Uma história em que medalhas pouco importam

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readFeb 8, 2020
Image: Universal Pictures

Filmes de guerra sempre foram recorrentes na indústria. Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Vietnã, Golfo, Iraque, entre outras. O fato é que, desde que o cinema se entende por cinema, diversas histórias foram contadas ao longo desses anos. No entanto, muitas delas vem acompanhadas de um tom épico, quase megalomaníaco, contada sob o ponto de vista de heróis. E mesmo tendo uma gama enorme de filmes do gênero na história, 1917, novo filme do diretor Sam Mendes, consegue surgir com uma proposta, se não inovadora, bastante particular.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a inteligência britânica recebe a notícia de que a retirada dos alemães é uma armadilha. Para evitar que um dos batalhões avance e caia nessa jogada, eles mandam Blake (Dean-Charles Chapman) e Schofield (George MacKay), dois jovens soldados britânicos, atravessarem as fronteiras inimigas e entregar a mensagem aos generais para cancelar o ataque e salvar cerca de 1600 soldados, incluindo o irmão de Blake.

Logo após quase morrerem soterrados em uma armadilha, Blake e Schofield conversam sobre condecorações e medalhas. “É só um pedaço de lata. Não faz diferença”, diz Schofield, enquanto Blake retruca, dizendo que não se trata somente disso. Um diálogo simples, mas que carrega, basicamente, todo o contexto e as intenções do diretor ao contar sua história.

Inspirado nas memórias de seu avô, que lutou na Primeira Guerra, Sam Mendes foge do tom heroico, comum nos filmes do gênero. O diretor tenta trazer um ar quase minimalista para dentro de sua narrativa. Além de usar outros vários gêneros, como drama, ação e até mesmo suspense, a proposta de fazer parecer um filme rodado em um take só — o famoso plano sequência — não é mera vaidade ou capricho, mas um elemento para trazer o espectador para dentro da trama. A experiência de fazer parte da jornada dos dois soldados é o que faz o longa ser tão diferente dos outros.

As comparações a Dunkirk, filme de Christopher Nolan, são inevitáveis. A forma de se fazer um filme tecnicamente impecável ganha, a cada ano, novas propostas e revitaliza gêneros que anos atrás ficavam em segundo plano, como filmes no espaço e guerras. O conceito de imersão entre os dois é basicamente o mesmo. Porém, Dunkirk peca pelo excesso de tramas e pouca emoção, que sobra em 1917.

Enquanto Nolan pincela a abordagem de soldados comuns perante a um tema macro, Mendes aprofunda a humanização, aliado aos olhos do diretor de fotografia, Roger Deakins, que faz usa cores e luzes naturais a seu favor, além de criar composições cheias de camadas e planos de fundo mesmo dentro de uma instalação de guerra. As luzes de bombardeios, a transição de tempo e luz nas cenas do rio impressiona e torna a experiência ainda mais orgânica.

Benedict Cumberbatch é um dos astros a participar do filme (Imagem: Universal Pictures)

A história é tão visceral que não sobra espaço para trazer assuntos maiores. Apesar de ser um cenário de Primeira Guerra, a trama poderia acontecer em qualquer conflito histórico. A guerra por Mendes acontece nos detalhes, nas vulnerabilidades de cada um e até mesmo na inocência de pessoas que estão ali, sem entender a dimensão de um embate entre nações. É uma linha muito tênue entre completar a missão e morrer das formas mais ingênuas possíveis, afinal, são humanos, uns contra os outros, compartilhando dos mesmos medos e o objetivo de sobreviver.

Mesmo assim, a direção se mostra dura, preto no branco, sem margem para erros. A escolha da técnica em plano sequência acentua isso, já que qualquer deslize de narrativa poderia colocar o projeto todo em risco. A trama abusa de checkpoints para aliviar a tensão do espectador que, se estiver familiarizado, fará comparações claras a um jogo de vídeo game. Colin Firth, Andrew Scott, Mark Strong, Benedict Cumberbatch e Richard Madden dão suas caras para marcar o fim de uma etapa.

Apesar de muitos o classificarem como um filme vazio, em que sobra técnica e falta enredo, 1917 cumpre exatamente aquilo que se propõe. Com os pés no chão, ele dá tons de realidade ao contar uma história onde não existe heróis ou vilões, mas uma missão que, mesmo se cumprida, ainda existe uma próxima etapa. Não há vitórias ou condecorações que amenizem as dores e as consequências de uma guerra, sejam em nações ou indivíduos.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.