Mostra SP: Mamãe Mamãe Mamãe

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readOct 19, 2020

Poucos filmes conseguiram, em um período de uma hora apenas, emular a mistura de sensações como Mamãe, Mamãe, Mamãe, filme da estreante de 23 anos (!) Sol Berruezo Pichón-Rivière. Com uma produção inteira composta por mulher, o filme gira em torno de Cleo, uma menina de 12 anos que acabara de perder sua irmã mais nova. Enquanto sua mãe vive o luto da perda, a garota passa pelo processo de amadurecimento ao lado de suas primas.

Apesar da pouca idade, Sol Berruezo Pichón-Rivière parece ter experiência o suficiente para construir sua narrativa tanto pelas imagens, quanto pelos diálogos. A começar pelo clima, ensolarado no jardim, composto pela piscina da tragédia, mas completamente frio e com pouca luz dentro da casa. A fotografia, que conta com um certo granulado, também remete seu espectador às suas memórias de infância. A fácil identificação do público, principalmente aqueles que viveram rodeados de primos na infância, também colabora em partes com a experiência do longa.

Ao longo de seus 65 minutos, o filme mescla com essas transições de tons. As crianças parecem não entender a gravidade do problema. Cleo, inclusive, também não, já que há uma gama de pensamentos — num belo trabalho da garotinha Agustina Milstein — que se misturam entre a falta da irmã, a falta da mãe e seu desenvolvimento corporal. No meio desse turbilhão de emoções, a menina ainda precisa enfrentar sua primeira menstruação e o conhecimento de seu corpo.

Já no núcleo adulto, há um ótimo de trabalho de Vera Fogwil, no papel da tia e irmã da mãe, interpretada por Jennifer Moule. Fogwill tem a missão de manter as garotas seguras, auxiliar Cleo neste processo e também prestar apoio a sua irmã em um luto profundo. No entanto, é interessante notar que tudo o que acontece é baseado nas visões das garotas, nunca ao contrário. A diretora se interessa muito mais por trazer essa transição entre a infância e adolescência em meio às perdas do que, de fato, colocar os sofrimentos dos adultos, esses cientes do que aconteceu, em primeiro plano. Um dos exemplos disso é quando uma garota vizinha chama a menina falecida para brincar e sua mãe desaba no quintal. Cleo tenta consola-la sem sucesso e uma de suas primas tenta tocar, sem muito sucesso, uma flauta, para tentar acalmar e tranquilizar sua tia. É uma sequência triste, mas repleta de amor envolvido, onde todo mundo só quer fazer aquilo que acha melhor para conformar o luto. É a mesma sensação que temos aos consolar um amigo ou familiar que perdeu um ente querido: não há muito o que fazer a não ser estar ali, presente.

Cleo nitidamente senta falta de uma presença materna e, por isso, se escora na prima mais velha ao perceber as mudanças de seu corpo. Nerina, de 15 anos, ajuda a entender melhor este processo da primeira menstruação, enquanto ela mesma começa a aflorar sua sexualidade, assim como Manuela, que começa a especular, também ao lado de Cleo, como funcionam os beijos. Leoncia, a caçula do grupo, é a responsável pelas brincadeiras e pelo tom menos melancólico, a pequena consegue cativar o público com todo seu carisma infantil. Em conjunto, todas elas se ajudam neste processo de amadurecimento.

Todo esse olhar infantil das situações colabora para a experiência do filme pela forma graciosa de desenvolver o luto e o clima de tristeza. No entanto, nem mesmo esta cativação pela fofura diminui o impacto das relações do filme. Essa atmosfera de tragédia ainda toma tons mais fortes quando o desfecho caminha para uma outra possível tragédia. O medo se assemelha ao do que as tias passam em decorrência a um desaparecimento.

Não se engane pela pouca duração: Mamãe, Mamãe, Mamãe é um filme que consegue extrair diversas emoções do público em pouco tempo, gerando identificação, comoção e compaixão, em uma das obras mais belas e sensíveis do ano. Se as garotinhas do filme ainda passam por um processo longo de desenvolvimento, Sol Berruezo Pichón-Rivière, mesmo aos 23 anos, demonstra estar muito perto de sua fase profissional mais adulta.

Filme visto na cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.