Entrevista com Luis Fernando de Carvalho

Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo
4 min readOct 8, 2019

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Nesta entrevista, o autor Luis Fernando de Carvalho fala um pouco sobre seu livro e a relação entre política, fé e militância social

Em sua obra Teologia Política Espiritualidade Militante, publicada pela Editora Saber criativo, você relata o período da vida do Frei Betto em que ele sofreu perseguições sob o regime militar. Como você analisa a teologia política desenvolvida por ele naquelas condições específicas e sua importância atual?

Luis Fernando. Frei Betto — junto com o movimento da Teologia da Libertação — propõe uma inversão epistemológica no fazer teológico. A teologia ao invés de centrar-se nas coisas espirituais e pós-morte, passa a fazer conexão com a realidade da vida. A teologia no período dos anos 1960–1970 serviu como instrumento de denúncia do regime de exceção e resistência. Sua importância se faz nesse sentido. Trata-se de uma teologia conectada com a realidade histórica.

Sobre sua importância para os dias atuais eu apontaria que serve de contraponto ao momento atual de amnésia social e negação de fatos históricos. O atual grupo que governa o país tenta negar sistematicamente a existência de uma ditadura no Brasil. Além disso, faz apologia a torturadores em nome de um falso moralismo político. A atualidade da teologia de Frei Betto se faz quando se protesta contra esse sistema de sucateamento de direitos e alienação social, legando milhões ao desemprego e condições deploráveis de trabalho.

Com base na experiência de Frei Betto, que você relata na obra, é possível uma espiritualidade da/na militância social?

Luis Fernando. Sim. Aliás, a militância social denota a própria espiritualidade em si. Quando tratamos de espiritualidade, nos referimos a tudo aquilo que faz o ser humano transcender — no sentido de sair de si e se abrir às necessidades do outro. Quando um coletivo luta por melhores condições de sua categoria de trabalho, social, de gênero, etc., a espiritualidade se faz presente uma vez que não se centra na exacerbação do ego. A própria proposta de Frei Betto em seus escritos é essa: desvelar que a espiritualidade é inerente à condição humana, seja ela exercida de forma consciente ou inconsciente (por aqueles que negam, porventura, a existência de uma divindade superior, mas lutam pela igualdade e justiça — sem ter consciência acabam por contribuir no que é denominado como Reino de Deus pela teologia).

Em que sentido você avalia que uma espiritualidade militante requer uma teologia política e uma teologia política deve resultar em uma espiritualidade militante?

Luis Fernando. Parafraseando uma grande filósofa, Hannah Arendt, a política é a arte de convivência entre os seres humanos. Não há ação humana desvinculada da política — no sentido amplo e não somente no sentido partidário. O simples fato de pensar e lutar por melhores condições de vida, justiça e igualdade são, em si, atitudes políticas. Entretanto a teologia e uma proposta de espiritualidade militante deve ir mais além e ajudar a desvelar os reais conflitos presentes na sociedade; promover a conscientização dos oprimidos pelo sistema e fazer com que esses gozem de vida plena e abundante em todas as suas dimensões. Quando fala-se em espiritualidade militante propõe-se uma radicalidade — no sentido de ir à raiz dos problemas — estimulando a vivência salutar de uma fé conectada com a realidade da vida.

Como você avalia a atualidade e relevância da Teologia da Libertação no cenário sócio-político atual?

Luis Fernando. Esses dias eu li uma pergunta de Dom Pedro Casaldáliga. A pergunta era: o que sobrou da Teologia da Libertação? A resposta dada foi: Deus e os pobres. Eu diria — com todo respeito, admiração e carinho que tenho pelo bispo — Deus, os pobres, a luta de classes, a militância, a resistência, a fomentação de um ideário dos pobres, a projeção do pensamento contra-idolátrico, a desideologização do mercado como fetiche dessa sociedade, a importância dos coletivos, a valorização do povo como protagonista de sua própria história, etc.

A Teologia da Libertação é mais atual que nunca. Contudo, seu trabalho é bem maior do que nas décadas de 1960–1970. Hoje a sociedade pluralizou as bandeiras, mas em suma os projetos são os mesmos. De um lado os dominadores e de outro os dominados. Diante de um cenário político e social desastroso na América Latina, a Teologia da Libertação (dada como morta por alguns) ressurge com força total e é oxigenada pela pluralidade das lutas. Ele está mais rica e pode se utilizar de mais instrumentais teóricos como o decolonialismo, o feminismo, o pós-colonialismo, entre outros, somados, certamente, ao marxismo que também não perdeu seu potencial crítico diante da fatídica realidade do mercado.

Luis Fernando de Carvalho é formado em História (Centro Universitário de Barra Mansa-RJ), em Teologia (UMESP) e é mestre em Filosofia (UNIOESTE-PR). Ele publicou, com a Editora Saber Criativo, o livro Teologia Política, Espiritualidade Militante e, no próximo mês, lançará conosco a obra Caminhos de Justiça: Teologia e Pastoral com Direitos Humanos.

Para saber mais sobre nossas obras, acesse www.editorasabercriativo.com.br

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