Mostra SP: Entrevista com Alexander Vulgaris (Winona)

Vinicius Machado
SALA SETE
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5 min readNov 4, 2020

Winona, filme de Alexander Vulgaris, ou The Boy, conta a história de quatro garotas que desfrutam do calor do sol e do frescor do mar na Ilha de Andros, na Grécia. Durante uma tarde, elas conversam, se divertem e compartilham seus sonhos e pensamentos, descobrindo suas próprias maturidades e angústias da vida. O filme, que foi rodado em uma KODAK 16mm, tem tons documentais, como se estivéssemos ali, ao lado de cada uma delas, participando deste momento tão sensível.

O diretor consegue extrair um olhar feminino repleto de particularidades sem apelações ou conotações e, ao longo da narrativa, há uma evolução que faz com que toda a leveza do filme se transforme em um certo aperto no coração, como um fim de tarde qualquer na praia. É um filme fácil de se identificar e fácil de se sentir tão íntimo destas personagens, quanto até mesmo um intruso.

Winona esteve disponível na 44ª Mostra Internacional de São Paulo pela plataforma SESC Digital, com transmissão gratuita.

O SALA SETE conversou com Alexander Vulgaris sobre esta obra. Confira a entrevista completa:

AVISO! ESTE CONTEÚDO CONTÉM SPOILERS!

Qual é o ponto de partida para o processo de criação do Winona? Como você chegou a essa história?

Acho que queria fazer um filme contra funerais, para escrever e dirigir meu funeral ideal, me despedir com bilhetes na areia e seguir em frente com a vida. Junto com minha produtora Eleni Bertes, entendemos que era fundamental que o filme fosse imediatamente. Então, fomos com uma pequena equipe na ilha de Andros e só nos preocupamos em capturar esses momentos com aquelas quatro atrizes que amamos nessa praia que amamos. No início era um filme sobre quatro mulheres de óculos, ou um filme sobre quatro fantasmas. Deus os está observando da casa na colina e pessoas sombrias estão esperando por eles no carro. Um musical a capella talvez.

Winona tem um olhar muito sensível sobre o universo feminino. Como foi o processo de criação das personagens sob um olhar masculino?

Posso ser um homem branco, mas isso não me impede de me identificar com personagens que são mulheres, gays, transexuais, negras, mais velhas do que eu, mais jovens do que eu, alienígenas, detetives do filme noir ou donas de casa do velho oeste. É isso que acontece com o cinema e para mim isso é essencial porque as pessoas podem se identificar com diferentes tipos de pessoas e entendê-las melhor. Em meus filmes, trabalho principalmente com personagens femininas. Os motivos são pessoais, mas acho que posso dizer que me sinto eu mesmo através dessas personagens e também prefiro trabalhar com atrizes mulheres. Meus personagens são sempre uma mistura de mim mesmo, das pessoas que amo e dos personagens de filmes que amo. Não gosto de lidar com personagens que não gostaria que fossem meus amigos. Então, talvez eu use meus filmes para inventar os amigos que não tenho, como um Gepeto.

O filme traz muitas referências cinematográficas em seus diálogos. Quais são as suas principais referências cinematográficas na carreira

Há muitos cineastas que amo como Kubrick, Cronenberg, Zulawski, Solondz etc. Mas em Winona minhas principais referências foram os pesadelos autobiográficos de Victor Erice (O Espírito da Colmeia, El Sur) e Terence Davies (Vozes Distantes e The Long Day Closes), Girlfriends, da Claudia Weill e Daisies, da Vera Chytilova. Conta Comigo, de Rob Reiner, Gatinhas, de Adrian Lyne, Três Mulheres, de Robert Altman e Pauline na Praia, de Eric Rohmer, Um Anjo Em Minha Mesa, de Jane Campion e As Quatro Irmãs, de Gillian Armstrong. O cinema australiano em geral, que é meu favorito.

As referências desses filmes são mais hollywoodianas, mas nenhuma referência ao cinema grego, que é uma escola interessante. Foi uma forma de universalizar o filme?

Não, eu realmente não me importo com isso. Acredito que se um filme é bom o suficiente pode encontrar um público independente das referências. As referências cinematográficas que tenho no filme são as que senti que meus personagens teriam. Eles não estão lá apenas pelos nomes ou para dar crédito. São referências que significam algo para meus personagens, momentos que eles compartilharam em suas vidas.

Além disso, tem a sequência de Woody Allen. Qual foi o critério para escolher especificamente esse diretor que, embora tenha muitos fãs, ainda há algumas polêmicas sobre ele?

Muitos homens e mulheres que conheço cresceram em seus filmes e em seus personagens masculinos e femininos, mas, ao mesmo tempo, estão magoados, perplexos, zangados ou descrentes sobre as polêmicas que o cercam. Meus personagens em Winona são mulheres como essas pessoas. Os filmes tem o direito de falar sobre essas pessoas e os telespectadores têm o direito de ter suas opiniões sobre elas.

Como as atrizes receberam o script da cena de Woody Allen?

Eles gostaram muito. Foi muito lúdico para elas aprender toda a filmografia de Woody Allen e fazer isso em uma única tomada. Ao mesmo tempo perceberam que se tratava mesmo de uma cena que as fazem lembrar que cresceram juntas, que o tempo passou para elas e para estes filmes também. Que embora elas tenham esse jogo, tudo é diferente agora.

O filme é sobre perdas e sonhos. Para você, como essas duas coisas estão conectadas em Winona?

Normalmente não gosto de um enredo forte em meus filmes porque tenho a sensação de que funciona contra os personagens, talvez da mesma forma que os filmes do John Cassavetes, em que são todos sobre personagens, tudo sobre pessoas. Para mim, Winona é dar uma olhada nas coisas mais de perto. Você vê essas mulheres, você as conhece, tenta ligar os pontos e no final do filme as personagens se sentem seguras o suficiente para contar a verdade para você e compartilhar seus sentimentos.

O filme traz uma melancolia ascendente no final, mas no contexto geral é um filme leve e até otimista. Como foi segurar essa tensão e fazer com que esses sentimentos evoluíssem durante a narrativa?

Sentimos que os funerais podem ser uma celebração da vida e foi isso que fizemos lá. Winona é o único funeral a que gostaria de comparecer. Provavelmente da mesma forma que O Casamento de Rachel de Jonathan Demme é o único casamento que eu gostaria de assistir.

Você escreve, dirige e compõe a trilha sonora. Como é concentrar todos esses pontos dentro de um projeto tão autoral?

Escrevi a trilha sonora com a Srta. Trichromi. Também sou músico, então, para mim, escrever o roteiro e pensar na música é sempre uma coisa só. Sempre quero saber algumas coisas sobre a música antes de filmar porque me ajuda a lidar melhor com o ritmo do filme que eu sempre quero alcançar.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.