O ADVENTO

Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo
7 min readDec 10, 2023

Livro PREGANDO O EVANGELHO

Assim surgiu “Advento”: em sua avançada idade, o sacerdote Zacarias e sua esposa Isabel se tornam pais de uma criança — a grande alegria da sua velhice, a superação do desgosto particular de sua vida. Mas o nascimento desta criança significa, simultaneamente, muito mais do que o nascimento de “seu” filho. Embutido na história da família, inicia-se novamente mais um ato da história da salvação, exteriormente insignificante, como quantas vezes na Bíblia. Mas aqui, agora, acontece verdadeiramente o lançamento fundamental de um novo início na história de nossa salvação. Esta criança, que acabou de nascer, será o precursor daquela outra criança, por meio da qual todos os acontecimentos mundiais passarão por uma reviravolta. Esta criancinha João será o arauto da criança que nascerá no Natal, será a pessoa que tornará pública a iminente vinda de Deus. Esta criancinha João, que acabou de nascer, que ainda é criança de peito, criança indefesa e dependente como toda criança, já agora é o sinal vivo de Deus para a graça que surge para salvar o mundo. Esta criança, nascida de seres humanos, é fiança, é garantia de que o próprio Deus está diante da nossa porta, de que sua salvação irromperá poderosamente para todo o mundo!

Por este motivo, o pai se chama “Zacarias”, e a criancinha, “João”. João significa “Deus é gracioso”. Isabel, a mãe, determina isso categoricamente em substituição ao seu marido, que se encontra acometido de mudez, e o próprio Zacarias o confirma logo a seguir: “João é o seu nome”. Os pais nem embarcam numa discussão diante da objeção de vizinhos e parentes. É óbvio que, segundo a tradição e os costumes da época, a criança deveria receber o nome de seu pai ou de um parente próximo. E “Zacarias” seria deveras um nome apropriado: “Deus se lembra”, “o Senhor se lembra”, pois, por intermédio desta criancinha, Deus se lembrou exatamente do sofrimento de Zacarias e atende aos anseios do seu povo. Este seria o nome correto e, ao mesmo tempo, venerável, pleno de tradição sacerdotal. Neste nome não se encontra nenhuma mácula. Sobre os anciãos, seu pai e sua mãe, é relatado expressamente que “eram justos diante de Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor”

(Lucas 1.6). Algo melhor nem pode ser dito sobre ambos, e um nome mais puro nem existe em Israel.

Mas se o Advento realmente está para acontecer, se Deus está se aproximando, então nem mesmo o melhor que a fé humana tem a oferecer ainda não é o suficiente. Então não pode ser mais um nome que se volta ao passado, que indica para o passado, ainda que este seja puro como uma flor e sem defeitos. Então, só pode ser um nome que indica diretamente e radiante para a frente, que seja como um dedo esticado a indicar para o que Deus planejou e irá realizar. “João”, “Deus é gracioso”, “Deus será gracioso”. Portanto, é assim que a criança deve ser chamada. Se lhe fosse dado o nome do pai, Zacarias, então isso significaria: Que legal, ganhamos uma criancinha, Deus se lembrou de nós! Que legal! Mas tudo ficaria conforme o que fora bom até agora: o serviço bem organizado no templo, a realização dos rituais sagrados como queimar o incenso e executar os sacrifícios. Assim Deus pensa em nós: Ele nos presenteou com uma criancinha!

Mas se a criancinha, obedecendo à ordem do anjo, se chamar “João”, então ela será muito mais do que já era bom, então Deus será gracioso e seu olhar se voltará para a frente. Deus será gracioso para muito além do que já se vivenciara por parte dele até então. De agora em diante deve ser dito: Graças a Deus por interferir ele profundamente na marcha deste mundo desnorteado e em sua interminável história de sangue e violência. Doravante será tudo bem diferente! Nada mais será como nos tempos idos. Surgirá algo novo sob o sol, algo que colocará até mesmo a tradição piedosa do sacerdócio de Zacarias na sombra: “Deus será gracioso”, “João”. O que significa “graça”? Graça é o que vem bem lá de cima e bem de fora para a nossa salvação. Graça é o que não recebe nenhuma participação de nossa parte, nenhum incremento de nossa parte. Graça é o que a pessoa nunca tem em suas mãos, mas que Deus, sozinho e exclusivamente ele, tem em suas mãos. Graça é o puro presente de Deus. Depende somente de Deus, da sua vontade e do seu agrado, fechar ele seu coração para nós ou abri-lo para nós, depende somente de Deus derramar seu amor até os confins da terra e até o final dos tempos, depende somente dele derramar sua graça sobre todas as pessoas.

“João”, “Deus será gracioso”. Ele está agora na iminência de abrir a sua mão. Por isso é Advento, pois sua graça está a caminho até nós! O que a mãe Isabel fez ao defender este nome foi uma pequena atitude de obediência à ordem do anjo: “… a quem darás o nome de João”., e o pai Zacarias repete este gesto de obediência ao escrever o nome desta criança sobre uma tabuinha, e, a partir destes pequenos gestos de obediência, a maré do Advento divino se espraia até nós, até todas as pessoas. “Agora vós precisais deixar-vos presentear”, diz esta hora. Agora é hora de abrir totalmente as mãos e os corações! Se Deus concede a sua graça, então ele exige que doravante a graça seja levada a sério, seja aceita, seja recebida. Se Deus concede graça, então ele reivindica das pessoas que cada qual se deixe presentear, sabendo que só existe uma única forma de retribuir ao presente: tomado de felicidade, balbuciar um “obrigado”!

Como isto é difícil para muitos de nós! Sabemos muito bem como é complicado para nós trocar presentes no dia de Natal! Como é desagradável receber um belo presente de uma pessoa, da qual nem nos havíamos lembrado nesta época! A gente até sente a necessidade de sair correndo até uma casa comercial para comprar algo para retribuir o presente recebido, só para não estar ali como uma pessoa unilateralmente presenteada.

Mas agora está aí “João”, “Deus é gracioso”: finalmente acabou este constrangimento da retribuição; agora se trata de algo demáxima e rigorosa unilateralidade! Agora é assim: tu, criatura, deves saber que tua única e verdadeira ajuda consiste em que eu te presenteie com meu presente celestial, com minha graça! Eu, o próprio Deus, apresso-me em te socorrer, em te libertar! E não faço isso por seres uma criatura tão querida, digna de ser amada. Não, se o faço é unicamente por causa do meu compadecimento diante do abandono e da necessidade de salvação deste mundo humano tresloucado. E aí tu não podes entrar com tua própria colaboração que, aliás, nenhum valor possui, senão aceitar o que te dou de graça, e lembrar-te sempre disto: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome. Bendize, ó minha alma, ao Senhor e não te esqueças de nenhum só de seus benefícios. Ele é que perdoa todas as tuas iniquidades; quem sara todas as tuas enfermidades; quem da cova redime a tua vida e te coroa de graça e misericórdia” (Salmo 103.1–4).

Tudo isto significa o nome “João”, esta história da graça única e transformadora do mundo. Agora Deus estende suas mãos para o nosso mundo, ele se apressa em vir ao nosso encontro e faz tudo isto apesar de o ser humano ser notoriamente um fracasso em suas tentativas de galgar aos céus e de querer continuar agindo assim. O ser humano quer conquistar os céus, tomar posse dele, quer merecê-lo, quer dominar sobre Deus. Para tanto, constrói torres e templos e faz a fumaça dos sacrifícios elevar-se às alturas. Mas por ter chegado a hora de “João”, do “Deus é gracioso”, toda tentativa de o ser humano chegar até os céus acabou por aí. Agora acontece o movimento contrário: Deus quer descer até os seres humanos, quer participar desta confusão, das dificuldades, do vexame e da culpa do mundo. Ele quer descer até as mais profundas esferas do ser humano desamparado, entrar em sua sepultura e conviver com sua morte.

Realiza-se, assim, no recanto daquelas pessoas humildes, na persistente obstinação do sacerdote Zacarias e de sua esposa Isabel de acatarem o nome “João”, o milagre comprovativo de que Deus é gracioso. O milagre da fé adventícia se dá com o fato de duas pessoas começarem a dizer sim para este Deus gracioso e que se aproxima delas e de todas as pessoas com determinação. Aqui acontece o que muitas pessoas não conseguem realizar: que a pessoa se deixa ajudar sem contrapartida de sua parte. Precisamos registrar esta fé adventícia como milagre operado pelo próprio Deus, por meio do seu Espírito Santo, como milagre do seu agir único e exclusivo. Este milagre não é em nada menor do que quando um paralítico volta a saltitar, um cego volta a enxergar, um mudo começa a cantar ou um morto ressuscita. Duas pessoas dizem sim para a graça de Deus. Duas pessoas foram conduzidas pela porta estreita para dentro daquele recinto em que se realizará o Natal. Um camelo passou pelo fundo da agulha. “João é o seu nome”.

E não bastasse este milagre, a ele se junta ainda este outro milagre: a boca emudecida do pai Zacarias se abre para um cântico de louvor, que na liturgia da Igreja leva o nome latino “benedictus”, entoado na Igreja da nova aliança até o fim dos tempos. O cântico de louvor de Zacarias ao Deus que “visitou e redimiu o seu povo”. Como uma mariposa, que circula em torno da luz, assim o cântico de louvor de Zacarias gravita em volta da palavra luminosa “misericórdia”. E as pessoas, que se defrontam com a mãe e o pai idosos, ficam perplexas e começam a perguntar: “Que virá a ser, pois, este menino?” E Zacarias, há pouco ainda emudecido, esclarece então com clareza profética qual será o futuro desta criança recém-nascida: “Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor, preparando-lhe o caminho”.

Assim, com o nome João, inicia-se a vinda de Deus ao nosso encontro. Deus não assombra e não atemoriza. Ele vem de forma tão modesta e frágil como uma criança pequena, que recebe um nome. Ele quer “alumiar os que jazem nas trevas e na sombra da morte”, “e dirigir nossos pés pelo caminho da paz”. Amém.

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