//De onde veio a Bíblia?

Saleiro
Saleiro
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4 min readJul 20, 2017
Raul Petri

No início,

Alguém escreveu alguma coisa.

Foi assim que surgiu a Bíblia. Pessoas escrevendo.

Óbvio, certo? E verdadeiro. E absolutamente importante que nós comecemos por este ponto.

A Bíblia não caiu do céu; Ela foi escrita por pessoas.

Muitas das histórias da Bíblia começaram como tradições orais, transmitidas de geração em geração até que alguém as coletasse, editasse e escrevesse, às vezes, centenas de anos depois. São anos e anos de pessoas sentadas ao redor de fogueiras, caminhando por estradas empoeiradas, se reunindo em tendas, casas e pátios para ouvir, discutir, debater, adaptar e mudar essas histórias, poemas, cartas e contos.

As pessoas que escreveram esses livros tinham muito material para escolher. Havia inúmeras histórias circulando ao redor, milhares de contos sendo transmitidos, quantidades enormes de material para incluir. Ou não incluir.

No livro do Antigo Testamento de 1 Reis, o autor escreve no capítulo 11:

Quanto aos outros eventos do reinado de Salomão — tudo o que ele fez e a sabedoria que ele mostrou — eles não estão escritos no livro dos anais de Salomão?

Bem, sim, eu acho que eles estão — só que não temos ideia sobre o que o autor está se referindo! Interessante a suposição por parte do autor de que não só sabemos sobre isso, mas que também temos acesso a esses anais. Quando nós não temos.

Vemos algo semelhante no Evangelho de João, onde está escrito:

Jesus realizou muitos outros sinais na presença de seus discípulos, que não estão registrados neste livro.”

E então o livro termina com esta linha:

Jesus fez muitas outras coisas também. Se cada uma delas fosse escrita, eu suponho que mesmo o mundo inteiro não teria espaço para os livros que seriam escritos.”

É como se o escritor, apenas para concluir as coisas, acrescentasse: “Oh sim, eu deixei uma tonelada de coisas fora.”

Os autores dos livros da Bíblia, então, não estavam apenas escrevendo — estavam selecionando, editando, escolhendo e tomando decisões sobre qual material e conteúdo alcançaria os propósitos desejados e o que não alcançaria.

O escritor do Evangelho de Lucas: “Eu também decidi escrever um relato ordenado para você(…)”

No livro de Ester: “Isto é o que aconteceu…”

Para o final do Evangelho de João: “Estes são escritos para que vocês possam crer…”

Havia pontos que esses escritores queriam fazer, pontos que eles queriam que seus leitores enxergassem, insights que queriam compartilhar, histórias que queriam contar.

O que esses escritores finalmente criaram foi uma biblioteca. A Bíblia é uma biblioteca de livros, escrita por cerca de quarenta autores, em mais de mil e quinhentos anos e em três continentes. Esta biblioteca é vasta e diversa e cobre uma enorme quantidade de áreas. Em vários momentos, ao longo dos últimos milhares de anos, as pessoas tomaram decisões sobre quais livros se tornariam parte da Bíblia e quais livros seriam deixados de fora. Pessoas escreveram livros que se tornaram a Bíblia e outras pessoas decidiram quais desses livros seriam ou não incluídos na Bíblia. Essas pessoas tiveram reuniões, discussões, desenvolveram critérios, tiveram mais reuniões, discussões e, eventualmente, tomaram decisões. Decisões inclusive sobre o que de fato é a Bíblia.

É importante ressaltar que esses escritores — e as pessoas que decidiram incluir ou não seus escritos na Bíblia — eram pessoas reais, vivendo em lugares reais e em tempos reais. Suas finalidades na escrita, então, foram moldadas por seus tempos, lugares, contextos, psique, histórias pessoais, economia, política, religião, tecnologia e incontáveis outros fatores.

O que ela nos diz sobre o mundo em que Abraão viveu quando lhe disseram para oferecer seu filho como um sacrifício? Ele não pediu nenhuma instrução sobre como fazê-lo? Ele se propôs a fazê-lo como se fosse uma coisa natural para um deus pedir.

A história de Davi e Golias começa com a tecnologia — os filisteus tinham um novo tipo de metal que os israelitas não tinham. A história é pautada por esse medo que surge quando o seu vizinho tem armas que você não tem. Como lanças. Ou espadas. Ou bombas.

O império romano tinha uma linha específica em sua propaganda militar que afirmava:

Não há nenhum outro nome sob o céu dado à humanidade pela qual nós devemos ser salvos.

Assim, quando o apóstolo Pedro usou esta frase, não há outro nome no o céu, ele está se referindo a algo que seus leitores teriam entendido.

Pessoas reais, escrevendo em lugares reais, em tempo real, escolhendo incluir um conteúdo, escolhendo deixar de fora outro.

E como resultado, eles escreveram sobre amor, medo, dívida, dever, dúvida, raiva, ceticismo, ódio, tecnologia, vergonha, esperança e traição — exatamente sobre as lutas e questões que ainda estamos falando hoje, milhares de anos depois. E é por isso que é tão importante não lê-la como se tivesse caído do céu. Porque ao fazê-lo, você perde a solidariedade que vem ao perceber que este é um livro profundamente humano.

— Rob Bell*

Tradução livre: Daniel Wanderley

*Adaptação de trecho do livro “What Is the Bible: How An Ancient Library of Poems, Letters, and Stories Can Transform the Way You Think and Feel About Everything” (O que é a Bíblia: Como uma antiga biblioteca de poemas, cartas e histórias pode transformar a maneira como você pensa e sente sobre tudo — tradução livre) de Rob Bell. Copyright © 2017 por Rob Bell, publicado pela HarperOne, uma impressão de HarperCollins Publishers

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