As 5 melhores leituras 2020/2 (Resenhas #7)
O assustador ano de 2020 acabou e, como tenho feito a cada semestre, listo aqui as leituras do segundo semestre de 2020. Faço isso não como uma exaltação das minhas leituras, mas como recomendação e incentivo para que os cristãos leiam mais e aproveitem da palavra escrita, meio pelo qual o próprio Deus se revelou a nós.
No total foram 22 livros: muitas leituras boas, algumas excelentes, a serem destacáveis, e outras nem tanto. Organizei o texto de forma a apresentar as 5 melhores leituras e as que considerei piores, comentando mais longamente sobre elas. Apresento também a lista, por ordem de preferência, de todas as leituras realizadas com alguns comentários eventuais sobre cada uma.
I. Top 5 melhores leituras
1. A divina comédia — Dante Alighieri
O mundo de virtude está deserto; Tens sobeja razão, quando o lamentas, Impa de mal, de vícios é coberto. (p. 236)
Páginas: 486| Data: ~1320| Editora: L&PM | Dificuldade: Alta
Poucas pessoas nunca ouviram falar da Divina Comédia ou, no mínimo, do Inferno de Dante. A obra já inspirou filmes, jogos e é referenciada por inúmeras outras obras. No entanto, não são muitos os que, atualmente, se aventuram na leitura da obra, especialmente em verso.
Considero a leitura mais difícil que tive nos últimos anos e que, sem o background de estudos de filosofia clássica somado a um razoável conhecimento de mitologia grega, seria incapaz de lê-lo. O livro é muito profundo, desde os diálogos no inferno e seus círculos, passando pela montanha do purgatório até o céu e o vislumbre do próprio Deus.
Sua leitura exige também várias pesquisas sobre o contexto político de Florença e de batalhas famosas, além de um entendimento razoável da teologia católica romana. Um material que foi de grande utilidade para a leitura desse livro foram os vídeos do projeto Lendo Dante, da Anna Schermak.
Dante apresenta beleza e profundidade ao expressar tanto a glória quanto a ruína humana, junto a várias críticas à igreja e aos políticos corruptos de sua época. O processo de redenção e a soberania de Deus são exaltados sobremaneira, além do seu amor por Beatriz. Recomendo muito a leitura, mas para leitores experientes. Para quem quiser se aventurar por esta obra mas ainda não possui a carga de leitura necessária, recomendo a versão em verso ou a versão em quadrinhos.
2. A imitação de Cristo — Tomás de Kempis
A mente do homem é frequentemente enganada em seu julgamento; e os amantes deste mundo são constantemente cegos por suas paixões (…). Um homem é sempre melhor por ser louvado pelos homens? Os enganosos enganam os enganadores, os vãos enganam os vãos, os cegos os cegos; os fracos enfraquecem os fracos, e, na verdade, quanto mais um exalta ao outro, mais ele se põe em vergonha.
Páginas: 280| Data: ~1427| Editora: Collins L. | Dificuldade: Média
O livro A Imitação de Cristo é considerado um dos melhores (se não o melhor) livro de devoção cristã. Pessoalmente, o considero incomparavelmente melhor do que qualquer livro devocional que temos disponível hoje. No entanto, mesmo tendo sido o livro mais lido depois da Bíblia pelos cristãos (superado posteriormente pelo Peregrino) e apresentando um tipo de devoção humilde a Deus que poucos apresentam, o livro não é muito conhecido pelos cristãos protestantes modernos. Um dos motivos para tal é o preconceito com tudo que seja estigmatizado como “católico romano” por parte dos protestantes. Certamente a teologia sacramental romana está profundamente presente no livro e a devoção de Kempis em preparação para a eucaristia é exemplar até para nós protestantes.
Este é o tipo de livro que, mesmo em uma dificuldade de leitura média para leitores iniciantes, recomendo que todo o cristão leia como parte das suas devoções durante a vida. Pessoalmente, realizei a leitura dele durante quase todo o ano, uma reflexão por dia em minha devocional, e o livro foi imensuravelmente edificante para mim.
3. O peso da Glória — C. S. Lewis
No fim, aquela Face que é o prazer ou o terror do universo deverá se voltar para cada um de nós, seja com uma expressão, seja com outra, conferindo glória inexprimível ou infligindo vergonha que jamais poderá ser curada ou disfarçada. (p. 43)
Páginas: 192| Data: ~1941| Editora: T. Nelson| Dificuldade: Média
Ler C. S. Lewis é sempre fantástico. Poucos conseguem escrever de forma tão sagaz e falar de assuntos polêmicos com tanta graça. Não é diferente neste livro, composto por 9 palestras/artigos seus. Nesses artigos Lewis trata sobre pacifismo, relação do mito com a teologia, comunhão, perdão, pertencimento e outros assuntos.
Realizei a leitura desse livro em família, um capítulo por semana lendo em voz alta e ao encerrar cada capítulo o coração e a mente queimavam tanto com a forma quanto com o conteúdo do que Lewis expressava, pois é o tipo de autor que vale ser lido mesmo quando já sabemos discordar ou concordar no assunto.
Recomendo a leitura desse livro, mas sugiro que a leitura seja feita de forma mais lenta e cuidadosa, visto que a estrutura de argumentação do Lewis é diferente do que estamos acostumados.
4. Sabedoria e Prodígios — Abraham Kuyper
A flor da verdadeira ciência possui sua raiz no temor do Senhor, desenvolve-se a partir desse temor e encontra nele seu princípio, sua força motriz, seu ponto de partida. Se, por meio do pecado, uma pessoa for cortada dessa raiz que procede do temor do Senhor, o resultado inevitável é que tal indivíduo verá a ciência como uma ilusão destituída de qualquer essência. (p. 31)
Páginas: 186| Data: ~1920| Editora: Monergismo| Dificuldade: Média
Escrito pelo famoso neocalvinista holandês Abraham Kuyper, é composto por capítulos que acidentalmente não foram publicados em seu livro sobre Graça Comum. Dividido em duas partes, Kuyper trata do conceito de Graça Comum dentro de duas áreas: ciência e arte. Nelas, busca mostrar os pontos de contato da cosmovisão cristã e não-cristã em sua prática e mostrar o papel do cristão na arte e na ciência.
Ainda que não seja um livro introdutório, creio que apresenta uma boa visão geral do entendimento de Kuyper da relação entre a criação e a soberania de Deus e como a Sua graça se manifesta em todas as áreas da vida.
5. Estado e Soberania — Herman Dooyeweerd
(…) nem casamento, nem família, nem relação sanguínea, nem os tipos independentes de existência social, organizados ou não, podem ser tomados como partes de um Estado todo-abrangente. Cada relacionamento social recebeu de Deus sua própria estrutura e lei de vida, soberana em sua própria esfera. (p. 51)
Páginas: 160| Data: ~1970 Editora: Vida Nova| Dificuldade: Alta
Composto pela transcrição de duas palestras: A ideia cristã do Estado e A disputa sobre o conceito de soberania, somado a uma excelente introdução ao pensamento de Dooyweerd escrita por Leonardo Ramos e Lucas Freire, o livro apresenta um pouco do pensamento do jurista neocalvinista Herman Dooyeweerd sobre Esferas de Soberania e sua implicação no entendimento cristão sobre o Estado.
A leitura deste livro não é trivial e, inclusive, possui um glossário ao final para facilitar ao leitor com a definição de diversos termos no pensamento do autor e alguns termos em holandês que não possuem tradução para o português são explicados em notas de rodapé. No entanto, ambos os textos apresentam uma boa fundamentação para o pensamento cristão a respeito do Estado e os riscos que corremos ao entender a sociedade como partes de um todo ao invés de esferas soberanas e relacionadas entre si.
Certamente esse livro merece uma resenha separada apenas para ele, mas ainda preciso me aprofundar nos conceitos do autor para compreender melhor. Recomendo a leitura para todos os que estiverem interessados em uma visão sólida a respeito da realidade e da relação com a soberania de Deus, especialmente na esfera jurídica e social. Por ser uma leitura difícil, não considero um livro essencial para qualquer cristão, mas indispensável para cristãos que estudam Direito, Economia, Ciências Sociais e cursos semelhantes, ou se interessem pelo assunto.
II. Piores leituras
Decidi destacar esses dois livros como os piores do semestre. Considero que alguns pontos tornaram leituras que eu não recomendo.
1. Lute — Craig Groeschel
A discussão sobre masculinidade e feminilidade dentro das igrejas cristãs tem me incomodado há algum tempo por sua superficialidade e estereótipos. Neste livro essas características se mostraram muito presentes: lidar com o homem baseado em caricaturas de masculinidade e lidar com os problemas de forma bastante superficial e distante da Bíblia. Em alguns momentos, inclusive, o uso da Palavra pareceu alegórico apenas na tentativa de demonstrar o estereótipo.
O imaginário existente da masculinidade do “homem guerreiro que quer uma causa para lutar e uma dama para salvar” dentro das igrejas cristãs é tão prejudicial quanto a visão do homem como bruto ou omisso: ambas produzem homens que moldam sua identidade por caricaturas e não com o propósito fundamental de adorar a Deus e o papel dado por Ele para a vida. Creio que, ao colaborar com este imaginário, o autor afasta o leitor descuidado do verdadeiro significado cristão de masculinidade, inclusive nos pontos que estaria certo, visto que o caminho que trilha para a conclusão é duvidoso.
2. Batismo — Francis Schaeffer
Sendo eu um batista reformado, o assunto do batismo infantil me interessa bastante e, mesmo convencido do credobatismo, gosto de ler os argumentos pedobatistas pois, mesmo quando não concordo com a conclusão, muito da teologia bíblica utilizada é enriquecedora para o entendimento das relações entre AT e NT.
Dito isso, decidi ler este pequeno livro de Francis Schaeffer, um dos meus autores preferidos, sobre o tema. com apenas 19 páginas eu já esperava uma explicação superficial. No entanto encontrei uma argumentação bastante ruim e considero que o livro não contribui para o debate: seja como convencimento ou conhecimento.
III. Outras leituras
Abaixo as outras leituras do semestre por ordem de preferência, considerando os livros seguintes ao Top 5 apresentado e excluindo os dois piores. Todos os livros aqui são relevantes de alguma forma.
6. Oração — Tim Keller: Leitura realizada em família e considero um dos melhores livros sobre oração que já encontrei, pois trata da oração sob várias perspectivas.
7. Dando nome ao elefante — James W. Sire: Ótimo livro para aqueles que querem se aprofundar mais academicamente no conceito de cosmovisão a partir do cristianismo.
8. Em toda a extensão do cosmos — Abraham Kuyper: Compilado de textos excelentes de Kuyper sobre a relação dos símbolos e a revelação e sobre a manifestação do panteísmo em nossa cultura. Possui algumas afirmações um pouco indecorosas que poderiam ter sido melhor expressadas.
9. Os sermões da pandemia — Yago Martins
10. Gênesis no espaço tempo — Francis Schaeffer
11. Deuses falsos — Tim Keller: Leitura realizada em família. Reflexão sobre idolatria e como ela se manifesta em nossa vida de diversas formas. Recomendo como leitura básica para os cristãos.
12. Seis Lições — Ludwig von Mises: Seis palestras dadas por Mises na Argentina sobre economia liberal. Possui ótimas argumentações sobre o assunto ainda que, do ponto de vista cristão, faça alguns reducionismos da realidade e se aproxime, em alguns momentos, de uma idolatria ao mercado como uma esfera superior da sociedade.
13. Crônicas de Olam I — L. L. Wurlitzer: Fantasia escrita por Leandro Lima. Possui um ótimo mundo e sistema de magia, mas o desenvolvimento do personagem principal deixa a desejar.
14. Fé ativa — J. I. Packer
15. A Certeza da fé — Herman Bavinck
16. Pastoreando o coração da criança — Tedd Tripp: Leitura realizada em família. Com uma linguagem simples e bíblica o autor busca ajudar pais a pastorearem seus filhos e não apenas educa-los moralmente.
17. Contra a idolatria do Estado — Franklin Ferreira: Já possui resenha: veja aqui.
18. Surpreendido pelo Sentido — Alister McGrath: O livro inicia com uma argumentação apologética bastante evidencialista e com alguns problemas filosóficos, mas depois traça uma relação entre Lewis e Dawkins, tratando do desejo e imaginação, o que faz o livro valer a leitura.
19. Nenhum conflito final — Francis Schaeffer
20. Ego Transformado — Tim Keller: Leitura realizada em família. Curto livro sobre como lidarmos com nosso ego e identidade, porém, em parte pela brevidade do livro, possui alguns problemas e pontos mal explicados.
V. Planos para 2021
Como é possível notar, as leituras deste ano foram tematicamente desordenadas e neste próximo ano pretendo organizar de forma que o aprendizado seja mais contínuo. Para isso, vou utilizar dos guias de estudo do Invisible College, acrescentando leituras e artigos sobre cada tema. Gostei bastante dos guias. São gratuitos para download e recomendo que você confira.
Espero que este “relatório de leitura” do último semestre sirva como incentivo para que a leitura faça parte de sua rotina.