A Maldição da Residência Hill, o medo e os fantasmas de nossas vidas

Vinicius Machado
SALA SETE
Published in
4 min readDec 4, 2018

Todo mundo já foi assombrado por um fantasma. Se não literalmente, com certeza de alguma outra forma figurativa, seja ela em um sentimento de culpa, de luto, arrependimento, remorso, medo, trauma, até mesmo uma doença que nos persegue ou qualquer outra coisa que nos apavora. Mas como é possível lidar com isso e continuar? Como acabar com esses fantasmas ou amenizar a dor dessas assombrações? A Maldição da Residência Hill fala exatamente sobre isso.

A nem tão mais nova série original da Netflix conta a história de uma família que compra casas abandonadas, restaura e as revende. No entanto, em uma dessas, a tal da Residência Hill, eles começam a ter algumas experiências sobrenaturais, que acaba com uma tragédia envolvendo um dos pais dessa família. Muitos anos depois, quando os cinco irmãos já estão mais velhos e se separaram, outra tragédia envolvendo a casa faz com eles se reúnam e voltem a encarar os fantasmas do passado.

A princípio esta parecer ser uma série de terror e os primeiros episódios tentam fazer parecer isso para o público. A primeira cena do primeiro episódio é muito clara em relação a isso e algumas sequências seguintes também. Mas isso é apenas uma pequena impressão, já que os episódios seguintes diminuem essa carga para focar naquilo que realmente importa: Seus personagens.

Os irmãos Steven, Theo, Shirley, Luke e Nell são apresentados em cada um dos primeiros cinco episódios, alternando entre o passado e a infância deles na casa e o presente, logo após a segunda tragédia familiar. A preocupação do diretor Mike Flanagan com cada um desses personagens aprofunda as questões levantadas e fazem com que o público enxergue algumas características semelhantes a si. Tudo isso facilita na hora de se importar com eles no futuro, cada um com seu respectivo conflito, que surgiu com as experiências dentro da mansão Hill.

Se nos primeiros quatro episódios tudo é um verdadeiro mistério, é no quinto episódio que as coisas vão se clareando, assim com a mensagem que a série quer passar. São os primeiros indícios de que ali o terror é apenas um pano de fundo para temas muito mais recorrentes no dia a dia. A discussão sobre saúde mental e quem realmente está ali disposto a ajudar, incluindo profissionais, é um ponto levantado com muita sutileza e mesmo assim não foge dessa relação tênue que a trama tem com o sobrenatural.

O medo é o abandono da lógica, a renúncia voluntária a padrões razoáveis. Nós nos rendemos ou lutamos contra ele, mas não podemos ficar em cima do muro.

Mas é no sexto episódio em que tudo começa a se realizar. Flanagan praticamente dirige uma peça de teatro durante quase cinquenta minutos. São planos sequências longos, que se alternam entre a infância e o presente dos personagens, todos reunidos e muito bem coreografados entre diálogos intensos e transições físicas. É cinema puro, que muito além da obra-prima avança a narrativa e estabelece de vez todos os arcos dos personagens. Brilhante.

É a partir dali que os fantasmas sobrenaturais parecem não importar mais. Ali entram as discussões sobre responsabilidades, culpa, arrependimento, vícios e, principalmente, a falta de comunicação e de diálogo com pessoas tão próximas. O nível de tensão cresce a cada minuto que passa e os episódios seguintes apenas colhe o fruto da profundidade daqueles personagens que, nesta altura do jogo, já caiu nas graças do espectador, sejam eles nas versões adultas ou crianças.

Carla Gugino e um dos fantasmas escondidos nas cenas

Os episódios finais amarram todas as pontas soltas e ainda acrescentam um drama na medida certa, de acordo com todos esses conflitos que a trama apresenta ao longo dos dez capítulos. É um final emocionante e na altura de toda a série, que se manteve regular, imprevisível e cheia de picos de genialidade até o fim.

A Maldição da Residência Hill, que parecia ser um terror acaba se tornando um debate sobre o medo, mas não de espíritos ou qualquer outra entidade sobrenatural. É o medo de conviver com conflitos corriqueiros e que as vezes fogem do nosso alcance. Ou até mesmo sobre o medo de enfrentar questões internas, as quais decidimos simplesmente não querer enxergar. Mas mais que isso também, é sobre saber buscar a coragem dentro de si para encarar tudo isso de frente e seguir adiante, o que, com certeza, é muito mais aterrorizante que os tais fantasmas que aparecem escondidos nos episódios.

--

--

Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.