Star Wars e o medo de se desprender do passado

Vinicius Machado
SALA SETE
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5 min readDec 21, 2019

Esse texto contém alguns spoilers

“Deixe o passado morrer. Mate-o, se for preciso. É o único jeito de cumprir o seu destino.”

Se existe alguma frase que possa resumir Os Últimos Jedi, é essa dita por Kylo Ren em um diálogo com Rey. Não pra menos, é a representação do que Rian Johnson tinha para o filme. A desconstrução de conceitos antes intactos e a possibilidade de criar novos caminhos para todos os personagens, com originalidade sem perder a essência da saga foi um dos trunfos que fez com que a franquia respirasse novos ares. No entanto, só faltou combinar com um elemento chave durante todos esses anos: os fãs.

O estranhamento por parte do público é normal. Afinal, ouvir de Luke Skywalker que a força não é uma propriedade dos Jedi ou o vendo sucumbir ao medo e carregar a culpa não é fácil. É sair de uma zona de conforto, é quebrar uma expectativa. Mas uma leva de fãs transformou essa falta de familiaridade em ódio. Os famosos pela frase “estragaram meu Star Warsofenderam atores, ameaçaram o diretor, refizeram o filme sem personagens femininos e tornaram os fóruns de discussão insuportáveis. Os mesmos que fizeram Ahmed Best, o Jar Jar Binks, entrar em depressão, também tiraram Kelly Marie Tran, a Rose, das redes sociais.

Depois, a crise se agravou com a saída de Colin Trevorrow da direção do terceiro filme da nova trilogia. O substituto escolhido foi o familiar J.J. Abrams, na intenção de trazer de volta o público, usando como base a recepção de O Despertar da Força. Porém, A Ascensão Skywalker não só se tornou uma bagunça, como credenciou todo o ódio destilado por essa parcela de fãs.

A começar pela personagem de Tran, colocada de escanteio. Logo no início, ela diz que recebeu uma missão de Leia para analisar Destroyers e por isso não vai seguir seus amigos. A partir dali, Rose aparece pouquíssimas vezes. A primeira recompensa aos fãs raivosos, em pouco mais de quinze minutos de filme.

Ao longo de duas horas e meia de duração, há diversas tentativas de corrigir elementos que Os Últimos Jedi tentou direcionar. Abrams perde muito tempo reparando algo que sequer estava errado. Consequentemente, é necessário criar novos conflitos e direcionamentos, sobrando pouquíssimo tempo para desenvolver seus personagens, novos (Babu Frik, que acerto!) e velhos e uma história minimamente estruturada. São soluções fáceis a todo momento, onde todo e qualquer conflito pode ser resolvido por meio da força que, antes tratada como algo intrínseco e quase atmosférico, agora se basta apenas como atributo de combate.

Rey, Poe e Finn formam o trio perfeito (Imagem: Disney/Lucasfilm)

E se já não bastasse o estrago causado pela Primeira Ordem na Resistência, há o surgimento de uma nova frota Sith, feita por debaixo dos panos por Palpatine, na intenção de trazer de volta o Império. O retorno do personagem — apesar de Ian McDiarmid roubar as cenas sempre que aparece — surge como uma estratégia de ganhar o público por sua familiaridade. É uma solução urgente para concluir a história, mas que pouco se sustenta dentro de seu próprio arco. Se antes a intenção era matar o passado, aqui ele ganha cada vez mais força na tentativa de reconquistar o espectador.

Por conta disso, Kylo Ren e Rey sofrem nos seus papéis para entregar uma conclusão. Embora o desenvolvimento de seus personagens se mantenha, quando o filme se afunila para o desfecho, há uma certa dificuldade em encontrar uma solução que faça sentido dentro daquele arco. Adam Driver — prestes a ser indicado ao Oscar por História de um Casamento — é o que mais consegue impor seus conflitos e a profundidade de seu personagem. Daisy Ridley, por sua vez, carrega boa parte do filme, ao lado de John Boyega e Oscar Isaac, mas possui alguns momentos de inconsequência durante as missões, que coloca toda a tripulação em risco só para sustentar essa relação entre Rey e Ren.

O único momento em que o passado é deixado para trás (Imagem: Disney/Lucasfilm)

Mas mesmo com esses atos, em momento algum o público sente o risco de perder seus personagens queridos. Não há o menor indício de perdas ou de que há um perigo iminente, mesmo tendo a Primeira Ordem e uma frota Sith contra algumas naves da Resistência. A morte de um suposto personagem é desfeita logo depois de algumas cenas, tempo suficiente pra tirar o fôlego do público e só.

Tudo acaba sendo tão previsível, que só é possível se agradar ao se apegar nas pequenas coisas do filme. Sejam elas numa bela homenagem à Leia e Carrie Fisher, seja o clima de nostalgia e o tom aventuresco sempre presentes, ou mesmo no discurso de esperança que humaniza tanto os personagens na luta contra um sistema de opressão. Quanto a isso, Abrams sabe exatamente como conquistar o público e gerar essa expectativa para o que vem a seguir. A trilha de John Williams, tocada pela última vez na saga, se torna quase um personagem com tamanha personalidade e composição nas cenas, essas tecnicamente impecáveis.

Jannah, interpretada por Naomi Ackie, é um dos personagens novos mais interessantes, mas que sequer deu tempo de se desenvolver (Imagem: Disney/Lucasfilm)

De pois de Os Últimos Jedi, A Ascensão Skywalker tinha tudo para seguir um caminho longe da zona de conforto e criar uma nova roupagem para Star Wars sem deixar a essência da saga de lado, seria um refresco pra uma saga que dura mais de quarenta anos. Mas o medo de perder foi tão grande, que Abrams decidiu por trazer a saga de volta ao habitual somente para agradar ao público. É quase como se ele tivesse sentado na frente de um computador, lido todas as críticas de redes sociais e fóruns de discussão, e escrito o roteiro respondendo a todos esses questionamentos. É basicamente um filme gerado por algoritmo, que não sabe bem o que quer e conclui a saga somente porque precisa fazer, dizendo ao público “ei, tá aqui, você pediu isso, nós fizemos”.

Ainda que seja satisfatório, delicioso e divertido ver Star Wars nos cinemas, é uma pena que tenham optado pelos caminhos mais fáceis. Ao invés de seguir abrindo espaço para novas possibilidades, o desfecho se bastou somente como uma agridoce despedida de personagens icônicos, naves prediletas e lugares tão familiares quanto nossas casas. O que é muito pouco perto de que esse universo tão vasto pode-nos oferecer.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.