Alana Della Nina
Sai dessa vida
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3 min readMar 7, 2016

Toda família tem seus personagens peculiares. Na minha, exceção é quem não é, mas a vó Marlene se destaca por um talento especial: destruir clichês. Os diálogos natalinos sempre seguiam mais ou menos assim: “Você ainda está namorando, minha filha?”, ela perguntava. “Tô, vó”, eu respondia. “Ai, menina, termina logo esse namoro. Vai viver”, ela retrucava. Em vez de me mandar arrumar namorado, vovó me pedia para largar o meu.

Até que um dia larguei. Estive em uma relação por 11 anos, encavalada em outras tantas. Tenho 31. Se você fizer as contas vai chegar à conclusão de que ou sou um vampiro ou comecei a namorar realmente cedo. Segunda opção considerada, é desnecessário — mas inevitável — dizer que a pessoa que entrou nesse relacionamento aos 19 não é a mesma que saiu dele aos 30. O que é uma coisa boa, claro.

Acontece que o mundo lá fora não é como a minha vó. E o mundo aqui dentro também não. A gente cresce escutando diversas anedotas tidas como verdades absolutas, como a do Grande Amor Romântico — a sua vida nunca será completa sem ele — e, a pior, se uma mulher está solteira, não é por escolha dela — tem alguma coisa errada aí. Neguei a vida toda essas premissas, só que elas eram inerentes à minha realidade. Eu não concordava, mas sentia.

Ao terminar o namoro, tive que lidar com a questão óbvia: vou ficar sozinha. Como é isso? Como é não se ocupar do outro e só de si mesma? Como, depois de tantos anos dividindo minha intimidade com uma única pessoa, vou abrir espaço para um estranho? Para quem não tem paciência — como eu –, essas perguntas são altamente angustiantes, porque levam muito tempo para serem respondidas; quando são.

Tempos mais tarde, em uma viagem por Budapeste, conversei por horas com um húngaro. Ele, de outro país, outra cultura, outra cabeça, me disse algo muito familiar: “Prefiro ter alguém a estar só porque é uma parte da vida que se resolve, aí você consegue focar nas outras. E também por não precisar lidar todos os dias com o vazio”. Nomes exatos a sentimentos que foram meus por muito tempo. Mas, àquela altura, eu me sentia calejada desse papo de aspectos práticos-econômicos-confortáveis de um relacionamento — sabia que aventurar-se pelo desconhecido tinha um alto preço e eu estava disposta a pagá-lo, e já era a melhor amiga do meu vazio.

A coisa toda é que, além das conjecturas, revoluções e transformações internas, tive que lidar com o que estava ao meu redor. Depois de me separar da pessoa que mais se aproximou de mim na última década, eu não sabia mais enxergar as fronteiras. Relações de todas as naturezas que me cercavam mudaram drasticamente e, sendo uma mulher sozinha, a sensação que fiquei é que as pessoas se sentiam muito mais à vontade para invadir o meu espaço.

Logo comigo, que sou ferozmente territorialista com o meu quadrado.

Pesei a mão dos dois lados: por um tempo, me afastei e afastei a todos. Fiquei fechada, amuralhada, ensimesmada. Vendo de longe, percebo que essa foi uma fase importante, um reencontro necessário comigo mesma, embora tenha ido muito fundo nessa solidão voluntária. Quando relaxei, cedi demais. E dá-lhe sujeito se aboletando no meu sofá emocional.

De todas as batalhas que você trava ao decidir seguir sozinha, está a luta por si mesma, por poder ser livre, dona das suas decisões, soberana nos seus desejos. Foi um processo de aprendizado e desconstrução dizer os nãos e os sins que eu queria dizer, ver claramente quais eram os meus limites e impô-los aos outros e, o melhor de todos, parar absolutamente de me importar com opiniões não solicitadas ao meu respeito.

Entendo hoje que equilíbrio é sabedoria e vem com o tempo. Assim como o conforto de ser quem se é, independentemente do que te mandam seguir lá fora. Assim como a certeza de querer estar só. Por escolha, por vontade, por momento. Porque sim.

E, vó, você tinha razão, estava na hora de eu começar a viver. Eu só precisava me dar conta de mim mesma.

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