sua palavra humildemente e com sabedoria. Há várias maneiras de se ler e interpretar a revelação bíblica, os métodos hermenêuticos ocidentais são uma delas, mas não pode ser reduzida a eles, sob risco de não conseguirmos ouvir o que Deus quer nos falar por inteiro.

Outro erro grave seria a extrema individualização da Revelação, prática comum nas leituras bíblicas cristãs modernas e contemporâneas ocidentais, em um enquadramento bastante oportunista à cultura individualista moderna. Nas culturas em que as vivências são naturalmente comunitárias, conforme descreve Isaías Hitohã, da etnia Pataxó:

“Para nós, a vida não acontece independentemente, mas na interdependência, precisamos de Deus, do outro e de toda criação.” (HITOHÃ, In: SANCHES, PURI, RIBEIRO, 2022, p. 117).

Muito mais próximas das sociedades bíblicas, esses povos têm certamente uma compreensão mais vivencial e participativa do conteúdo bíblico, como uma espécie de fusão de horizontes. O mesmo aponta Júlio Macuva, teólogo africano, sobre a teologia africana:

pois o fazer teológico desde o contexto é acima de tudo um esforço hermenêutico das comunidades de fé no continente. Os cristãos africanos são chamados a interpretar e a compreender as Escrituras a partir de sua realidade histórica concreta, porque o Deus vivo que ao tornar-se humano entrou na história de toda humanidade (não de um povo especial), é o mesmo que chama os homens e mulheres em África a voltarem sua atenção para a sua revelação (ESTENDAR, In: JOÃO; BUENO, 2019, p. 83)

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