T2 Trainspotting: As tristezas e as alegrias de se olhar para trás

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readMar 23, 2017

Eu devia ter uns 16 anos. Lembro que estava em casa zapeando pela TV e parei em um desses canais de filmes, que anunciava a próxima atração. Era sobre uns amigos adolescentes que usavam drogas, roubavam e tinham sotaque britânico. Rebelde que era, deixei passando. Mal sabia eu que eu estava parando pra assistir a um dos meus filmes favoritos de toda a vida: Trainspotting.

Na época, aquela anarquia toda me fascinava. Trilha sonora de rock, humor nego e temas fortes como drogas e sexo, junto com alguns cortes rápidos e sotaque britânico. Era como se eu pegasse tudo que eu gostava e colocasse numa caixinha (menos drogas, tá, mãe? Fica tranquila). O tempo passou e eu passei a enxerga-lo diferente. Cada vez que eu revia, via um mais filme triste, mais real e pesado do que eu queria que fosse, que fala muito mais sobre união, amizade e caráter do que drogas, sexo ou música. Isso o tornava ainda mais significativo.

Corta para 2017 e temos, finalmente, Spud (Ewen Bremner), Renton (Ewan McGregor), Sick Boy (Jonny Lee Miller) e Begbie (Robert Carlyle) de volta às telonas, agora com T2 Trainspotting. Baseado no livro Porno, sequência do livro Trainspotting, de Irvine Welsh, ele traz Renton de volta à sua cidade natal vinte anos depois de ter partido. Lá ele encontra Spud ainda dependente de heroína, Sick Boy rancoroso quanto ao roubo no passado e Begbie prestes a sair da prisão.

Clássicos assim são um tanto quanto intocáveis. Quando anunciaram a sequência, como bom fã, eu torci o nariz, mas me empolgava cada vez que via alguma informação. Ter o mesmo quarteto de volta na mão do mesmo diretor ajuda muito. Ainda mais porque a história também não é criada, mas adaptada de quem conhece mais do que ninguém a essência: o próprio autor dos livros.

Danny Boyle traz de volta todo a estética do primeiro filme, agora com muito mais recursos a serem utilizados. A anarquia de produção ainda é muito presente, com planos holandeses, telas congelando, câmera bêbada e muito mais dinamismo nesse jogo todo, com muito mais cores e recursos, que se entram de acordo com os tempos atuais. Em nenhum momento o filme parece ser velho ou ultrapassado, mesmo que algumas técnicas hoje não sejam mais tão utilizadas.

Ainda que haja um choque geracional no filme, a essência de Trainspotting se faz presente a todo momento, seja pela trilha, pelos planos ou até mesmo pelos personagens, que não perdem nem um pouco de suas personalidades, mas apenas amadurecem, como seu público o fez. Se a sensação de haver uma tristeza escondida no primeiro é reservada, neste, mesmo mais humorado, é possível percebê-la em cada ato dos personagens. As responsabilidades aumentam e os sentimentos se afloram, assim como nós, do outro lado da tela.

Talvez o único problema do filme seja seu problema em viver apenas de passado. T2 não nega em momento nenhum referências ao primeiro, com direito a flashs e transposições de cena que nos remetem ao clássico. Boyle enfrenta um certo problema de legado, sem saber muito para onde caminhar. Por sorte, toda a história já e muito bem encaminhada, com uma boa conclusão.

Mesmo com esse problema, ele consegue nos trazer uma nostalgia sem tamanho. Quem é fã vai se deliciar e até se emocionar com elas. Os personagens, por exemplo, não possuem alteração nenhuma em suas personalidades e é possível vê-los da mesma forma. No entanto, o foco está um pouco menor em Renton, com mais espaço aos outros, que podem se desenvolver melhor. Sick Boy consegue um espaço maior para continuar babaca e carismático e Begbie surge como o psicopata que todos gostamos de ver, desta vez como vilão declarado.

Mas é Spud o personagem mais interessante da trama. Pode até se dizer que ele divide o protagonismo com Renton, mas e inegável que seu arco possui muito mais peso que os outros por conta de seu vício remanescente em heroína. Ao lado da novata Veronika (Anjela Nedyalkova), ele consegue transmitir todo aquele amadurecimento citado. A realidade dele é um pouco mais forte, e a retratação de um viciado aos 40 e poucos anos é impressionante.

Como filme e como sequência, T2 Trainspotting honra seu clássico, é excelente, moderno e tudo aquilo que os fãs esperavam. No entanto, eu poderia muito bem dizer que é um filme que vive do passado ou que ele não traz nada de novo, mas eu prefiro encará-lo como uma retratação das alegrias e das tristezas de se olhar para trás, voltar às suas origens e ver como nossos conceitos mudam a cada dia que passa, com novos pontos de vista.

Se o de 1996 ficou eternizado, este pode até mesmo soar descartável, assim como tudo neste mundo moderno. Mais do que nunca, Trainspotting marca uma ou duas épocas, mesmo sem ter essa intenção. Amadurecer é difícil. Esquecer os clássicos também. Na duvida…

Choose Life!

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.