Trecho de reportagem sobre fuga de escravo em jornal do sec. XIX.
Anúncio de fuga de escravo em jornal do séc. XIX.

Parem de nos matar!— resistências e luta pela vida das pessoas negras.

Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo

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Fernanda Rodrigues de Sena (Graduanda em Teologia na FLAM)

“Um sistema de opressão morre quando o povo ganha consciência da sua existência e resgata a sua identidade cultural.” Cheikh Anta Diop

O movimento negro começou durante a escravidão. Negros foram feitos escravos de homens brancos e tiveram sua humanidade comprometida. Perderam famílias, perderam o acesso à sua própria cultura de origem, foram impedidos de exercer sua religião. Se tornaram “carne barata” no mercado.

Por décadas, nossos antepassados tiveram que se esconder nas matas, nos subúrbios, renunciar ao descanso para trabalhar e conseguir o mínimo para sobreviver. Alguns conseguiram um lugar de destaque durante a luta pela abolição, ocupando cadeiras na imprensa, na política, produzindo literaturas, sendo professores.

Infelizmente, o genocídio do povo negro não parou. Em todo o mundo temos notícias de confronto entre policiais e bandidos — negros-, um verdadeiro extermínio. Mas, na maioria das vezes, não é preciso portar armas e nem reagir para ser morto. Dia 13 de maio de 1888: abolição da escravatura no Brasil. Os brancos comemoram como se nos tivessem feito um favor, mas, ao mesmo tempo, não liberam os negros do trabalho doméstico quando todos deveriam estar em casa devido à uma pandemia.

“Onde está meu filho?!” Grita Mirtes Renata, negra, mãe do menino Miguel de 5 anos que morreu ao cair do 9° andar do prédio em que ela trabalhava como empregada doméstica para a mulher do prefeito de Tamandaré no Recife. Em entrevista à um programa matutino numa emissora de TV, Mirtes desabafa dizendo: “Eu sempre tive paciência com os filhos da minha patroa, por que ela não teve com o meu?”

No Rio de Janeiro, os gritos vêm de dentro das casas. Mais uma bala perdida! Dia 15 de maio de 2020, dois dias após o aniversário da tal abolição, o complexo do alemão é palco de mais uma chacina. 18 de maio de 2020 João Pedro é morto com um tiro de fuzil nas costas, em uma ação da polícia.

Nos Estados Unidos o jovem Arbery corria no início da tarde de 23 de fevereiro de 2020, quando foi morto por um por um policial que suspeitou que ele fosse um assaltante. O caso que foi o estopim do grito de revolta preso na garganta, foi a morte de George Floyd. Suas palavras representam o que o povo negro tem passado durante toda a sua existência: “Não podemos respirar.”

Desde então, uma onda de protestos contra o racismo tem acontecido em várias partes dos Estados Unidos, mas, o que mais incomoda são pessoas levantando cartazes e hashtags com a frase: Todas as vidas importam. Me parece que as pessoas não conseguem defender uma causa que não seja a delas mesmas. Nesse momento é a vida do negro que está em jogo, não a do branco. Aliás, é comum ouvirmos a frase: “eu não sou racista. Meu primo é negro”. Ah sim, se seu primo fosse branco então você seria racista? Isso é uma questão cultural, as pessoas tentarem minimizar o racismo, tentando fazer parecer o que não é. É possível falar do negro nos esportes, porque o nosso futebol tem craques que vieram dos subúrbios, mas são os brancos que são contratados no momento da vaga de emprego. Como diz a letra de um Rapper: “mas a maior surpresa o racista vai receber quando diante de um Deus negro ele se ver.”

A resistência negra tem raízes profundas. Ela tem uma força que não cede. Desde os tempos da escravidão escancarada, eles mostraram sua força ao fugirem das fazendas de seus senhores e formarem os quilombos. Penso que o modo como a sociedade se comporta em relação a isso, mostrando medo ao se deparar com um homem negro na rua, se deve a fatos como as matérias publicadas pelos jornais nos anos de 1870 e 1880, que exploraram os conflitos entre os escravos e seus senhores. Época em que já não era mais possível manter a escravidão.

Os quilombos de antes são hoje a favela, os bairros menos desenvolvidos, mas também campos de resistência social. Essa separação é bem visível quando os negros são impedidos de frequentarem os restaurantes mais requintados, ou quando não podem exercer sua identidade negra com seus objetos. Lívio Sansone[i] aborda bem esse assunto em seu artigo sobre os objetos da identidade negra, citando alguns elementos que compõe essa identidade.

Um deles é a capoeira, que se tornou esporte nacional, mas que de acordo com o código penal da República dos Estados Unidos do Brasil, decreto 847 de 11 de outubro de 1890, no capítulo XIII, era considerado crime passível de prisão a quem fosse pego em sua prática. Somente em 1935, deixou de constar como arte proibida. Outro objeto citado por Lívio, é o dendê, que na década de 30 era considerado como “racismo culinário”, ou seja, tudo o que era preparado com o dendê era tido como sujo, sendo, pois, admitido somente aos negros.

Se antes nosso povo foi dominado pelas forças dos colonizadores que tinham por ambição nossas terras, minérios, flora e fauna, hoje temos um sistema que oprime tanto quanto aquele da época da escravatura. É possível relacionar todo esse movimento de resistência à Revolta da Chibata. Não podemos mais admitir que a negritude seja a escória maldita da sociedade. A sociedade diz que não vê, alguns negros dizem que não sentem, mas ao unirmos as forças, derrubaremos o opressor.

[i] Lívio Sansone é antropólogo e atualmente lidera o projeto de pesquisa museu digital da memória africana no Brasil.

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