(Multi)repórter

Maryanna Nascimento
sahafi brazili
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5 min readAug 2, 2019

O alto custo da cobertura e a dificuldade em acessar um território como a Síria muitas vezes exige que o repórter vá desacompanhado da equipe e precise ser multimídia. O termo se auto explica: as informações precisam estar de acordo com diferentes meios de comunicação. O jornalista escreve, fotografa, faz vídeos, grava off e sonora. Ainda que não esteja previsto em um contrato ou seja cobrado formalmente pelos editores, a necessidade de ser autônomo está ali e dentro deles — que têm equipamentos, dominam as plataformas e são flexíveis. Para quem é freelancer, a tecnologia também serve cada vez mais à cobertura especialmente quando o que está em jogo é a remuneração. Uma entrada de quatro minutos em uma rádio, por exemplo, pode render cerca de R$ 980.

Área controlada pelo governo

Por Germano Assad
Cobriu o início dos conflitos, em 2011 — Damasco (Freelancer)

Com a Associated Press estava mandando mais foto, e eu nem sou fotógrafo. Estavam pegando o meu material porque não tinham opção, na verdade. Ou eles pegavam o meu material ou eles não tinham material. Colaborei com alguns insights também. Eles têm um correspondente responsável pelo Oriente Médio e que fica baseado em Ancara, na Turquia. Então o cara que coordena o que eles chamam de insighters. Que nem sempre são jornalistas, às vezes são fontes mesmo que eles têm em locais que não conseguem acessar e esse editor ele junta todo esse material e faz aquela materiazona mais completa. Então além de foto eu fazia esses insights para eles. A Rádio França eu fiz ao longo de todo o período e foi o que me salvou porque eram entradas na rádio. Eu tinha um amigo sírio que me conseguiu um chip desbloqueado, ele trabalhava na operadora. Eu fazia as entradas com esse chip que não era rastreado. O bom é porque uma entrada de 4 minutos na rádio, um bate-bola com o apresentador, me rendia € 250. Uma matéria especial para a Folha, que me dava uma semana de trabalho, me rendia R$ 100.

Por Marcelo Ninio
Cobriu em 2011 — Damasco (Folha de S. Paulo)

Não está no contrato, no contrato está material jornalístico, então isso aí é elástico. Cobravam.

Por Lourival Sant’anna
Cobriu em 2012 — Damasco (Estadão)

Eu que tive essa iniciativa porque alguns detalhes achei interessantes, como as roupas, as casas, as ruas, tudo, o cenário todo. Então comecei a gravar também como forma de apuração. Eu gravava vídeos e ao chegar no lugar em que estava baseado, primeiro assistia, fazia as legendas dos vídeos, fazia a narração e tudo isso eu fazia por escrito. Eu mandava primeiro o vídeo porque ele demora muito para transmitir e é publicado imediatamente. Depois disso que eu ia escrever o texto. Muitas vezes eu aproveitava uma parte do texto, da narração do vídeo e das legendas que eram basicamente aspas de entrevistados e aproveitava para usar na matéria. Então esse era o meu esquema, principalmente porque eu tinha tempo. O fuso horário estava ao meu favor. Eu estava, acredito que 8h mais tarde, se não me engano. Eu chegava no fim da tarde ou à noite e tinha bastante tempo para editar o vídeo, enviar e escrever a matéria. Dava tempo. No início eu mandava bruto mas eu tinha que dar tantas instruções, escrever um script. Fui concluindo que o script tomava mais tempo e era mais chato e às vezes tinha mal entendidos, erros. Então eu editava, aprendi a editar. Era uma edição simples sem grandes recursos mas suficiente para a TV Estadão. Em 2013, no ano seguinte à minha ida à Síria, eu fiz um curso de documentário na Academia Internacional de Cinema e aperfeiçoei as minhas técnicas de edição, de filmagem, de gravação de áudio, de tudo isso.

Por Samy Adghirni
Cobriu em 2012 — Damasco (Folha de S. Paulo)

Hoje em dia o repórter é cobrado. Não pode mais nos contentar em trazer um texto, ‘Olha a minha ideia genial’. Tem que se virar nos 30 e trazer fotos e convém também vídeo, uma sonora bem feita. Se vira! Tem uns caras que são especialistas nisso e conseguem quase tudo. Eu faço, óbvio que não fica muito bom, e nesse contexto de guerra, tudo é mais difícil, há uma cobrança que não vem tanto do jornal mas de mim mesmo. O jornal não me cobrava, o jornal era legal em relação a isso. Traz o que dá para trazer. Mas eu colocava a barra lá em cima, eu queria trazer uma boa matéria, eu queria ser lembrado não só pelo meu texto, mas por imagens impactantes. Então eu me esforcei, mas não sou um grande cinegrafista nem um grande fotógrafo.

Por Diogo Bercito
Cobriu em 2014 — Damasco e Homs (Folha de S. Paulo)

Em geral é uma coisa que parte de mim. Sempre perguntam ‘Fez alguma fotografia dessa pessoa que você conversou?’ na hora que risca a página. Acho que é normal, mas nunca é uma exigência: ‘Você vai e você precisa fazer fotos’. Nesses casos em que é preciso fazer fotos, geralmente eu vou com fotógrafo. Foi o caso de uma reportagem que eu fiz recentemente em Israel, faz dois meses. Precisava de foto, vídeo e existe um profissional adequado porque a qualidade da foto que eu consigo fazer é diferente. Eu não tenho equipamento igual, não tenho treinamento. Sei fazer, posso fazer, comprei uma câmera recentemente. É uma coisa que eu faço, mas não tem igual.

Por Yan Boechat
Cobriu em 2017 — Damasco, Homs e Aleppo (Freelancer)

O meu acordo com eles inclui texto e foto. Eu mando uma seleção de fotos e eles podem usar todas. Não tem rigidez de nenhum lado. Quando é vídeo, mando uma tira, uma pré-edição do que eu fiz. Ou seja, eu decupo toda a minha produção do dia, faço essa tira de vídeo, uma edição seca, escrevo o texto, gravo o off e mando para eles. Aí eles vão finalizar lá. Foto eu já mando com tratamento, com tudo.

Área controlada pelos curdos e árabes

Por Patricia Campos Mello
Cobriu em 2015 e 2016 — Norte do país (Folha de S. Paulo)

Eu faço algumas fotos às vezes. Já fui para Tanzânia. Levei uma câmera do jornal e fiz vídeo, ficou uma ‘merda’, mas depois da edição ficou passável. Mas eu faço foto também. Quando precisa, eu faço. Nesse caso, a menina (esposa do fixer) queria fazer as fotos e eu achei legal, então ela fez. Eles sempre cobram multimídia se você vai sozinho. Você ir com o fotógrafo é um luxo, nem sempre dá a grana então você tem que fazer tudo.

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Maryanna Nascimento
sahafi brazili

Jornalista recém-formada interessada na cobertura de conflitos e da violação dos direitos humanos