//NINGUÉM FAZ 500 ANOS IMPUNE:

Pela Humanização da Reforma Protestante.

Guilherme Pinheiro
Saleiro
5 min readNov 6, 2017

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“Sola fé” mesmo para fazer alguém acreditar na pureza sociológica desses 500 anos de história. Mas fé inocente, ingênua e acrítica esta que acredita veementemente na santidade política do movimento protestante de modo a “celebrar a Reforma” como um marco histórico isento de qualquer carga negativa. Não estou dizendo que essa data não é celebrável, mas que é necessário um olhar mais minucioso para a Reforma. Não é um texto que quer calar as celebrações, mas que é pedinte de que junto às velas de parabéns sejam acendidas velas de luto por todas as mortes que o protestantismo já assinou em nome de uma nada “santa” guerra teológica.

Como não levar em conta o antissemitismo do Lutero que chegou a pedir que ateassem fogo às sinagogas e escolas judaicas, além de afirmar que os judeus deveriam ter as casas destruídas, assim como os bens e livros religiosos apreendidos? Deve-se fechar os olhos para a intolerância inquisidora de Calvino que condenava à fogueira de Genebra aqueles que eram categorizados como hereges, como Miguel de Servet? Como deixar de questionar as atuais inquisições sem fogueira de algumas denominações protestantes? Devemos mesmo fechar os olhos diante da contradição que existe no aspecto repressivo do movimento reformador? Não, não devemos. É preciso aprender a conviver com o lado sombrio da Reforma de um jeito sincero, e uma forma de adotar essa postura é recusar às cristalizações, sacralizações e absolutizações que se projetam em alguns personagens (como os citados acima) e em suas diversas elaborações intelectuais. Precisamos dessacralizar a reforma, bem como necessitamos humanizar os seus protagonistas. A história pede por um olhar mais equilibrado pra esse movimento: olhar que não o demoniza e nem o sacraliza, antes, o humaniza! Temos nesses personagens excelentes referências, mas neles também encontramos incoerências, e eis aí o que é o ser humano.

Solus Christus ou Solus Calvinus? Somente a Deus a Glória ou Glórias a Lutero?

Problematizar, questionar, duvidar e protestar: verbos paridos pelo mesmo Espírito que iniciou esse movimento de 500 anos. A liberdade ousada e corajosa diante das instituições é fruto do “Espírito Protestante” que incomodou o coração de alguns seres humanos (como os citados acima) diante de uma Igreja-instituição Católica totalitária e absolutista. O problema é que em algum momento da história a contradição possuiu a Reforma, e digo isso porque um movimento que protestava diante de absolutos político-institucionais agora é absolutizado por uma elite intelectual recheada de conhecimentos reformados, sabedora das teologias dos reformadores e entendedora da história reformada, mas completamente vazias — ou só com “dois dedinhos” — do revolucionário Espírito do protesto.

É esse grupo que ao mesmo tempo sacraliza a Reforma Protestante e demoniza o Protesto. Dizem que perguntar não ofende, mas peraí, depende da pergunta. Tudo o que tem em si um aspecto literalmente protestante é re-categorizado pelos “defensores do evangelho” como heresia, rebeldia, desvio e dissidência. “À estes, a morte”: eles dizem. “Defendem” o evangelho da vida agredindo os que cantam diferente das vozes teológicas que sobressaíram ao longo dos séculos. Sola gratia… menos pros hereges.

“Pra fogueira do silêncio todas as vozes protestantes latinas, pretas, indígenas, femininas, juvenis e marginais!”

Como comemorar 500 anos diante desses “reformados” que somente conservam o passado e tentam fazer do futuro uma reprodução do presente? Como celebrar diante destes entes que cristalizaram a teologia e dizem que a vocação do presente-teológico é apenas reproduzir o passado-teológico? O mundo muda e se renova, novos desafios e novas perguntas se formam, mas eles querem te convencer de que as teologias que eles indicam são absolutas, eternas e imutáveis? Oi? Como celebrar uma teologia reformada que fez da sua teologia um ídolo à semelhança de Deus? Que teologia é essa que não conversa com as circunstâncias em nome da conservação do passado? Cadê o Sola Escriptura?

Sola Escriptura ou Sola Teologia Reformada?

Como comemorar 500 anos diante desses “reformados” que apagam o fogo do protestar em nome da conservação política, linguística e teológica (intelectual) de uma Igreja-instituição “Protestante” totalitária e absolutista?

Igreja-instituição Protestante totalitária e absolutista ?

Haveria contradição maior que essa? Como é que instituições intolerantes àqueles e aquelas que estão às margens dessa suposta “teologia reformada” pode se dizer protestante? Não seria essa a que alguns se referem como ‘igreja reformada do Brasil’ é muito mais protestável do que protestante? Muito mais questionável do que questionadora, muito mais duvidosa do que duvidante e muito mais absolutista do que livre e libertadora?

Escrevo esse texto no afã de me juntar aos meus irmãos e irmãs que comemoram a reforma, mas carrego em minhas mãos uma vela de luto, e não de celebração. Não sei se serei bem recebido ou mal encarado, abraçado ou “condenado ao fogo”, mas ainda assim oro pra que o Espírito Protestante ainda possua e envolva alguns de nós, incitando-nos a uma divina conspiração, que revolucione o atual movimento reformado e inflame com fogo de protesto os altares esvaziados pelos institucionalismos “reformados”, como aconteceu a 500 anos atrás.

O espírito protestante é maior que o movimento reformado, e aí está a gênese de novas e constantes reformas.

Concluo revisitando os evangelhos e parte de uma história da Igreja que abre os olhos dos leitores atentos para perceber que não se deve crucificar os desviantes em nome da fé naquilo que acredita-se verdadeiro, mas sim, e se necessário for, se deixar morrer — como mártires — na violência daqueles que se portam como defensores, e por conseguinte, possuidores daquilo que eles dizem ser a Verdade Eterna — tamanha incoerência, ou arrogância; como podem, me pergunto, possuírem o eternamente impossuível? Acho que quem mata em nome da Verdade ainda não foi por ela suficientemente possuído, então precisa assassinar seus opositores, pois estes representam uma ameaça a sua fé e uma intensificação às suas inseguranças de pensamento.

O fundamentalismo é a insegurança disfarçada de convicção.

Passados 500 anos, minha oração é para que o Espírito não desista de insistir pra que nos comprometamos com Seus Santos Protestos. Peço a Deus que nos conduza à existir protestantemente, de modo a, implodir quaisquer estruturas que reprimam o Evangelho de Jesus, e fazer com que em meio às cinzas das instituições religiosas opressoras surja uma santa brasa que incendeie corações humanos, limitados e incoerentes, a fim de que a reforma seja um movimento constante e eterno: reformados, sempre reformando.

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