Dunkirk, Okja e as experiências de se ver um filme no cinema

Vinicius Machado
SALA SETE
Published in
5 min readAug 10, 2017

Você já deve estar cansado de ler por aí sobre Dunkirk, não é mesmo? Por todos os cantos da internet, o filme mantém seu índice de aprovação enorme tanto com o público, quanto para a crítica. De fato, o novo filme de Christopher Nolan é um dos melhores (se não o melhor) filmes do ano. Intenso, pesado, tecnicamente impecável. Mesmo com a intenção de ser um filme gigante, ele consegue ser intimista e coloca a solidão individual em primeiro plano. Não à toa, o filme foi rodado em IMAX 70mm para que a experiência seja completamente imersiva e própria para se assistir em telas grandes.

E é sobre exatamente isso que eu quero falar:

Experiências

Em uma entrevista recente, Nolan deixou bem clara a sua posição a respeito da Netflix, onde ele faz duras críticas ao seu modelo de negócio, em que os filmes lançados para a plataforma, são, exclusivamente, feitos para a plataforma. Nessas palavras, o diretor disse isso:

“Eles tem uma aversão bizarra em apoiar filmes no cinema. É uma política não muito inteligente em ter tudo transmitido e lançado simultaneamente, o que claramente é insustentável para uma apresentação em cinema”

Mais adiante, ele comentou sobre suas intenções ao lançar um filme no cinema.

Meus filmes favoritos são aqueles que são filmes e nada mais, são puramente cinematográficos. Não poderiam ser séries de televisão e não poderiam ser contados através do rádio. Quando um filme é visto na televisão, já é outra coisa. A experiência é completamente distinta. Como cineasta meu único objetivo e compromisso é criar experiências que só podem ser vividas na sala de cinema.

Depois de assistir a Dunkirk, é impossível não concordar com ele. Afinal, ele é basicamente o complemento desta última citação do diretor. O filme é uma verdadeira experiência de imersão, que te coloca praticamente dentro de uma guerra e, ao optar por não focar numa jornada do herói, ele te faz um personagem, elemento esse que foi um dos alvos de críticas ao filme, o que é um engano, já que dentro de uma guerra não há tempo de saber quais os sonhos de seus companheiros de guerra, aqui, você assiste cada um deles e apenas se comove pelo instinto de sobrevivência dos que vivenciaram a Operação Dinamo, que salvou centenas de milhares na praia de Dunquerque.

Obviamente, o filme possui esse efeito dentro de uma sala escura, onde você só está ali com a intenção de fazer parte de, não apenas nesse, mas de todos os outros filmes. Baby Driver, por exemplo, é uma outra experiência bacana dentro do cinema. Assista esse filme pela primeira vez numa televisão e toda a proposta se esvai para apenas uma simples programação, onde depois de assisti-lo, você trocará de canal e passara a ver um outro programa. Não há aquele tempo de digestão, muito menos o de absorção.

Okja, uma produção do Netflix, é um dos grandes exemplos disso. Para quem não sabe, a história gira em torno de uma jovem que arrisca tudo para evitar que uma poderosa multinacional sequestre sua melhor amiga, uma porca gigante, geneticamente modificada, própria para o consumo. Antes de assistir ao filme, inúmeras pessoas que me recomendaram o filme disse a mesma frase:

Você vai querer virar vegetariano depois de assistir.

Pois bem, o filme é mais um belíssimo trabalho do diretor sul-coreano Joon-Ho Bong (Expresso do Amanhã e O Hospedeiro), com uma história tocante e delicada que, mesmo com seus exageros (uma mania do diretor em trazer a excentricidade oriental para atores ocidentais) faz um discurso crítico e muito forte em relação às grandes corporações e também ao consumo de carne. De fato, ele faz com que o público reflita, não como um apelo vegano, mas uma reflexão a respeito do consumo.

Mas na real? Sabe quantas dessas pessoas que me disseram isso viraram vegetarianas? Nenhuma. Claro que isso não deve ser condenado, mas é aqui que quero chegar. Assistir um filme na televisão se torna um ato muito mais de consumo, do que de absorção. Além das distrações diárias como celular, redes sociais, ver na TV é algo orgânico, onde logo depois do fim o consumidor vai trocar de canal, começar a assistir um novo filme ou um novo episódio de uma série qualquer. Não há aquela digestão, muito menos uma discussão a respeito.

Isso tira os méritos da produção? De maneira alguma. Mas já imaginou o impacto que Okja tivesse sido lançado nos cinemas? Ainda mais depois de tantas discussões, o filme muito provavelmente alcançaria um patamar maior do que já é. Não apenas esse, mas Beasts of No Nation (que poderia render até mesmo um Oscar ao Idris Elba naquele ano), Siege of Jadotville e outras superproduções poderiam alcançar um patamar ainda maior no cenário da sétima arte. Sabe aquele lance dos Irmãos Lumière e o trem chegando na tela? Então.

As plataformas de streaming devem servir como um complemento, jamais uma concorrência ao cinema. A Amazon, por exemplo, lucrou muito com sua produção Manchester à Beira-Mar, com sua estratégia de colocar o filme que rendeu um Oscar a Casey Affleck nos cinemas e só depois de alguns poucos meses, disponibiliza-lo em streaming. Uma estratégia que funciona bem e prova que o caminho deve ser esse, já que o torna muito mais acessível ao público que prefere não ver no cinema ou simplesmente não pode. A experiência muda? Sim, mas ao menos há uma opção de assistir o filme numa tela grande.

Nada substitui a experiência de se ver um filme no cinema. Dunkirk não seria a mesma coisa, Baby Driver não seria a mesma coisa, nem Batman vs Superman seria a mesma coisa (afinal, o impacto potencializa para o bem e para o mal, se é que me entendem). O que deve haver são alternativas, muito bem vindas, como a Netflix, Hulu, Amazon Prime e seja lá qual for o próximo. É um mercado em ascensão, sem dúvidas, que jamais deve se rivalizar.

Os diretores de cinema já perceberam isso e estão cada vez mais empenhados em ajudar no crescimento dessas plataformas, desde que haja uma certa sinergia entre o cinema e a televisão. Martin Scorsese, o primeiro peixe grande que assinou com a Netflix, por exemplo, é um dos caras que discursa contra essa intenção de manter uma produção apenas na televisão.

“O problema agora é que tudo ao redor do frame é distrativo. Você pode ver um filme num iPad. Você pode colocar ele bem perto do seu rosto, no quarto, trancar a porta e assistir, mas ainda assim algo permanece brilhando aqui e ali. Mesmo quando você está vendo numa grande TV, existem outras coisas no recinto. O telefone toca. Pessoas entram e saem. Não é a melhor maneira.”

Resta saber se seu novo projeto, The Irishmen, cederá ao apelo da empresa de streaming, ou se o diretor manterá o discurso e levará seu filme aos cinemas. Desde já eu estou aqui na torcida. Eu não quero viver num mundo em que um filme de máfia com Robert De Niro, Al Pacino, Harvey Keitel e Joe Pesci seja lançado entre uma temporada de Orange is The New Black e outra de Black Mirror.

--

--

Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.