//O que o áudio da Daniela revela sobre nós

Guilherme Pinheiro
Saleiro
Published in
3 min readAug 9, 2017

OU DANIELA, O MUNDO GOSPEL E O ÓPIO DO POVO

Você já conhece a novela. Ela não é nova: é eterna. Se repete todo dia. É tipo Malhação, os nomes e lugares são trocados mas as verdades são as mesmas. Nessa novela vemos um réu pego em flagrante e um grupo de acusadores impiedosos pseudopiedosos. Risos. Os acusadores apontam seus maus afetos petrificados em direção àquele que foi flagrado falhando, até que o herói entra em cena… ou não.

No universo dos religiosos errar não é problema. O problema é deixar o erro vazar. Religiosos não se preocupam com subjetividades. Religiosos adoram a boa aparência. Por dentro? Morte. Por fora? Beleza. Não têm um compromisso com a integridade, têm um compromisso com a performance.

Daniela Araújo, cantora, profissional de shows e performances, aclamada no mundo gospel. Foi gravada fora de si, fora do palco e seu áudio vazado não foi sua canção mais bonita, apesar de ser uma das mais sinceras. Já era. Suas muitas performances musicais lhe renderam o status de adoradora, mas sua única falha lhe rendeu o rótulo de pecadora viciada que vai arder no inferno. O pecado de Dani foi cair em cima do palco.

Lembre-se: hoje o problema não é o gemidão, o problema é alguém te ouvir ouvindo o gemidão. Não é entrar no cheese videos, é esquecer a porta destrancada e ser pego no ato.

O ato de jogar pedras é muito simbólico e profético. Coloca nas mãos dos religiosos uma miniescultura de seus corações, que como uma pedra, serve para machucar os outros. O problema é que eles não olham para a pedra antes de arremessa-la — talvez assim, seus olhos se abrissem para ver em suas mãos um retrato de seu coração. Não olha porque seus olhos estão fitos demais no réu, objeto de sua maior concentração e dedicação. O réu é como um absorvente de toda a sujeira que há por dentro dos religiosos.

Como o assaltante que esbarra em seu ombro para atacar seu bolso, o religioso aponta para o deslize do vacilante para desviar a atenção de seus próprios males. Daniela é só mais um alguém sendo usada como depósito e desvio de atenção. Pois é, no mundo gospel não tem relacionamento e nem aliança, tem contrato. Religiosos alimentam seu alimento. Idolatram seu próprio sacrifício de redenção. Ontem Dani era leão, hoje Dani é cordeirinho sacrificial. Like gospel e inscrição no youtube é só ração pro sacrifício. O mundo gospel administra um dos celeiros mais ingratos de todos. Hoje bezerro de ouro, amanhã bode expiatório.

A religião neofarisaica mantém seus princípios, mas vêm upando seus mecanismos. Ontem sinédrio, hoje, “o fuxico gospel”. Caras, que raiva desse site. Dá nojo. A religião dos religiosos é uma espécie de ópio. Marx foi quem disse que a religião é o ópio do povo. Poi zé, ela aponta para o além a fim de anestesiar o agora. Os neofariseus fazem o mesmo, apontam para modelos morais no além e não vivem a realidade tal como ela é. Nessa religião não há espaço para sensibilidades, afetos, fragilidades e fraquezas e fraNquezas. É religião de anjos robotizados, e não de humanos quebrantados. É como se o cálice de sua ceia ritualística contivesse um anabolizante moral: gera aparência mas é só inchaço.

Diante disso tudo, só me cabe reafirmar a fé naquele que chicoteia as estruturas das religiões como essa. Jesus, se fosse da Marvel, ia ser aqueles caras naipe Guardiões da Galáxia que iam dar fim nessa galáxia chamada “Mundo Gospel”. Denso em suas desconstruções e brando em seus movimentos de restauração, ele nos nivela por igual e nos sugere nossa impureza existencial, abrindo nossos olhos e nos libertando do afã de sermos como que viciados tentando emprego em clínica de recuperação. É ele quem me ensina que o evangelho tem mais a ver com tentar do que com conseguir, e é ele quem diz: “quem tá puro que atire a primeira pedra”.

Eis o problema, o mundo tá cheio de gente jurando pureza, mas cheia de “pedra” no bolso.

Estou com você, Dani.

--

--