Pânico 5 | Um abuso metalinguístico

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readJan 12, 2022

De uns anos pra cá, Hollywood abaixou a cabeça para os fãs. Rian Johnson, por exemplo, tentou seguir suas convicções com seu Os Últimos Jedi, e foi sumariamente ignorado na sequência, fruto de uma onda de ódio barulhenta. Game of Thrones, As Caças-Fantasmas, Sonic, quase nenhum produto de uma franquia passou ileso. Uma era insuportável.

Porém, depois de um período cedendo aos apelos de fãs, tudo indica que essa era está perto do fim. Isso, claro, se depender de uma parcela da indústria. Em dezembro, Lana Wachowski tirou Matrix de um determinado grupo e tomou sua história para si. Agora, a franquia Pânico parece interessada também em atacar esses grupos de fanáticos.

Vinte e cinco anos depois dos acontecimentos em Woodsboro, um grupo de adolescentes sofre com os ataques de Ghostface, que retorna para assombrar o passado de duas irmãs (Jenna Ortega e Melissa Barreira). Para que elas possam sobreviver, elas contam com Sidney Precott, Gale Weathers e Dewey Riley, que já sabem de cor todas a regras para sobreviver a um ataque inspirado em filmes de terror.

No entanto, Pânico 5 usa desse artifício para justificar sua própria existência e seus problemas. Se os clichês de filmes de terror acontecem aos montes, tá tudo bem, o filme comenta sobre esses absurdos e endossa o uso deles. Nesse ponto, a metalinguagem se aproveita de qualquer fragilidade que o filme possa oferecer, dos mistérios às mortes. E, mesmo assim, funciona na maioria das vezes, como se o filme entendesse sua condição e assumisse essa licença poética (?) de abusar de tudo e qualquer coisa que, num filme comum, vire um revés. Vale até se assumir como uma fanfic.

A dupla de diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, do interessante Casamento Sangrento, sabem exatamente onde estão pisando e parecem se divertir com isso. Tentar emular a elegância de Wes Craven e sua inventividade não parece uma opção 100% viável, ainda mais numa franquia tão aclamada. Por isso, os dois conseguem trazer suas próprias características e unir com as já estabelecidas na série Pânico. O uso do terror explícito e de uma violência maior, por exemplo, se tornam temperos a mais, assim como os planos mais fechados. Se o uso de espaços e profundidade se tornaram elementos onipresentes nos terrores atuais, aqui o uso do suspense se dá por uma coreografia de portas fechadas e cômodos mal explorados, sempre com câmera muito próxima aos personagens.

Por outro lado, a velocidade dos acontecimentos e a correria desenfreada, de como tudo acontece quase de imediato, prejudicam desde o desenvolvimento de ponto dramático na trama, até nas próprias brincadeiras que o roteiro oferece. Por exemplo, existe um jogo interessante entre o grupo de jovens sobre qual deles é o assassino (uma vez que SEMPRE vem do grupo principal). Essa dubiedade dos personagens se expande pro espectador, que permanece em dúvida em quem acreditar ou não. Entretanto, é um elemento que vai e volta constantemente e não há espaço para que isso seja mais bem desenvolvido. O mistério (ou parte dele), inclusive, é de longe o mais fácil de se sacar de toda a franquia. Proposital? Não? Não dá pra saber, já que todo deslize é tido como consciente (mesmo que não verbalizado).

Mesmo assim, por mais bambo que seja, há o respeito ao que Wes Craven construiu. O fã ainda conta com o alento de ver Neve Campbell, Courtney Cox, David Arquette e outros que transitaram pelos filmes anteriores em ação. Pode se torcer o nariz para algumas coisas, mas a diversão, como um todo, é garantida para qualquer um que cresceu assistindo aos filmes da franquia. Veja bem, a crítica aos fãs aqui nunca é prática, como Wachowski fez ao reduzir sua trilogia a um jogo de videogame, por exemplo. Nesse caso, tudo é verbalizado, expositivo e direcionado a todos os grupos de fanáticos. “Como podem chamar um fandom de tóxico? Nós temos amor pela franquia!”, diz um dos personagens, ao se referir a Stab, sequência de filmes lançados dentro da trama.

Por fim, Pânico 5 (que no seu título original se recusa a usar o número de sequência) abusa tanto da metalinguagem que, mesmo quando se recusa agradar aos fãs (ainda que da boca pra fora), consegue o satisfazer com maestria. Se o primeiro filme brincava com o próprio gênero, o segundo com a própria metalinguagem, o terceiro com o cenário de Hollywood como um todo e o quarto com a onda de remakes, o quinto, sem medo de ser feliz, brinca e se diverte com os absurdos da própria franquia. Não há duvidas de que Wes Craven se orgulharia.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.