Sobre dinheiro, liberdade e o dia de hoje

Alana Della Nina
Sai dessa vida
Published in
4 min readJul 19, 2016

Algumas verdades que a gente precisa falar — e ouvir

Um dia difícil na vida frila

Se eu decidir ter filho nesta vida, um dos meus grandes esforços como mãe, além de tentar ensiná-lo a ser uma pessoa melhor do que eu, será a de criar condições para que ele não tenha que fazer escolhas baseadas em dinheiro.

Naqueles dias em que você quer ser qualquer coisa — um presidente de multinacional, a atendente do cartório, o vendedor de churros, seu cachorro, um cacto — menos esta pessoa que vive a sua vida, é um exercício e tanto imaginar o que você faria se não fosse o dinheiro. Inútil do ponto de vista prático, mas necessário do ponto de vista (auto)motivacional.

Eu tive certas ideias por aqui. Algumas impronunciáveis.
Vou contar, então, o que dá mais ou menos para falar em voz alta. Ei-las:

  • Não ter medo de ser eu mesma.
    É bom poder exercer integralmente a sua própria personalidade e se retirar quando achar que algo não tem a ver com o que você acredita ou passa dos seus limites. Na bonita teoria que raramente corresponde à prática, todos nós somos livres para ir e vir, mas na labuta profissional não é bem assim que a banda toca e, no escambo dos trocados necessários, muitas vezes a gente é forçado a dançar conforme uma música desagradável. Ou, pra ser mais direta, temos que engolir sapo pra caralho.
  • Ter a chance de fazer algo que eu goste de verdade.
    Ou, ainda mais importante, de poder descobrir o que gosto de verdade, tentando, errando e tentando de novo várias vezes. Parar quando for necessário, voltar atrás, pensar, meditar e recomeçar. Não dá pra fazer isso vivendo no automático, ralando 12 horas por dia atrás do dinheiro do aluguel, da net e da eletropaulo. Não com essa frequência, pelo menos.
  • Não arriscar chegar na velhice sem ter feito nada que realmente me estofasse.
    Claro, corro esse risco mesmo nadando em grana, mas a possibilidade é muito menor, né? Se você tem a opção de fazer as coisas que quer, tem mais chance de virar projetos em que acredita ou de ir atrás de algo que te satisfaça (aka aquelas profissões que seus pais te mandam NÃO seguir — ator, escritor, artista plástico, músico, astronauta, jornalista. heh).
  • Viver as coisas que o dinheiro compra.
    Não ligo pra carro, iphone 6 e coisas fancy, mas amo viajar, morar sozinha, comer bem, bagunçar com os amigos, encher a cara com um certo luxo (tem coisa que depois dos 30 não desce mais). E, bom, tudo isso requer dinheiro. Ficar dura significa abrir mão dessas coisas. Trabalhar demais também. Ou seja, é uma conta difícil de fechar. E eu só queria poder viver meus pequenos prazeres em paz.
  • Estudar muito tudo o que tenho vontade.
    Virar uma intelectual e entender de história clássica, história contemporânea, literatura russa, geografia, política, antropologia, neurociência, arqueologia, psicanálise, niilismo, budismo, taoísmo, falar alemão, francês, italiano, árabe e russo. Apesar de me considerar uma pessoa de relativa profundidade, me sinto boiando numa vida mais ou menos rasa. Mas pode ser que isso seja só culpa minha mesmo.
  • Não vender a minha dignidade.
    Imagina que massa não ter que aceitar qualquer trabalho por grana? E não tô falando só de investir no que a gente acredita e não se vender para uma empresa que escraviza criancinhas, mas da própria relação desumana na qual quem paga exerce um poder descabido sobre quem recebe. Resumindo: mais trampo que o combinado a preço de banana, com prazo impossível, mil refações e falta de respeito e educação que te envelhecem fisica, emocional e moralmente. Não, obrigada.
  • Não pedir mais nada a ninguém.
    Frila, pagamento atrasado, prazo, desconto, retorno, aumento ou, na pior das hipóteses, dinheiro emprestado. Para quem, como eu, detesta pedir qualquer coisa, pode ser um negócio um bocado humilhante. Mesmo quando o que você tá pedindo não passa da mera obrigação do outro, é sempre uma situação de desvantagem — para você, claro. Entra na categoria ainda: não precisar jogar na cara da pessoa que tá bancando a difícil/blasé/joão-sem-braço as trezentas mil vezes em que você quebrou os galhos dela. Precisar de ajuda x ser convocado a ajudar é uma equação que pode mexer bastante com a identidade do sujeito.
  • Mandar tomar no meio do cu todas aquelas pessoas que não são capazes de responder a um e-mail.
    Sim, aquelas que exigiram uma proposta ou orçamento de 12 laudas em 20 minutos, mas acham desnecessário te dar uma resposta, seja sim, não, vai para o inferno ou qualquer outra coisa menos humilhante do que o gigantesco e eterno NADA. Esta estaria no topo da minha lista, mas vou deixar para os autos da memória. Como ainda quero servir minimamente de exemplo para os meus improváveis-futuros-filhos, vou confiar que o mundo gira, a lusitana roda e quem te deixou na mão hoje vai pagar o próprio carma amanhã. A vida ensina. Ou coisa do gênero.

Talvez essa lista seja pessimista, muito radical ou apenas um ressentimento pequeno-burguês. Talvez você me ache preguiçosa e intolerante ou talvez você seja uma dessas pessoas sortudas que conseguem viver a vida que querem e pagar as contas ao mesmo tempo e nada disso faça sentido.

Ou talvez eu só esteja cansada.

O que importa é que amanhã é outro dia.

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