Roda Gigante | Os diferentes tons de uma mulher em conflitos

Marlon Faria
Saideira
Published in
3 min readOct 19, 2017

Woody Allen sempre retratou com precisão quase cirúrgica os sentimentos mais intrínsecos do ser humano ao contornar suas tramas com um surrealismo que encontra morada entre a fábula e algo que podemos chamar de determinismo situacional. São histórias estanques - com um começo e um fim muito bem delineados - e que justamente por serem simples conseguem se tornar complexas em suas minúcias.

Em Roda Gigante, o cineasta nos apresenta o cotidiano de Ginny, uma garçonete de Coney Island que mora com o marido e o filho em uma residência um tanto precária em um parque de diversões das redondezas. Cansada de ver a vida em preto e branco, a moça encontra novos tons ao conhecer o jovem salva-vidas da praia, interpretado por Justin Timberlake.

Em contrapartida, a chegada da filha do primeiro casamento de seu marido, traz para a vida de Ginny o contraste de sua quase atingida meia idade com o frescor e a vivacidade de sua enteada. Está posto assim um conflito que é o sustentáculo desta nova obra de Allen.

É importante destacar que, embora cores e cenografia emulem a ideia de uma comédia, talvez este seja um dos filmes mais dramáticos da carreira do diretor. Existem subtextos muito interessantes que, embora pouco alardeados, performam bem de maneira implícita e fornecendo insumos para que o público complete as lacunas deixadas pelo roteiro arenoso.

Ginny, tenta a todo custo evitar que seu marido beba álcool. Em certos momentos é sugerido que o mesmo agride a esposa depois de beber. E embora os diálogos não se aprofundem no caso, é fácil perceber que este também é um fator que fundamenta a infelicidade da protagonista. Outra alegoria interessante é o filho da personagem. Richie é um menino com sérios transtornos. O mais sério e notável deles é o fato do garoto ser um incendiário e ser aficionado por fazer fogueiras em locais impróprios.

Um dos recursos mais interessantes da fita sem dúvidas é o uso inteligente - e por que não, inovador? - das cores. A iluminação “esquenta” e “esfria” de acordo com a verborragia e o humor da personagem. Entrando em incandescência nas horas mais tensas e ganhando a leveza do azul nos momentos de calmaria. Vittorio Storaro assina esta direção de fotografia impecável que é certamente o que de melhor o filme tem a oferecer.

As interpretações também podem e devem ser consideradas um acerto. Kate Winslet atinge uma maturidade invejável aqui. A atriz passeia por diversas nuances em um papel que lhe oportuniza o exercício pleno de seu potencial. Timberlake, nas mãos da ótima direção de elenco, vai bem e convence em suas cenas.

As belas cenas e atuações, entretanto, não conseguem suprimir as deficiências que o roteiro atinge em seu ato final. Allen sofre ao tentar colocar pontos finais em alguns arcos e os últimos vinte minutos de fita parecem um tanto corridos. Apesar de ser um excelente contador de histórias, o cineasta não consegue repetir aqui a mesma performance de Meia Noite em Paris e Blue Jasmine - para citar seu cinema mais recente.

Roda Gigante é um filme para ser contemplado por sua beleza imagética, mas sem aguardar enormes aprendizados ou reflexões. É muito mais do que a maioria dos filmes atualmente em cartaz, mas nada realmente significativo em meio a uma filmografia premiada como a de Woody Allen.

Nota: 🍺🍺🍺🍺

[Agora as críticas do Saideira receberão uma nota. Sendo um chopinho a nota mais baixa e cinco chopinhos a nota mais alta]

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Marlon Faria
Saideira

Journalist, Planner, Copywriter and Podcaster | Rio de Janeiro - Brazil