A guerra não tem voz de mulher

Maryanna Nascimento
sahafi brazili
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2 min readAug 5, 2019

Ao longo das entrevistas, a voz de Patricia não destoou. Ela continuava afinada e sempre trazia semelhanças com os outros. Era uma só voz. Ao falar sobre equipamentos de segurança, porém, ela adicionou à lista o véu, que sempre leva na mala. Só a Patrícia trouxe essa questão. Foi aí que a sua voz se transformou. Entre oito entrevistados, ela é a única mulher. A guerra pode ter voz de mulher?

Por Patricia Campos Mello
Cobriu em 2015 e 2016 — Norte do país (Folha de S. Paulo)

A gente tem muito mais vantagem. Muito mais. Sabe por quê? A gente tem acesso a 50% da população que os homens não têm. Qual é a mulher que vai deixar você entrar na casa dela, contar a vida dela inteirinha, vai se expor em um país conservador desses? Eu fui para o Iraque fazer a matéria de escravas sexuais. Quem vai relatar uma experiência de estupro sistemático para um homem? Na Índia teve um estupro coletivo em um ônibus. Fui fazer uma matéria e falei com várias mulheres que tinham sido vítimas. Você acha que um homem faz isso? E tem outra coisa: como a gente é vista como ‘café com leite’, isso facilita a nossa vida. ‘Ah, uma mulher…’. Você é vista como menos ameaçadora e você consegue se aproximar mais das pessoas. Para você entrar na vida das pessoas, conversar com elas e ganhar uma certa intimidade — Para fazer o livro (Lua de mel em Kobani) eu tive que conviver muito com a família, ficar com eles. Ser mulher tem muita vantagem porque nessas sociedades mais conservadoras as mulheres não se abrem com um homem desconhecido. Tem alguns lugares que são ruins para mulheres, não dá para dizer que não. Que não é super seguro e para mulher é menos seguro. A gente perde em movimentação externa, em alguns lugares uma mulher andando sozinha não rola, você vai precisar de algum homem para ir junto com você. É um saco! Ou às vezes você não é levada a sério. Uma vez estava no Afeganistão com soldados afegãos e só tinha eu de mulher, por acaso. Era um chá com os líderes tribais e aí o cara ia cumprimentando as pessoas. Ele chegou a mim e me pulou. É um vácuo, é uma não-pessoa. Tem lugares que o papel da mulher é totalmente diferente.

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Maryanna Nascimento
sahafi brazili

Jornalista recém-formada interessada na cobertura de conflitos e da violação dos direitos humanos