SERMÃO — MATEUS 14.22–33

Regina Fernandes Sanches
Editora Saber Criativo
9 min readMar 17, 2021

“Pedro afundando”

Eduard Haller (Livro: Sermões Contextualizados)

O que temos nós a ver com uma história que nos conta que Jesus consegue caminhar sobre a água? E que um discípulo começou a afundar na água, quando tentou fazer a mesma coisa? Não é este, realmente, um conto inútil, que não tem mais nada a nos dizer?

Muito cuidado, porém! Quantas vezes não somos confrontados com a mesma pergunta dirigida ao velho estadista Otto von Bismark, que, ao ser visitado em sua avançada idade, foi perguntado sobre como estavam as coisas com a sua fé. Então, von Bismark apontou o dedo para um quadro na parede, que mostrava Pedro afundando no mar, e simplesmente disse: “Minha fé é assim: sempre correndo o risco de afundar”.

Esta história, até um tanto curiosa, que relata sobre Pedro afundando nas águas, é uma prédica acerca da incapacidade dos discípulos de permanecer na fé por forças próprias, — e também acerca do constante aproximar-se de Jesus para junto daqueles que lhe pedem por socorro, quando estão na iminência de afundar nos mistérios de uma vida sem fé, — e que só ele, então, os livra do desespero, restabelecendo-lhes a fé. Alguém, que pesquisou as orações ainda conservadas de Martim Lutero, disse serem todas elas nada mais que súplicas, pedidos para que sua fé não fosse anulada. — Se nós, portanto, ao ouvirmos esta história, mantivermos apenas esta frase em nossa memória e a levarmos junto para casa para o nosso dia a dia: “E, prontamente, Jesus, estendendo a mão, tomou-o”, — então teremos ouvido o suficiente, o essencial, o decisivo desta história.É necessário que sempre de novo imploremos por esta ajuda de Jesus! Nós temos um Senhor que não quis mostrar um truquezinho ao andar sobre as águas, mas que nos deu também este sinal visando à nossa salvação. Jesus Cristo possui discípulos, uma comunidade, uma Igreja, acerca dos quais sempre será dito: “Ele começou a submergir”. Mas Jesus estendea mão para seus discípulos, para sua comunidade, para sua Igreja, e diz: “Homem de pequena fé, por que duvidaste?”

Consideremos, em primeiro lugar, o contexto desta história. Todos os três Evangelhos relatam que tal aconteceu após a multiplicação dos pães, quando cerca de cinco mil pessoas foram saciadas milagrosamente em sua fome. À beira-mar, já pertinho do deserto, Jesus alimentou maravilhosamente estas milhares de pessoas que, por sua causa, estavam ali já por um longo tempo, até passando fome, e não havia nada para comer. Esta incrível multiplicação dos pães provocou admiração e espanto. A multidão de pessoas não conseguia entender este milagre dos pães e queria transformar Jesus no rei do pão. Então, conforme seu costume, Jesus se retirou para um lugar ermo no monte, de onde se via bem o mar, para conversar sozinho com Deus. Ele só disse aos seus discípulos que embarcassem no barco e passassem adiante dele para o outro lado.

Lá em baixo está o mar e, enquanto uma noite muito clara se espraia sobre as águas, lá do monte Jesus pode acompanhar com seus olhos a longa viagem do barquinho. — E aí nos deparamos com um puro mistério: por assim dizer, Jesus vivia em dois mundos, em duas realidades, vivia diferente de nós. De um lado, ele é totalmente um de nós, vivia e se alegrava, e também sofria como nós; mas, ao mesmo tempo, sabia-se totalmente em casa na presença de Deus, sempre conversando com ele, sempre submisso à vontade dele. Em completa comunhão com o seu Pai, ele vivenciou simultaneamente o cotidiano do nosso mundo tão difícil. Muitas palavras suas e muitos acontecimentos narrados nos Evangelhos tratam deste assunto. Jesus era um entre nós e um de nós e, ao mesmo tempo, estava vivendo totalmente com Deus. Faltam-nos, porém,palavras para elucidar devidamente este mistério. Mas, em decorrência de sua comunhão integral com Deus, ele, por outro lado, vivenciou, lutou e sofreu conosco plenamente nossa difícil realidade aqui neste mundo: Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro ser humano!

Nesta realidade de comunhão com o seu Pai, Jesus permanece no monte durante aquela noite clara e, ao mesmo tempo, pode observar como um vento forte se levanta sobre as águas, provocando uma agitação nas ondas do mar. Este vento contrário atrapalhou em muito o avanço do barquinho. Jesus mesmo, em tais situações, não ficava inquieto ou com medo. Numa outra história, ele, muito cansado, até adormece durante uma tempestade no mar (Lucas 8.22–25). Na presença de Jesus, antigas palavras dos Salmos se tornam realidade: “Levantam os rios, ó Senhor, levantam os rios o seu bramido, levantam os rios o seu fragor”, — esta é a realidade terrena, que os humanos experimentam apavorados; “Mas o Senhor nas alturas é mais poderoso” (Salmo 93), esta é a realidade que Jesus vivencia. Em seu desespero, os discípulos ficam como que cegos em termos de confiança para a realidade de Deus. Enquanto Jesus está com eles, sentem-se nele abrigados. Mas agora, por saberem que ele está lá em cima no monte e eles estão sozinhos naquele mar enlouquecido, um medo indescritível se apodera deles. Não estão à altura de “remar contra a correnteza”. Remam em vão até a quarta vigília da noite, ou seja, entre três e seis horas da madrugada, quando a aurora já se faz anunciar por sobre as águas.

Estes discípulos dentro do barco são, evidentemente — caso contrário, este acontecimento não teria sido registrado logo depois de Pentecostes -, o retrato da Igreja de Jesus Cristo. Ela resulta do milagre, do fato de que Jesus fez e faz tudo por nós, assim como os discípulos puderam testemunhar o milagre da multiplicação dos pães, sem o qual aquelas milhares de pessoas continuariam famintas. Mas agora, quando estão sozinhos, precisando remar noite a dentro sem sua presença, entram em desespero. Por natureza, assim somos todos nós: pessoas de pequena fé quando se trata de crer, que logo entram em desespero, que logo ficam cegas para a realidade de que é Deus quem carrega este mundo, no qual ele mantém seu comando. Isso faz parte da natureza do ser humano. Nós somos os discípulos dentro daquele barco em meio à tempestade da noite. E aí a crença em fantasmas, e tudo o mais que nos amedronta, está mais próximo de nós do que a realidade da proximidade de Jesus. “É um fantasma! E, tomados de medo, gritaram”. E isso que poucas horas antes os discípulos ainda estavam tomados de encanto pelo seu Senhor. Infelizmente é assim: tudo evapora tão rapidamente!

Cada qual de nós conhece isto daí: quando surge a desgraça, quando algo, que não conseguimos dominar, nos ameaça, quando algo nos golpeia e transforma a nossa vida, quando nos deparamos com o inesperado ou o temido, que nos joga para dentro do tormento, — então, quase nada sobra do entusiasmo da fé que ainda vivenciávamos ontem, e só sentimos ainda a incapacidade de reconhecer a realidade de Deus em nosso mundo. “As ondas no mar são enormes e revoltas”, esta é, então, a única realidade que o ser humano experimenta. — A crença em fantasmas está mais próxima dos discípulos do que a fé na proximidade e no poder do seu Senhor. Retornam à fé apenas no instante em que Jesus lhes diz: “Tende bom ânimo! Sou eu”.

“Respondendo-lhe Pedro, disse: Se és tu, Senhor, manda-me ir ter contigo, por sobre as águas”. — Como devemos entender a resposta de Pedro? Jesus está ali, tão pertinho do barco. Por que, então, Pedro fala assim? Certamente não se trata de querer estar com Jesus alguns segundos antes dos outros.

Também aqui Pedro é um retrato de nós todos, de toda a multidão de seguidores de Jesus em conjunto. No momento em que Jesus lhes dirige a palavra, abre-se para os discípulos novamente a realidade do mundo de Deus. “Levantam os rios, ó Senhor, levantam os rios o seu bramido; levantam os rios o seu fragor. Mas o Senhor nas alturas é mais poderoso” (Salmo 93.3–4). Os discípulos percebem que fazem parte da veracidade da fé por intermédio do próprio Jesus. Quando ele, que os chamou para segui-lo, está presente e vai adiante deles, então a fé dos discípulos também reacende e eles fazem parte da realidade de Deus neste mundo de Deus por intermédio do seu Senhor e Mestre. É precisamente nesta fé no mundo de Deus que Pedro se sente inquieto, ele quer mais do que já lhe foi dado,ele deseja viver no mundo da fé como o próprio Jesus já vive no mundo do seu Pai. Jesus lhe permite esta impaciência, e o discípulo dá alguns passos, e logo percebe como começa a afundar. A fé é sempre um ir em direção a Jesus e um afundar iminente, enquanto se participa desta experiência. A fé convive sempre com este conflito entre o sofrimento temporário e o ouvir o chamado libertador de Deus. Assim, o Pedro que está afundando é o retrato permanente para a incapacidade inata do ser humano para crer como Jesus creu. A fé volta a tomar conta de Pedro somente naquele instante em que Jesus estende sua mão para ele, segurando-o e salvando-o do afundamento.enquanto se participa desta experiência. A fé convive sempre com este conflito entre o sofrimento temporário e o ouvir o chamado libertador de Deus. Assim, o Pedro que está afundando é o retrato permanente para a incapacidade inata do ser humano para crer como Jesus creu. A fé volta a tomar conta de Pedro somente naquele instante em que Jesus estende sua mão para ele, segurando-o e salvando-o do afundamento.enquanto se participa desta experiência. A fé convive sempre com este conflito entre o sofrimento temporário e o ouvir o chamado libertador de Deus. Assim, o Pedro que está afundando é o retrato permanente para a incapacidade inata do ser humano para crer como Jesus creu. A fé volta a tomar conta de Pedro somente naquele instante em que Jesus estende sua mão para ele, segurando-o e salvando-o do afundamento.

A gente não consegue ouvir esta história sem sentir nosso tempo tão vaidosamente seguro de si próprio e tão surpreendentemente sem fé: nunca antes se pesquisou a natureza como agora, nunca antes se tomou conhecimento das mais misteriosas leis que constroem e mantêm o mundo vivo como agora; só que, simultaneamente, nos deparamos, perplexos, com os fatos que se nos apresentam diariamente. Até já se pode, hoje, entender o desenvolvimento psicológico da pessoa desde os primeiros dias de vida do embrião, mas, ao mesmo tempo, mata-se aos milhares o fruto no ventre da mãe. Sem fé, o ser humano moderno, assim chamado de “emancipado”, afunda nas ondas das ciências naturais. — E justamente por isso abrimos nossos ouvidos para o Evangelho, porque nós, sem a realidade da mão estendida de Jesus para seu discípulo que está a afundar,somos engolidos pelos poderes do conhecido e do desconhecido, como experimentamos no sonho: a gente sonha que, apesar de todo o esforço, não sai do lugar. Assim nos extenuamos e remamos, e quase não avançamos, apesar de todo o nosso empenho. Obviamente que, também como cristãos, não estamos livres de vivenciar tal coisa: estão aí o envelhecer e o morrer, que vêm ao nosso encontro; a ferocidade de uma doença indomável, que lentamente nos consome; ou um acidente repentino, que nos torna dependente de tudo e de todos.E ainda não está claro, se todos nós, em conjunto, não estamos menos expostos a tais acidentes, mas muito mais caminhando coletivamente ao encontro de um tempo de calamidade total. A tempestade chega, quando bem entende chegar, tanto no Lago de Genesaré quanto na viagem da vida de todos nós. Por isso,dependemos do fato de que Jesus realmente vem ao encontro dos seus: “Homem de pequena fé, por que duvidaste?” Só ele pode estender a mão para os seus, e só ele os salva do afundamento. Portanto, nós somos pessoas do tipo que não podem viver sem a experiência do afundar; mas quando tivermos sobrevivido ao último afundamento, confessaremos: Ele nos manteve em vida! Porque isto é o todo, a totalidade do Evangelho: Ele nos salva! Por isso, este relato termina assim: “E os que estavam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus!” Amém.Ele nos manteve em vida! Porque isto é o todo, a totalidade do Evangelho: Ele nos salva! Por isso, este relato termina assim: “E os que estavam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus!” Amém.Ele nos manteve em vida! Porque isto é o todo, a totalidade do Evangelho: Ele nos salva! Por isso, este relato termina assim: “E os que estavam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus!” Amém.

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