Saúde mental

Maryanna Nascimento
sahafi brazili
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7 min readAug 5, 2019

Eventos traumáticos encontram um terreno fértil quando se está em um contexto de guerra. Aos jornalistas, para protegerem a saúde mental dos impactos desse tipo de cobertura, cada um recorre a uma técnica. A maioria, porém, nega ter sido acompanhado por profissionais da área, como psicólogos. Negligência ou falta de necessidade?

Por Germano Assad
Cobriu o início dos conflitos, em 2011 — Damasco (Freelancer)

Aquela época estava tudo muito recente, adrenalina, tudo muito intenso, e achei besteira essas coisas. Mas o efeito pós-traumático bateu com força em mim com um efeito retardado. Eu fui sentir isso um ou dois anos depois. É muito louco isso. Depois eu fiz um texto, escrevi para o Repórteres sem fronteiras — Eles ficaram sabendo que eu estava lá, conseguiram o meu contato e insistiram muito em me prestar auxílio depois que eu fui preso, depois que tudo aconteceu. É engraçado como a coisa demorou para bater em mim. Tive umas três conversas longas ao telefone com uma jornalista lá do Repórteres Sem Fronteiras e foi isso. Não procurei ajuda especializada.

Por Marcelo Ninio
Cobriu em 2011 — Damasco (Folha de S. Paulo)

Preparo psicológico? O meu preparo é mais de informação e físico. Eu acho que você tem que estar em boa forma física em certas situações, excelente forma física para uma cobertura dessas. Psicologicamente não tem uma preparação especial não. (No pós-guerra) é barra pesada. Você na hora faz o seu trabalho, não dá para… Mas isso fica em você. Inconscientemente eu tenho as minhas defesas. Tem situações que te abalam. Em Aleppo, quando eu estava em uma casa que (locais) abrigaram a gente, foram sensacionais e fizeram comida, foram muito legais e tal, e começaram os aviões a sobrevoar e a bombardear. A gente saiu fora e eles ficaram. Naquele momento foi muito difícil para mim porque eu me senti naquela situação: eu entro, faço a matéria, saio, mas os caras ficam, eles são daqui. Eu passei por situações que me abalaram, mas eu não sei se clinicamente pode ser enquadrado em stress pós-traumático. Não dá para exagerar o que a gente passa. É muito difícil, mas comparado com o que essas pessoas vivem é… é nada!

Por Tariq Saleh
Cobriu em 2011, 2012 e 2013 — Aleppo (BBC e Terra)

Além da produção e da segurança, um dos fatores também muito importante é você ter um preparo psicológico. Especialmente quando você trabalha em equipes, você está trabalhando com pessoas diferentes, de personalidades diferentes. Algumas pessoas são mais fortes psicologicamente e emocionalmente. Em situações em que há muita adrenalina as pessoas têm que manter a calma, mas nem todos conseguem, então alguém vai ter que intervir e acalmar o colega. O preparo psicológico é grande, porque é uma região que você vai ver muito sofrimento, morte, pessoas feridas. Vai ver drama psicológico das pessoas. Também tem que ter o bom senso que a equipe é formada por humanos, eu tenho que cuidar também do lado psicológico. O produtor tem que ter essa preocupação de ver se está tudo bem com o cinegrafista, com o repórter, com ele mesmo. O pós-cobertura também, porque é importante depois que a cobertura é feita, quando a gente volta para casa, ter um momento de descompressão, de baixar a adrenalina. Às vezes você é obrigado a fazer duas, três coberturas na sequência, então depois você vai ter que ter um momento de folga. A BBC tem um departamento de terapia porque alguns jornalistas sofrem de stress pós-traumáticos. Têm profissionais que o jornalista vai lá, conversa com eles.

Por Lourival Sant’anna
Cobriu em 2012 — Damasco (Estadão)

Eu faço terapia. Lá na Síria eu tive uma explosão, briguei com o minder, briguei com um repórter cubano e depois quando fui para o Irã também fiz uma coisa que não deveria ter feito, fiz uma pergunta muito provocativa em uma coletiva lá no Ministério, que foi na sequência dessa cobertura. Eu percebi que as minhas reservas (emocionais) estavam acabando, então discuti isso muito na terapia para evitar essas situações. Foram bem marcantes essas duas coberturas nesse sentido. Um aprendizado sobre manter as reservas intactas. Hoje em dia eu percebo o que é que acontece.

Você fica sozinho, longe da família, dos amigos, em um ambiente hostil e correndo riscos, então é preciso ter reservas emocionais internas para você ficar bem com você mesmo, ter um diálogo bom com você mesmo, ser uma boa companhia para você mesmo, para te apoiar como se você fosse duas pessoas. Como se você fosse o seu amigo ali. Também fui desenvolvendo técnicas de meditação, eu uso Headspace, que é um aplicativo de meditação em inglês. Depois é fazer exercícios físicos, ter uma dieta boa, fazer alongamentos. Várias coisas que mantêm a sua rotina. Você se mantém mais parecido com o que você é quando está em casa. Isso é importante porque fazendo coisas que mantém uma continuidade com quem você é. Fica mais fácil você se manter dentro da sua identidade, do seu eixo. Essas coberturas tendem a nos tirar do eixo. Conforme os dias vão passando, depois de uma semana, você vai saindo do eixo. Ou eu, pelo menos, vou saindo do eixo. Então preciso de ferramentas para me manter. Hoje eu tenho mais capacidade de resistência do que eu tinha antes, isso mudou bastante. As pessoas não dão mesmo importância. Eu fui descobrindo com o tempo que isso era um fator importante para o trabalho mesmo.

Por Samy Adghirni
Cobriu em 2012 — Damasco (Folha de S. Paulo)

Eu acho que quem vai muito, quem é correspondente de guerra — é uma espécie em extinção que o cara ou a cara vive de guerra em guerra — precisa de acompanhamento psicológico, sem sombra de dúvidas porque é muito pesado. Eu conheci algumas pessoas assim, que têm uma casa, vão muito pouco mas passa 150 dias em guerra. A Síria, por incrível que pareça, com as situações de medo muito intenso que eu vivi, mas não vi nenhum morto nessa guerra. É uma guerra que eu não vi nenhum cadáver. No Egito, por exemplo, você via linchamentos. A Líbia foi muito difícil. Você caminhava em corpos, via gente com tripas para fora. Via criança com queimaduras de terceiro grau. Um cara todo quebrado tendo delírios porque estava morrendo. Voltar para casa em São Paulo — e no dia que você volta você vai para o boteco com os amigos — , é meio pesado. ‘Caramba, o que foi aquilo que eu vi?’ Tem que ter estômago, não pode ser uma pessoa muito sensível. Tem que ter sangue frio. Acho que para fazer essas reportagens de campo que é muito perrengue, você tem que ter maior controle. Você tem que ter a capacidade de manter a racionalidade, de manter decisões racionais, saber o que você está fazendo. Eu tive uma relação mais introspectiva de questionar algumas coisas, mas não senti necessidade de pirar o cabeção.

Por Diogo Bercito
Cobriu em 2014 — Damasco e Homs (Folha de S. Paulo)

Eu conversava muito com os meus editores antes de ir para Jerusalém. Eu sentei com todos eles, com o meu chefe, diretor e eles disseram ‘A gente não quer que você se arrisque, sempre que você sentir que é arriscado, não faça. Não se sinta obrigado a fazer nada’. Esse tipo de orientação é importante saber. Você ir ou não para uma situação de guerra não vai afetar a sua carreira. Esse tipo de coisa ajuda bastante para o psicológico. Você não faz uma coisa se sentindo obrigado. Você tem um chefe que diz ‘Se você quer ir, se acha que vale a pena e se você está pronto. A gente está aqui para dar todo o apoio financeiro, seguro de vida, equipamento. A gente está aqui para conversar. Se você quer fazer, a gente está aqui; mas se você não quer, isso não tem nenhuma consequência’. Isso é muito importante para mim, pelo menos. Fazer as coisas que você realmente quer, fazer porque você acha que vale a pena, que rende uma investigação interessante, que você acha que o risco é manejável. Você é a pessoa que sabe. Quando você está em um lugar desses é você que tem a sensação de segurança ou não. Você que vê as coisas, ninguém em São Paulo pode decidir por você. Na volta eu saí com alguns amigos em Beirute. Cheguei, deixei a mala no hotel e fui beber um drink. Relaxar, conversar o que tinha visto, entender um pouco melhor, porque é muita coisa que você absorve.

Por Yan Boechat
Cobriu em 2017 — Damasco, Homs e Aleppo (Freelancer)

Eu tenho uma relação boa com a situação e com os momentos tensos assim. Eu entendo o meu papel, eu entendo o contexto da situação. É triste e tal, mas é algo que eu consigo lidar bem, eu não fico sem dormir. Talvez tenha uma parte importante de mim, dos meus valores, das coisas que eu acredito, da minha experiência. Tudo isso acho que vai juntando em um bolo que aí você consegue lidar bem. A maior parte das pessoas trabalhando nessa área eu vejo que consegue lidar bem com essas situações. Eu acho às vezes que há um romantismo nessa coisa muito grande. Parece que a gente está o tempo todo no limite, que a gente pode morrer a qualquer momento e tudo mais. Eu acho perigoso, mas eu acho que é um pouco menos perigoso do que parece. Acho que tem um risco controlado ali que as coisas não são tão dramáticas.

Por Patricia Campos Mello
Cobriu em 2015 e 2016 — Norte do país (Folha de S. Paulo)

Às vezes a gente volta e fica meio deprê, porque eu acho que quando está lá você fica em uma mega adrenalina. Você tem que se concentrar nas matérias, conseguir chegar nos lugares, conseguir falar com as pessoas. Normalmente eu chego e fico gripada, eu fico com infecção urinária. Me dá uma baixa de resistência e eu acho que tem a ver isso, deve ser um jeito de somatizar o stress que a gente passa, mas eu não tenho nenhuma preparação. Eu faço análise e levo isso para a minha análise. Não é específico por causa da cobertura de conflitos, para stress pós-traumático e esse tipo de coisa.

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Maryanna Nascimento
sahafi brazili

Jornalista recém-formada interessada na cobertura de conflitos e da violação dos direitos humanos