Matrix Resurrections | Um exercício de anti-racionalização

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readDec 21, 2021

Se antes a Matrix era um cenário vazio e sem vida, agora ela pulsa, ela pensa, ela produz, mas jamais de forma independente ou orgânica. Tudo ainda é estritamente controlado — embora queira aparentar o contrário. No entanto, há uma diferença entre simulação de antigamente em relação à simulação atual. A Matrix de antes era racional, binária, como um programa obsoleto de computador. Agora, em Matrix Resurrections, após um reset, ela é baseada em sentimentos, como a nostalgia, que segundo um dos personagens “alivia a ansiedade”.

É nesse momento em que realidade e ficção, público e produto se encontram — dentro e fora do filme. Afinal, numa indústria em que a nostalgia se tornou uma alavanca de sucesso, nada mais justo que usar desse elemento como o principal motivador para levar seus fãs ao cinema. Lana Wachowski não só compreende essa limitação, como a usa a seu favor para manter seu espectador, no mínimo, entretido. Ao mesmo tempo em que ela desenvolve e constrói algo novo, ela também distribui, em pequenas pílulas, flashbacks e cenas da trilogia original. Como se, caso o espectador não se interesse pelo que está sendo apresentado ali, ao menos ele tem seu coração aquecido com o que ele já viu e amou em um outro momento. É a exploração do sentimento através da imagem.

Nesse exercício de humor metalinguístico, a diretora consegue não só dar sentido a todas as referências usadas, como também dá leveza a uma trama que estruturalmente parece requentada. É Matrix falando de Matrix e criticando — ou questionando — a escolha de se fazer um novo Matrix. Confuso? Na tela é tudo muito mais claro, mais expositivo e menos metafórico até. O que nos leva, inclusive, a questionar as duas primeiras sequências. Seriam elas também parte deste exercício indulgente?

Obviamente, o caminho natural da sequência de uma franquia que percorreu os primeiros anos da década de 2000 emulando a revolução digital da época e suas incertezas, seria atualizar e adequar esses conflitos a uma nova geração. Se havia um medo de domínio das máquinas no passado, hoje é possível viver em harmonia com elas, ou melhor, é quase impossível viver sem aquilo que elas nos oferecem. Mesmo assim, mesmo tendo tanto a dizer sobre a sociedade, Lana Wachowski não quer, de forma alguma, olhar para esses conflitos e torná-los o mote principal de seu filme. Pelo contrário. Enquanto as pessoas passaram anos buscando interpretações para a jornada das irmãs, a diretora passa quase um ato inteiro debochando e rindo de qualquer racionalização de sua obra.

Foto: Divulgação (Warner)

Para ela, sua criação é muito mais simples do que enxergar alegorias de gênero ou buscar explicações religiosas em torno dela. Para Lana, o amor é origem de tudo. Seja este amor baseado na nostalgia com seu público, como ela emula a todo momento, seja no próprio amor entre Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie Anne-Moss). Se o primeiro ato é todo rindo de si mesmo, o segundo é para colocar os pingos nos is e justificar toda essa jornada sentimental.

É a partir dele que Neo aceita mergulhar novamente numa jornada de encontrar a realidade por trás da simulação. É a partir deste sentimento que ele se submete a renascer e refazer todo o processo doloroso de se desconectar das máquinas. Não é por Matrix, nem por ser o escolhido, pela paz entre humanos e máquinas, ou para extinguir um vírus. É por Trinity, por quem uma vez foi até o limite por acreditar que ele poderia colocar fim a uma guerra. “É minha vez de acreditar nela”, diz ele quando questionado sobre as chances de seus planos darem certo.

Foto: Divulgação (Warner)

Além de Reeves e Moss, Jonathan Groff, Neil Patrick Harris, Yahya Abdul-Mateen II e Jessica Henwick são responsáveis por dar uma cara nova ao filme. Sendo eles novos e velhos personagens, esses muito bem-vindos, dando um tapa na cara de quem reclama aos quatros ventos das mudanças de elenco sempre que acontece.

Em Matrix Resurections, Lana Wachowski usa seu bom humor metalinguístico para desconstruir sua própria obra e debochar de seu público enquanto cutuca toda uma indústria movida a falta de originalidade, reconhecendo fazer parte deste mesmo grupo. Mas, ao invés de colocar seu público para refletir e discutir essas questões, ela prefere fazê-lo sentir, independente de qual for a sensação. Nem tudo precisa ser racionalizado. Às vezes, nada como um bom bullet-time para encher o coração de alegria.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.