Mostra SP: Deusa dos Vagalumes

Vinicius Machado
SALA SETE
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3 min readOct 26, 2020

O subgênero do coming-of-age é algo curioso: são filmes que abordam o amadurecimento e todos os conflitos adolescentes em diversas situações, vivências e culturas. Porém, num contexto geral, eles tratam sobre assuntos semelhantes há décadas — adequados às suas gerações, claro — mas mesmo assim conseguem gerar uma identificação do público e muitos se destacam, principalmente nos últimos anos, como Lady Bird, Anos 90 e Booksmart, esses mais aclamados. Truffaut, diretor de Os Incompreendidos, talvez um dos primeiros a trazer a temática, disse uma vez que o reflexo da vida valia mais que a própria vida, o que pode se tirar a conclusão que este gênero é um terreno confortável, já que é quase certo de que a adolescência é algo que todo mundo já vivenciou.

Deusa dos Vagalumes é mais um desses que aborda o crescimento e as angústias da juventude. Adaptado do livro homônimo de Geneviève Pettersen, ele se passa no subúrbio canadense e conta a história de Catherine, uma jovem de 16 anos que precisa lidar com a mudança repentina por conta da separação de seus pais. Em seu novo círculo de amigos, ela começa a descobrir sua verdadeira personalidade, suas paixões e encontra refúgio nos efeitos da mescalina.

Um dos pontos mais interessantes da obra da diretora Anaïs Barbeau-Lavalette é como a cultura pop se faz presente na vida de seus personagens. Embora não seja necessário citar a todo mundo suas referências populares, todos os pontos do filme se baseiam naquilo que está em alta nos anos 90 no país vizinho. A cultura americana reina sob esta pequena cidade do Canadá e dita todo o movimento não só da juventude, como também dos adultos. Os heróis escolhidos pelos personagens, como Mia Wallace, a personagem de Uma Thurman em Pulp Fiction, e Kurt Cobain, vocalista do Nirvana, não são inseridos à toa, afinal, são personagens considerados descolados, viciados em entorpecentes e sinônimos de liberdade e autonomia. Há um diálogo interessante no filme, quando eles discutem a morte de Cobain, em que eles conversam sobre suicídio e o que cada um ali faria se fosse com eles. Obviamente, quando uma tragédia acontece durante o filme, a proporção desta conversa traz à tona de como esse universo pop é distante da realidade, e que nenhum desses jovens tem a menor ideia do que está fazendo, por mais que eles acreditem saber.

E no meio de todo esse turbilhão de emoções, Barbeau-Lavalette observa de muito perto a personagem de Cat (Kelly Depeault). A câmera, sempre muito próxima, gera uma certa identificação com o público. A diretora não toma partido das atitudes de sua protagonista, muito menos delega ao público julgamentos, pelo contrário, ela traz os pontos necessários, como as relações familiares, para compreender seu refúgio, seja nos amigos, ou até mesmo no uso das drogas. Os simbolismos também se fazem presentes, principalmente nos momentos de virada de rumo da personagem: as faíscas de fogo, como se Cat estivesse prestes a explodir são os pontos marcantes da evolução de sua personalidade. Já quando as coisas desandam, a água se torna o símbolo, como se todo aquele fogo já não tivesse força o suficiente.

Ao lado de Depault, há também o personagem de Robin L’Houmeau, Kevin, que entra aos poucos na narrativa, mas ganha espaço e se torna um dos pontos mais interessantes da trama, como um ponto de equilíbrio, tanto para o núcleo todo dos adolescentes, como também na jornada da protagonista. Kevin é introspectivo, de poucas palavras, e talvez o mais indecifrável dali.

Assim como a maioria dos coming-of-age, Deusa dos Vagalumes trata o amadurecimento por meio da rebeldia e não se diferencia de outras produções, mas ainda assim consegue se executar de maneira independente e mexer tanto com as emoções, quanto com a identificação do público. É uma obra, de certa forma, melancólica, sobre pertencimento e de como tudo o que é superficial se torna profundo nesta fase de descobertas.

Filme visto na cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.