Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo
4 min readApr 25, 2018

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Entre o metodismo e “a” metodista: reflexões e apontamentos

Por Luis Fernando de Carvalho

O metodismo enquanto movimento de renovação espiritual pode ser facilmente identificado com a religião dos profetas do Antigo Testamento que faziam de suas denúncias sociais ingredientes orientadores para uma espiritualidade saudável realmente comprometida com a vida e a dignidade das pessoas. Rubem Alves em O que é religião? (1984) pontua que os profetas predicavam contra as mordomias religiosas dos sacerdotes e sua apostasia “ Na verdade, boa parte de sua pregação era tomada pelo ataque às práticas religiosas dominantes em seus dias, patrocinadas e celebradas pela classe sacerdotal” (ALVES, 1984, p.102). A exemplo dos profetas, o metodismo, enquanto movimento, buscou resgatar a dimensão de uma espiritualidade conectada com a vida e com a necessidade das pessoas. Pode-se dizer que a “grande sacada” foi sinalizar para o caráter libertário da religião numa crítica ad intra. “É provável que os profetas tenham sido os primeiros a compreender a ambivalência da religião: ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados” (ALVES, 1984, p.106).
Atualmente os símbolos sagrados bem como as orientações institucionais têm sido utilizados para um projeto de poder que privilegia grupos e tendências e não leva em conta a dimensão existencial e espiritual dos fiéis. A maioria se torna “massa de manobra” e é levada a reproduzir discursos que em nada se relacionam com a realidade e verdade revelada no Evangelho de Cristo.
Heitzenrater em Wesley e o povo chamado metodista (2006) faz um resgate do histórico do movimento metodista sinalizando para a dificuldade de apontar um momento pontual de seu nascimento. O que se pode certamente precisar é que seu advento nasce de uma busca espiritual profunda e comprometida com a santidade que não se reduz ao âmbito tradicional religioso, ou seja, trata-se de uma espiritualidade comprometida com a realidade social em que se está inserido. Um dos elementos componentes do pensamento de Wesley nos primórdios do movimento foi a “perfeição cristã”. De acordo com Heitzenrater “Esta definição de santidade de Wesley, a perfeição cristã, se tornaria apenas a marca distintiva da teologia metodista do século XVIII, mas também atuaria como uma bússola para sua própria peregrinação espiritual para toda a vida” (HEITZENRATER, 2006, p.48). Como podemos notar, o movimento metodista nasce de uma busca espiritual incessante e consequentemente um comprometimento social relevante denunciando, dessa maneira, a apostasia da Igreja da Inglaterra.
Acontece, entretanto, que à medida em que o movimento tornou-se institucional cresceu a dificuldade em contextualizar e manter o caráter metodista da Igreja. Isso se faz notar pelos modismos atuais e pela teologia (ou falta dela) que se tem optado nos últimos tempos. Tendo em mente que a alcunha de discipulado pouco ou nada tem relação com as bands, incentivadas por Wesley. Não obstante, a liderança atual não inspira uma espiritualidade sadia. Aliás, a santidade pregada pela maioria da liderança não faz “nem sombra” à proposta por Wesley e isso se dá por inúmeros motivos, talvez o maior deles seja a desvinculação entre teoria e prática.
Sobre a necessidade de atualização Walter Klaiber (Teologia wesleyana latino-americana e global (2011) afirma

Aqui devemos lembrar primeiro uma vez mais que a teologia de John e Charles Wesley nasceu na situação espiritual e social da Inglaterra do século 18. Seu lar eclesial e teológico foi a Igreja da Inglaterra, cuja doutrina e prática os Wesleys aceitaram em princípio e na qual procuraram viver a atuar. Esse fato deveria nos alertar a não tentar traduzir as afirmações teológicas dos Wesleys numa escala de um por um para doutrina e o anúncio da igreja de hoje (KLAIBER, 2011, p.96).

O que Klaiber sinaliza é para a necessidade de uma atualização teológica coerente e condizente com nosso tempo. A herança wesleyana de movimento e dinâmica não deve desaparecer; não se deve primar pelo “institucionalismo”, de outra sorte, não se pode negar eixos básicos e históricos da teologia wesleyana como, por exemplo, sua busca por santidade, seu compromisso social e seu caráter profético.
A Igreja Metodista atual está em pleno descompasso com suas raízes históricas, uma vez que, sufocou a heterogeneidade interna e externa, isto é, praticamente eliminou quem pensasse diferente do grupo hegemônico que elege os bispos e bispas e encerrou institucionalmente o diálogo ecumênico e inter-religioso. Outra questão que entra em descompasso com a história do movimento é o clericalismo eclesial. A Igreja Metodista historicamente valorizou o laicato. Atualmente estes são sufocados e perseguidos pelas lideranças eclesiais.
José Carlos de Souza (Leiga, ministerial e ecumênica (2009) em sua tese de doutorado elenca bem a tríade de uma igreja LEIGA, MINISTERIAL E ECUMÊNICA. Em contrapartida temos hoje uma igreja CLÉRIGA, PIRAMIDAL E MONOLÍTICA, ou seja, que trai sua própria história, assim como, seus eixos principais. Para Wesley não havia distinção entre leigos e clérigos, pois todos tinham o mesmo chamado. Como afirma o prof. José Carlos “O chamado à perfeição cristã compreendia a afirmação e maturidade e autonomia da pessoa, ainda que não independentemente, e sim em interdependência, da comunidade, posto que era compreendida, na sua essência como santidade e amor” (SOUZA, 2009, p.165). Nesse sentido têm-se não somente a opção por uma igreja ministerial e conexional, mas sobretudo orgânica e responsável. Uma igreja que prima pelo horizonte da alteridade responsável, longe do isolacionismo atual.
É necessário enfatizar a volta aos fatores primordiais do metodismo como salvação da Igreja Metodista atual. Enquanto vivermos esses modismos eclesiásticos e despotismos episcopais estaremos contra nossa própria história.

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