Halloween Ends | A descentralização do mal

Vinicius Machado
SALA SETE
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3 min readOct 18, 2022

Quando Rian Johnson democratizou a Força em Os Últimos Jedi, o público fiel e mais conservador (pra não dizer outra coisa) torceu o nariz e correu para acabar com o filme. Afinal, era a desconstrução de uma mística de décadas. Os Skywalker não eram mais os donos da saga, não eram mais eles os responsáveis pelo poder, antes centralizado. É possível dizer que o mesmo acontece em relação ao “mal” de Halloween nessa nova trilogia.

David Gordon Green desconstrói e descentraliza não só a crueldade de Michael Myers, mas também a obsessão pelo confronto por parte de Laurie. Apesar de um primeiro filme focado nesse embate individual, Halloween Kills, o segundo, chega com a ideia de que a crescente do medo gera um espírito cego de vingança, na ânsia de encontrar vilões, numa rota muito fácil de identificar se formos analisar a conjuntura política social de países como os EUA. Green é corajoso em tirar Laurie de cena no segundo filme para mostrar essa ascensão de ódio de uma comunidade em geral. Agora, em Halloween Ends, chegou a vez de tirar não só Laurie do caminho, mas talvez o maior símbolo de maldade que existe no gênero de terror, Michael Myers.

A personificação do mal já não é mais necessária, uma vez que o ódio gerado pelo medo se instala na sociedade, criando novos alvos, que criam novos alvos, e por assim vai, numa espiral quase infinita de vingança por um mal causado lá atrás. É como se Green entendesse que o 11 de setembro, simbolicamente, foi o grande responsável pela onda de extrema direita nos EUA, por exemplo. O medo que gerou ódio e uma geração esgotada, também influenciada pela mídia de que somos nós contra eles fez com que a onda nacionalista se sobressaísse cada vez mais, tudo em prol da defesa da família e pátria, seja lá o que isso significa. A sociedade cria seus próprios vilões, e continuarão criando inimigos imaginários simplesmente porque a barbárie se instaurou na raiz, e é preciso se manter em rota de fúria para se proteger.

No entanto, tanto em Kills, quanto em Ends, Green tem dificuldades de desenvolver melhor essas intenções. Neste último, a criação de um casal improvável e repentina, sem qualquer elaboração, mas simplesmente porque sim é o que mais incomoda. O romance entre Corey (Rohan Campbell) e Allison (Andi Matichak) só existe pra criar um elo entre o garoto, Michael e Laurie. E mesmo tendo esse flerte com a passagem de bastão, num desenvolvimento até que interessante, as soluções são preguiçosas, acontecem pois precisam acontecer pra existir um filme ali. Exemplo disso é quando Laurie acolhe Corey para, pouco depois, afastá-lo de sua neta, sendo que ela mesma os uniu, sabendo, inclusive dos traumas do passado de Corey. Laurie não tenta ajudá-lo com o trauma, muito menos tem a intenção de acolhê-lo, tendo como objetivo apenas levar um par à sua neta. Aos poucos, ela o torna também seu inimigo, uma vez que Myers está desaparecido.

Portanto, é possível sim compreender que a trilogia Halloween desliza na sua própria ânsia de se mostrar diferente. A intenção de desconstruir e tornar o mal uma atmosfera, não mais uma personificação, é bem vinda, ainda mais numa franquia e um gênero que vem se desgastando ao longo dos anos. Porém, seria muito raso descreditar o filme por tirar suas duas principais figuras de cena. Existe uma intenção por trás disso. E quando o filme entrega o tão esperado embate entre Laurie e Michael, ele se sai muito bem resgatando as raízes da franquia. O último ato, inclusive, consegue entregar tudo que um bom slasher tem a oferecer, das mortes às motivações do vilão, esse não mais Myers.

Halloween Ends, assim como seus anteriores, patina no desenvolvimento, mas se mantém regular ao menos ao tentar executar suas ideias, goste delas ou não. Afinal, A Ascensão Skywalker provou muito bem o que acontece quando a própria franquia não acredita em suas próprias convicções.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.