Jantar

Alana Della Nina
Sai dessa vida
Published in
2 min readMay 10, 2017

Tem assunto que eu prefiro deixar para falar só depois de comer que é para não perder o apetite. Conversas inevitáveis que não levam a lugar nenhum. Conversas que nos invadem como sem-tetos ocupando um prédio vazio. Necessários, mas indesejados.

Precisamos falar disso. Eu sei que precisamos. Precisamos dissecar a dor, entender a intensidade como ser itinerante que viaja pelos dois extremos. Já aproveitamos o lado macio, mas a ponta dura, cortante e seca também é importante.

Por mim, passaríamos o jantar falando sobre o grande mistério que faz com que todas as palavras em francês sejam oxítonas e as em inglês, proparoxítonas. Ou debatendo sobre os sonhos para viver e os sonhos para morrer. Mesmo omitindo a irrelevante informação de que nenhum deles provavelmente vai ser realizado.

E ele decidiu falar das coisas difíceis. Urgências que não podem contar com o luxo de esperar por uma hora mais adequada. Depois do jantar, por exemplo, seria menos desgastante. Ou, para ser mais precisa, após a digestão — prefiro não deixar aquele prato marcado para sempre pela melancolia do momento. Detesto essas associações.

Talvez eu tenha começado. Talvez tenha quebrado o silêncio e feito, sem querer fazer, a pergunta impossível, cutucando a angústia por trás do que nunca se resolve. Insisto em não ouvir a resposta e tento terminar minha comida. A massa, um pedaço de borracha com gosto do nó que não desce pela garganta. E o desatino dele, sem esperar pela sobremesa, segue o caminho do fim.

Deixo o resto da comida fria no prato e sinto o gosto metálico que deixa a saliva grossa, o dente rançoso, o hálito amargo. Sabor particularmente conhecido. O gosto mesquinho dos que sofrem em causa própria. Em um mundo como este, padecer de amor parece inadequado. Só que essa dor, mesmo tão pequena de importância, não cabe em mim. É a dor dos que não dormem, não comem, não vivem. Dos que sabem que virão dias cinzas pela frente. Nada que nunca tenhamos vivido — e sobrevivido.

Entre os muito arrependimentos da noite, lamentei não ter aproveitado melhor a refeição. Seria a última com apetite por um bom tempo.

--

--