//ENTREVISTA — Stefano Sant’Anna: missão em formato de arte, criatividade e literatura

Saleiro
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8 min readJul 26, 2017

Texto Andréia Coutinho Louback

“O que me faz ser cristão é o simples fato de entender com clareza que não existem coisas boas o suficiente em mim. Tudo o que eu tenho que é bom vem dEle. Reconhecer que Deus é o melhor de mim me mantém nEle”

Foto: Vírgulas Fotografia

Texto: Andréia Coutinho Louback

Quantas estórias dentro de uma história. Quantas trilhas dentro de um caminho. Quando partimos do pressuposto de que cada trajetória tem seu ineditismo, ficamos extasiados ao nos depararmos com tanta vida pulsante em um só coração. Estamos falando de Stefano Sant’Anna, 26 anos: capixaba-cristão-jornalista-escritor-cantor. Atualmente, ele é voluntário na Igreja UNITED e acompanha de perto pessoas que decidem viver uma nova experiência com Cristo. Em um ano, ele já publicou dois livros — sendo o primeiro escrito durante sete anos e o último em três meses — o qual será também publicado na próxima Bienal do Livro no Rio de Janeiro.

E não apenas isso. O tripé “serviço, vocação e relacionamentos” encontrou firmes alicerces nas escolhas de Stefano através do viés artístico. Eu sou muito focado na minha carreira. Há menos de dois anos, abracei a arte definitivamente. Isso quer dizer que tudo o que eu faço hoje, profissionalmente, está ligado à arte. Tenho apostado em coisas que todo mundo diz que não dá dinheiro ou futuro. Mas, pra mim, meu futuro é agora, e eu estou feliz pra caramba”, afirma.

Formado em Jornalismo (FACHA), Stefano se dedicou à especialização em Produção Editorial (UNESP). Hoje, trabalho como conteudista para agências de comunicação. Fui Analista de Comunicação a maior parte da minha vida profissional. Mas já fiz de tudo um pouco, tipo trabalhar no MC Donald’s, telemarketing, explicador, professor de inglês, freelas como ator e por aí vai, conta ele. Na construção de tantas experiências, encontramos um jovem urbano, sonhador e inquieto por mudanças no cenário contemporâneo.Sou muito visionário e criativo. Se você junta esses dois ingredientes, não tem uma mistura muito bem das ideias, entende? Fica um cara agitado, inventando moda toda hora, se arriscando em fazer as coisas que me fazem feliz”.

Em uma entrevista exclusiva para o S A L E I R O, Stefano compartilhou algumas de suas perspectivas ministeriais, feedbacks no que tange à temática sobre raça num país onde há extrema desigualdade social e racial. Confira na íntegra!

S A L E I R O: Como se deu o seu primeiro encontro (ou reencontro) com Deus? E o reconhecimento da sua vocação? Foi logo na infância ou durante a juventude?

STEFANO: Eu fui criado na igreja. E mesmo pertencendo a igrejas mais tradicionais, não tive uma criação hiperreligiosa. Minha mãe era a irmã que entregava revelação na igreja mas sempre escutou Michael Jackson e usou camisetas com a cara do Bon Jovi. Isso foi importante para mim, porque despertou bem cedo a busca pelo evangelho genuíno, longe de padrões religiosos. Minha vida com Deus tem sido uma jornada constante. Com muitos erros e aprendizados. O que me faz ser cristão é o simples fato de entender com clareza que não existem coisas boas o suficiente em mim. Tudo o que eu tenho que é bom vem dEle. Reconhecer que Deus é o melhor de mim me mantém nEle.

S A L E I R O: Como você se descobriu negro? (Falo aqui no sentido do auto reconhecimento da identidade negra. O momento em que assumimos um papel de luta contra a opressão da população negra).

STEFANO: Às vezes me sinto como se as pessoas envolvidas com o movimento negro “não gostassem” muito de mim. Porque eu não me identifico e nem pertenço a um movimento. Só que isso não me faz inconsciente ou inoperante em minha luta por meus direitos. Sou negro, pobre, tenho seis irmãos, cabelo crespo, moro na baixada. Quando faço evento em escola pública e os moleques que tem esse mesmo perfil me veem como jornalista e escritor, pedem meu autógrafo em suas camisetas da prefeitura.

Eu não lembro de quando eu me descobri negro, porque isso foi quando eu decidi que não ficaria calado quando ouvisse alguém me apelidar de tiziu na escola. Minha forma de me posicionar era ser o melhor da minha sala, tirar todas as melhores notas e ficar de férias antes de todo mundo. Entende? Por essas questões, acho muito estranho uma pessoa negra se reconhecer como negra e assumir um papel de luta depois de adulta. Porque ela teria que permanecer cega, surda e muda por muito, mas muito tempo. Apesar disso, entendo e respeito o tempo de cada um.

S A L E I R O: Pode nos contar quais foram as vivências, sonhos e inspirações te levaram a escrever seu primeiro livro — o Inverno Negro. E o segundo, intitulado Nunca Vi A Chuva¹?

STEFANO: Minha mãe é professora. Tão excelente quanto rígida. Apaixonada pela profissão. Isso quer dizer que não havia a menor possibilidade de eu ter sido um moleque como a maioria dos outros da minha idade. A coisa mais errada que eu fazia era roubar livros de bibliotecas. Juro pra você! Minhas irmãs sabem.

Então, eu cresci com essa paixão por leitura e escrita. Por muito tempo, doía muito em mim. Ninguém sabe disso, mas eu me achava anormal. Os outros garotos da minha idade nem gostavam de estudar.

A verdade é que eu comecei a escrever fantasia porque eu precisava de um lugar onde eu me sentisse seguro, no meio da adolescência. Comecei a escrever com 15 anos e nunca mais parei.

Harry Potter foi minha maior inspiração, mas eu li e me inspirei em muito mais do que isso. De Pedro Bandeira a CS Lewis. Escrevi por 7 anos e passei mais 3 anos procurando uma editora. Finalmente, publiquei Inverno Negro, o primeiro de uma série com 4 volumes, em 2016, pela Editora Empíreo.

O segundo livro, Nunca Vi A Chuva, é um drama adolescente meio John Green. O diário de um adolescente prestes a tirar sua vida, que acaba descobrindo um irmão gêmeo do outro lado do mundo. A ideia veio depois que eu assisti Twinsters, um documentário no Netflix. Escrevi em 3 meses e publiquei na Amazon. Recentemente, fui procurado por uma editora para ser publicado na próxima Bienal do Rio de Janeiro (contando em primeira mão).

S A L E I R O: O que você pensa sobre a ausência de temáticas raciais nas arenas de discussão no contexto cristão?

Foto: Vírgulas Fotografia

STEFANO: Não vejo razão de tratar a temática racial de forma isolada, dentro do contexto cristão de discussão. Acho que ela precisa de espaço, sim, mas dentro do assunto que é temática social. Irmandade. O próximo. O outro. Se eu exerço o que o evangelho me ensina sobre meu comportamento para com o próximo, elimino discussões sociais e racistas de uma única vez.

Se os cristãos se reunirem para discutirem o racismo. Ok. Acho válido. Vamos progredir. Só que a discussão do racismo só existe por conta de um princípio básico que é a base de Deus e todo o evangelho. O amor. Prefiro que nos esforcemos para eliminar o mal pela raiz.

S A L E I R O: Quais são suas maiores inquietudes como homem negro e cristão?

STEFANO: Estereótipos me inquietam. Mimimi uma ova. A sociedade impõe um padrão para o homem negro de forma violenta. Tem que gostar de um certo tipo de música, tem que ser viril, se veste de um jeito, fala de um modo, corta o cabelo assim, pega mulher assado, isso e aquilo…

Como cristão, para além da estereotipagem, me incomoda o julgamento antes de ouvir. As pessoas colocam todos os crentes num saco sujo, careta e digno de escárnio. Não me interessa saber que você teve uma experiência ruim com algum evangélico. Me interessa ter um diálogo como pessoas humanas.

S A L E I R O: Para você, qual o maior indício de que a igreja brasileira — no sentido da secularização de ideias e crenças — está em profunda crise?

STEFANO: Acho que como brasileiros precisamos nos interessar melhor pela leitura e interpretação do texto. De preferência, a Bíblia. Falta entender que o evangelho é TODO sobre obediência. Falta entender que Deus habita por meio de princípios. Falta a compreensão de quais os interesses de Deus a nosso respeito.

S A L E I R O: O que faz seu coração pulsar hoje no reino de Deus?

STEFANO: Ver pessoas se encontrando com Jesus. Na igreja onde sou voluntário, tenho a oportunidade de acompanhar esse primeiro passo. Tenho visto, constantemente, pessoas de várias idades, em pleno século XXI, pedindo ajuda porque querem conhecer o Espírito Santo melhor.

Tenho aprendido que quando nos assumimos como cristãos, somos encarregados da tarefa de pregar a reconciliação do ser humano com Deus. Pregar isso e ver olhos brilhando, decidindo ter mais fé, me faz ficar uma noite sem dormir de tanto refletir. Literalmente.

Dentre as minhas expectativas ministeriais, desejo tocar pessoas através da minha arte e despertar nelas o desejo por experiências novas com Deus. Conhecimento, relacionamento. Nada mais.

NOTA RELACIONADA:

1- “Nunca Vi A Chuva é um drama adolescente retratado através de um diário de um rapaz que mora em Portugal, adotado por uma família rica. O protagonista decide relatar a sua vida em páginas secretas no dia que seu suicídio é interrompido pela descoberta da possibilidade de ter um irmão idêntico, até então, desconhecido. Quando, por fim, conhece o irmão, o protagonista é impulsionado a um estilo de vida nunca experimentado. Simples, alegre, em movimento. O livro impulsiona o leitor a uma análise de vida e aborda temáticas como: adoção, família, depressão na juventude, cegueira e romance”.

CURIOSIDADES SOBRE STEFANO SANT’ANNA

Foto: Vírgulas Fotografia
  • Minha vibe musical é o que hoje chamam de indie, alternativo. Consumo muita música gringa desconhecida. Bandas que ninguém nunca ouviu falar.
  • Sonho conhecer a Inglaterra, Escócia, País de Gales, Irlanda… porque me tornei fluente em inglês muito cedo e o aprendizado tinha um foco bem britânico. Ah, não descarto o Chile!
  • Meu primeiro álbum fica pronto em alguns meses e ele está ficando lindo. Tenho trabalhado em composições musicais orgânicas e poéticas sobre meu relacionamento com Deus.
  • Vou lançar mais dois livros neste ano ainda. Tudo o que eu planejava está começando a acontecer e o melhor disso é receber o feedback das pessoas.

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