Guerra Civil | Pouco importa o lado, é preciso registrar

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readApr 24, 2024

Em 1991, Greg Marinovich vencia um Pullitzer pela foto intitulada “Human Torch”. Nela, há a imagem de dois homens ateando foto em um terceiro, provenientes do conflito do Apartheid. Anos depois, “The Vulture and The Little Girl” , de Kevin Carter, também recebia a atenção do mundo. Ambas as fotos levantaram discussões sobre o papel do fotojornalismo dentro de conflitos. Afinal, a ética profissional e o dever humanitário seguem uma linha tênue. Carter e Marinovich poderiam prestar assistência a seus fotografados? Deveriam eles interferir nos destinos das vítimas? A discussão foi tão acalorada que Carter, anos depois, cometeu suicídio, mesmo tendo explicado que o abutre havia sido afastado por ele e a criança levada a um abrigo. A foto, no entanto, publicada no mundo todo, abriu os olhos da ONU para a fome no Sudão.

Human Torch e Vulture and The Little Girl (propriedade de Greg Marinovich e Kevin Carter)

E é justamente a partir deste tom que Alex Garland produz Guerra Civil. Num mundo distópico, em que forças militares alternativas se rebelam contra o governo americano e instauram um conflito armado. Neste cenário, Lee (Kirsten Dunst), Joel (Wagner Moura), Sammy (Stephen McKinley Henderson) e Jessie (Cailee Spaeny) viajam pelo país com destino a Washington D.C. para registrar a situação deste cenário violento.

GUERRA CIVIL | Trailer Legendado (youtube.com)

Na maioria de seus projetos, Garland tem a imagem como força de suas histórias, e aqui não é diferente. Se em Aniquilação e Ex-Machina ele usa a tecnologia para criar seus universos, aqui ele volta no tempo e cria referências de cenários de guerra e futuros distópicos. Imagens puxadas de Apocalypse Now (Francis Ford Coppola) e Fim dos Tempos (M. Night Shyamalan) ditam o tom dessa narrativa, ora tornando cidades populosas em espaços isolados e desertos, ora num campo de batalha repleto de conflito e um pano de fundo em que o céu é iluminado com as luzes dos tiros. O cenário é de guerra, mas traz muito um quê de fim do mundo.

Entretanto, esqueça as contextualizações históricas. Para Garland, não importa o que desencadeou ou qual será o futuro do país. Aqui, o interesse maior está na documentação dos fatos do que o cenário como um todo. Tudo o que sabemos sobre a situação política é por meio da imprensa e do ponto de vista dos jornalistas, seja no rádio ou numa conversa entre eles.

Embora ele dê alguns indícios sobre o que pode ter desencadeado essa revolução e uma preocupação com apoiadores do estado — a cena em que morrem dois jornalistas imigrantes, por exemplo — tudo é muito superficial, o que pode soar para muitos um sinal de centrismo ou omissão. Neste caso, pouco importa, uma vez que Garland segue a premissa de que não importa o lado, desde que seja registrado.

Ao adotar a neutralidade, as fotos congeladas em tela muitas vezes servem mais para evidenciar a violência do que dar um direcionamento político. Neste sentido, a própria intenção do diretor se choca com seus personagens. Lee (Kirsten Dunst), por exemplo, não se sente responsável pelos acontecimentos, seu papel é outro. E isso fica cada vez mais claro quando Garland coloca seus jornalistas ao lado dos soldados em posições táticas. Os cliques das câmeras se confundem com os tiros quase como seles fizessem parte do conflito. E eles são. Por mais cética que Lee possa parecer sobre mudar os rumos da história, é importante que os fatos estejam registrados, independente da brutalidade.

Para provar seu ponto, o diretor desenvolve a relação de Lee e Jessie (Cailee Spaeny) como uma passagem de bastão. Enquanto Jessie cria a casca necessária para seguir na profissão, Lee parece estar em conflito com o desgaste que essa proporciona. O contraste acontece, mais uma vez, pelas telinhas, quando a garota faz questão de registrar uma situação que envolve o grupo enquanto a veterana apaga uma foto importante. A recuperação do senso de humanidade em meio à barbárie, contra a frieza de se relatar sem se abalar psicologicamente. É uma troca constante.

Joel (Wagner Moura), por sua vez, representa o meio termo entre as duas. Sua tranquilidade, no entanto, também entra em colapso e segue uma linha semelhante à de Lee, já desgastado pelos anos de profissão. Seu personagem, porém, vem de uma ânsia por contar uma história para além da fotografia.

Abdicando do debate político, Guerra Civil aborda a importância do jornalismo em cenários de guerra e desenvolve seus personagens diante dos conflitos que os atingem diretamente. Numa época em que tudo precisa ser contextualizado e explicado nos mínimos detalhes para não haver confusão na interpretação, Alex Garland nada contra a maré e nega entregar de bandeja esses olhares. Para ele, é muito mais interessante relatar e documentar o que acontece do filme do que tomar um partido propriamente dito. Assim como em uma fotografia, cabe ao público decidir qual direção quer seguir.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.