Não! Não Olhe! | O espetáculo da imagem

Vinicius Machado
SALA SETE
Published in
4 min readAug 25, 2022

Com seu terceiro filme, Não! Não Olhe!, Jordan Peele diz muito sobre o cinema e o fascínio humano pela imagem, através da decadência de uma família em luto, que já teve seu lugar na história mas encontra uma forma de se reinventar com a aparição de uma nave extraterrestre.

A obsessão do ser humano em registrar os momentos, assim como os vemos, criou a pintura, a fotografia e o cinema. A sétima arte evoluiu ao longo dos anos, junto com a tecnologia e a necessidade humana de ver algo cada vez mais real. Os efeitos antigos já não agradavam e o CGI entrou para substituir a realidade por algo digital, que tenta se aproximar do que é verdadeiro, ou criar imagens fantásticas que só poderíamos imaginar. Ao mesmo tempo, vivemos a era em que o espetáculo pode ser registrado por qualquer um, todos nós carregamos o equipamento necessário para capturar imagens que podem chegar a milhões de pessoas e, quase sempre, fazemos questão disso.

É nesse contexto que Jordan Peele coloca uma família que faz parte da história da imagem e do cinema, mas não tem mais nenhum valor para o mercado. Seus cavalos, facilmente substituídos digitalmente, já não são tão necessários nos filmes como antigamente, bem como pouco importa aos trabalhadores do cinema a história que os Haywood carregam no nome da família. Assim, OJ (Daniel Kaluuya), triste pela morte do pai, une forças com sua irmã Em (Keke Palmer) para registrar algo fantástico e real para o mundo todo ver.

Quando percebem que estão lidando com algo parecido com uma nave alienígena, os irmãos enxergam uma oportunidade, e embora OJ tente em muitos momentos entender o comportamento do UFO para tentar dominá-lo, o objetivo final deles é capturar as imagens e usá-las, transformar aquilo em uma exibição. Ninguém está preocupado em salvar o mundo, matar extraterrestres ou vencer uma batalha pela sobrevivência humana, como muitas vezes vemos. É tudo apenas pelo espetáculo.

Esse mesmo espetáculo é o que move Ricky (Steven Yeun), dono do parque ao lado que também teve sua história na indústria, na televisão. Ele usa uma tragédia do passado em um set de filmagem como forma de ganhar dinheiro, atraindo curiosos e mantendo um pequeno museu particular de seus trabalhos anteriores. Por isso não é surpresa nenhuma que Ricky, acreditando ter domado o alienígena, faça isso com o único objetivo de criar um show para seus visitantes.

Apesar desse talvez ser o maior de seus filmes, com o maior ar de blockbuster, Peele ainda trabalha sua história em um pequeno universo, no rancho isolado, em um lugar que parece ter parado no tempo. Mesmo o parque ao lado com seu grande show não consegue atrair muitas pessoas, a verdadeira atenção vem quando todos desaparecem e a mídia vem correndo para mostrar ao mundo que algo estranho está acontecendo naquele lugar. Assim, os irmãos Haywood correm contra o tempo para conseguirem a tecnologia e o pessoal necessário para registrar o UFO, antes que as pessoas e suas câmeras apareçam aos montes para fazer o mesmo.

Mais uma vez, Peele entrega momentos de tensão alternados com humor, mas possivelmente com sua menor carga de críticas sociais. O trabalho de som é essencial para criar a atmosfera assustadora que ronda esse alienígena retratado como um predador animalesco. Apesar dos momentos mais aterrorizantes serem no escuro, não há nada como uma boa iluminação para registrar uma boa imagem. Assim, enquanto os irmãos batalham para filmar o UFO é quando o vemos claramente, na luz do dia, em toda sua forma.

E, se a tecnologia evoluiu tanto, pouco importa no embate final. Ironicamente, só o analógico é capaz de capturar as imagens desse grande predador, seja na câmera do diretor que morre tentando filmar a melhor cena, na melhor luz, seja quando finalmente Em consegue a foto perfeita da criatura, em um equipamento antigo. Dezenas de câmeras digitais, jornalistas e celulares, todos inúteis. No fim, a maior vitória não é derrotar o monstro, mas sim ter a sua foto para publicar.

Não! Não Olhe! Levanta muitos outros pontos, que parecem difíceis de ligar a princípio e merecem tudo que uma tela grande e um bom som de cinema tem a oferecer.

Colaboração: Raissa Ferreira é apaixonada por cinema desde sempre, trabalhando com marketing para pagar as contas e assistindo a filmes para viver. Dá palpite no Letterboxd sobre o que assiste e tenta refletir sobre as representações femininas em tudo que consome.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.