Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja — Christopher A. Hall (Resenhas #10)

Salatiel Bairros
Salatiel Bairros
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4 min readApr 11, 2021
Recorte da capa da publicação

Com 248 páginas e publicado pela Editora Ultimato, o livro Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja se mostrou como uma ótima motivação aos cristãos do nosso tempo a voltarem para aqueles que estavam no início do Cristianismo e, junto com eles, buscar entender o que Deus quis nos transmitir através da Sua Palavra. Isso não quer dizer que necessariamente eles estivessem sempre certos ou mesmo que seus métodos hermenêuticos fossem os melhores, mas que é notável em seus escritos a devoção pessoal e a busca por aplicar as escrituras pastoralmente.

Visão geral

O autor deste livro apresenta em uma linguagem simples os contextos de vários pais da igreja e contrasta eles com a mentalidade moderna, facilitando a aproximação do leitor a essas pessoas tão temporalmente distantes. Não é um grande e aprofundado estudo sobre a teologia dos pais, mas algumas pinceladas sobre como eles interpretavam a Bíblia e o que podemos aprender com eles.

O conteúdo

Os três primeiros capítulos do livro são uma apresentação dos pais da igreja para nós leitores modernos. Com isso, o autor busca incentivar a leitura desses primeiros cristãos e nos preparar para que possamos observar tanto os contrastes quanto as diferenças entre nós.

Doutores do ocidente e do oriente

Após esses capítulos introdutórios, o autor nos apresenta quatro cristãos importantes da igreja do oriente e quatro da igreja do ocidente. São eles:

Oriente: Atanásio, Gregório de Nazianzo, Basílio o Grande e João Crisóstomo.

Ocidente: Ambrósio, Jerônimo, Agostinho e Gregório o Grande.

Resumidamente somos apresentados à história desses pais e seus contextos. Ao final de cada apresentação o autor nos dá uma lista de leituras recomendadas para melhor conhecermos aquele pai da igreja. Cada um desses foi importantíssimo para o Cristianismo a ponto de que herdamos hoje o resultado da luta pela verdade travada por esses homens. Para Atanásio, por exemplo, a luta contra a heresia Ariana lhe custou boa parte de sua vida em exílio.

Os pais e a escritura

Após a apresentação de alguns dos pais da igreja, ressaltando os contrastes entre a interpretação bíblica da igreja do ocidente e do oriente, o autor aprofunda nas questões hermenêuticas dos cristãos dos primeiros séculos e vemos as escolas de interpretação de Antioquia e de Alexandria.

A escola de Antioquia tinha por característica principal buscar uma interpretação mais literal e tipológica das Escrituras, sem crer que existiam significados ocultos ou superiores no texto e rejeitando a interpretação alegórica. Já a escola de Alexandria defendia uma interpretação alegórica e acreditava que o texto bíblico era composto por várias camadas de significado.

Nos séculos seguintes da tradição cristã, a escola de Alexandria acabou por prevalecer na interpretação dos líderes da igreja, assim a alegoria se tornou regra para a interpretação e para forma com que os cristãos lidavam e explicavam os textos difíceis. O autor nos apresenta com bastante sucesso os problemas da interpretação alegórica, e então os desafios da interpretação mais literal. Dessa forma, ele aproxima a nossa mentalidade moderna dos dilemas dos cristãos daquela época, nos ajudando a perceber que não estamos tão distantes assim uns dos outros mesmo com tamanhas diferenças culturais e distância histórica.

Conclusão e recomendação

Todo cristão que deseja se aprofundar nos estudos da Escritura precisa lembrar que a teologia cristã não começou com o surgimento da sua denominação; nem mesmo com a Reforma Protestante. Somos uma religião com milhares de anos de história e que nos põe em uma família que está além das barreiras geográficas, culturais e temporais. O Espírito Santo que fortalece a comunhão da igreja local também nos conecta com todos os cristãos da história no desenrolar do plano de Deus para este mundo.

Dessa forma, considero que este livro é uma ótima introdução e apresentação da teologia dos primeiros cristãos, da forma com que liam às Escrituras e de como buscavam, através dela, a piedade e o correto viver cristão. Precisamos lembrar, especialmente como protestantes, que muito da tradição que desconhecemos e estranhamos por serem “católicas”, como por exemplo os credos, as confissões e a recitação dos mesmos, são tesouro pertencente a todos os cristãos e que custou muito caro para que a verdade das Escrituras pudesse ser preservada.

Dito isso, outro ponto que também o livro nos apresenta muito bem é que Deus manteve a Igreja e a verdade do Evangelho mesmo através de homens falhos e cheios de incertezas (ou falsas certezas) quanto à interpretação bíblica. Deus executa Sua obra através de nós apesar de nossas imperfeições e erros teológicos.

Recomendo, portanto, a leitura deste livro para todos que nunca tiveram contato mais detalhado com a vida, contexto, desafio e teologia dos primeiros líderes cristãos. Somos uma religião essencialmente histórica. O que seríamos se a ressurreição de Jesus não fosse um evento histórico? As Escrituras sempre nos ensinam a louvar a Deus pelo que ele tem feito e pelo que ele fez em nossa história. Creio que este livro pode ser de grande ajuda para uma melhora da percepção de comunidade que temos ao pertencer à Igreja cristã.

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Salatiel Bairros
Salatiel Bairros

Cristão, marido, pai e programador. Trabalha como Engenheiro de Dados. Especialista em IA (PUC Minas) e pós-graduando em Teologia Filosófica (STJE).