O Homem do Norte | Uma obra fria e grandiosa

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readMay 9, 2022

Por Raissa Ferreira

Em seu novo filme, O Homem do Norte, Robert Eggers mostra mais uma vez sua fidelidade à história, dessa vez usando um clássico que já conhecemos de outras tantas obras, Hamlet, como base de seu épico Viking, carregado com muita violência e o horror que já é costumeiro do diretor.

Amleth (Alexander Skarsgard) não conhece nada além do ódio. Obrigado a se tornar adulto muito cedo e cercado pelas crenças de seu povo, o menino cresce com um único objetivo, sem poder sobre seu próprio destino. A tragédia, que nos mostra desde sempre homens lutando por motivações que no fim não valiam tanto a pena assim, agora parece dizer que mesmo que não valha, esse homem não tem outra escolha, sua única paz é um paraíso que para ele é tão real quanto a terra que pisa.

Apesar de não arriscar muito no conteúdo além do clássico, os pontos fortes ficam na forma, com cenas de batalha incríveis e Eggers mostrando um domínio da cultura que está nos mergulhando. Mesmo com o inglês falado em grande parte do filme, as crenças pagãs e toda a mitologia nórdica criam uma atmosfera que enriquece muito o longa. O diretor realmente nos leva para esse mundo mágico de Odin, das Valquírias e onde o objetivo maior desses guerreiros é passar pelos portões de Valhalla. É o mundo em que um menino cresceu acreditando em tudo isso com a mesma força em que acreditava vencer seu inimigo. Com isso, mesmo já conhecendo a jornada e imaginando seu desfecho, o filme consegue nos envolver do começo ao fim — talvez também devido a seu ritmo mais acelerado que dos longas anteriores, A Bruxa (2015) e O Farol (2019).

Em O Homem do Norte, o diretor explora mais uma vez o universo masculino, indo para um caminho totalmente oposto ao de seu primeiro filme. Os homens aqui representam a força bruta, os corpos como potência, sangue e suor, o instinto animal, a sede de vingança. É quase uma conexão mais primitiva com a natureza, são animais presos em corpos de homens, guiados pelo ódio, que travam batalhas e arquitetam planos contra outros homens em busca de poder. Já as mulheres, ainda que poucas, representam uma força mais emocional e mística, uma ligação sobrenatural com a terra e com o destino. São por vezes bruxas ou feiticeiras, que fazem previsões e se comunicam com tudo que não podemos ver. Não à toa as mortes mais marcantes dos homens no filme são por decapitação, enquanto a morte de uma das mulheres mais importantes na narrativa se dá por uma espada no coração.

É até curioso ver como Eggers soube retratar tão bem o universo feminino em A Bruxa para agora transformar suas personagens femininas em personagens de apoio. Olga (Anya Taylor-Joy) é uma mulher forte que poderia trazer muito mais força para a história, mas sua presença acaba por ser um meio para que Amleth chegue a seu fim. Apesar de toda sua conexão com a terra e a espiritualidade que carrega, Olga usa seu poder apenas para auxiliar o homem que ama a conquistar sua vingança, literalmente o carregando e salvando para que possa enfrentar a batalha final. Assim como as Valquírias, que serviam às deidades maiores. Em uma história tão tradicional, seria interessante ver Olga ser melhor explorada. Entre as personagens femininas vale muito ressaltar também o trabalho incrível de Björk que com pouco tempo de tela faz uma das cenas mais interessantes do longa.

É inegável que O Homem do Norte é um filme grandioso. Com mais recursos e mais atores envolvidos do que em seus trabalhos anteriores, o diretor ganha bastante no visual, trazendo um filme com uma atmosfera envolvente e de encher os olhos, principalmente nos momentos em que retrata a mitologia nórdica, mas não consegue realizar um trabalho tão marcante quanto o de sua estreia nos cinemas. Talvez, assim como os homens do filme, essa seja uma obra com muita cabeça, sangue e rancor, um tanto fria e distante, em que falta um pouco de sentimento para nos aproximar.

Colaboração: Raissa Ferreira é apaixonada por cinema desde sempre, trabalhando com marketing para pagar as contas e assistindo a filmes para viver. Dá palpite no Letterboxd sobre o que assiste e tenta refletir sobre as representações femininas em tudo que consome.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.