Mostra SP: Pari

Vinicius Machado
SALA SETE
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3 min readOct 27, 2020

Quando Pari (Melika Fouratan) parte, por impulso, para dentro de um conflito entre policiais e manifestantes em Athenas, achando ter encontrado seu filho, sua burca é tomada pelo fogo e faz com que ela seja obrigada a tira-la de qualquer maneira, algo que quase não havia feito até então. São símbolos como estes que compõem a jornada de autodescoberta que o diretor Siamak Etemadi quer transmitir em sua estreia como diretor.

Pari conta a história de dois pais que vão à Grécia visitar Babak, um estudante iraniano que mora em Atenas. Porém, ao chegar no aeroporto, o garoto não aparece, fazendo com que Pari, sua mãe, e o marido, saiam em busca do paradeiro de seu filho, sem conhecer a língua e numa cidade completamente desconhecida.

Etemadi, em primeiro momento, entende que além do desespero pelo desaparecimento do filho, há também um primeiro choque de realidade ao se deparar com uma cidade completamente diferente. Para isso, o diretor coloca seus dois principais personagens em cenários extremamente poluídos esteticamente, como becos escuros, ambientes com muito grafite nas paredes, ruas movimentadas e de subúrbio. Aqui, Atenas pouco se parece com a cidade das mitologias gregas e turística.

Mesmo assim ainda que seja um ambiente intimidador, o mesmo não vale para a maioria das pessoas que cruzam o caminho de Pari. Há uma certa solidariedade e até mesmo empatia nos personagens secundários, como é o caso de Zoe, interpretada por Sofia Kokkali, uma das manifestantes e ativista do movimento anarquista e que auxilia a mãe em busca de seu filho.

O diretor questiona também sua própria cultura ao construir a personagem de Fouratan como uma mulher de espirito livre, mas que passou a vida toda vivendo sob um regime autoritário e patriarca. Na primeira metade, as preocupações de Pari com seu marido são colocadas em diversas sequências, principalmente quando ele a questiona e a critica por ter incentivado o filho a viajar e buscar uma oportunidade fora do Irã. Não à toa, ela é a única do casal a falar inglês e buscar compreender, sem tomar julgamentos, a cultura na qual ela está inserida, mesmo que em uma ocasião peculiar.

Ao longo da trama, a jornada passa a ser muito mais sobre a descoberta de Pari sobre si mesmo. As simbologias se fazem presente constantemente, representando todas as amarras se rompendo em relação não só aquilo que impõem a ela, como também aquilo que ela acredita. Etemadi usa a estética e a aparência física da personagem para construir sua jornada, sem nunca mencionar ou anunciar essas mudanças de comportamento. O cabelo, as roupas, a forma como ela encara os problemas nos becos de Atenas são os responsáveis por ditar toda a construção de uma mulher que além de ir até o limite pela busca de seu filho, também começa a encontrar a si mesmo no caminho.

Muito além de uma história sobre a perda do filho, Pari retrata uma das diversas mulheres que possuem um espirito inquieto, mas se condicionam a viver pela submissão justamente pela cultura patriarcal imposta ao longo dos anos e a cultura de seu país. A simbologia toma ainda mais corpo quando, por acaso, o nome da personagem carrega o nome do filme e o público brasileiro o recebe justamente um título que sugere o tom e a temática do filme.

Filme visto na cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.