“É da caixa de sentimentos experimentados pelo escritor que nasce a ficção”.

Caroline Holder
salvoconteudo
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4 min readMar 12, 2021

Entrevista com Giovana Madalosso (gmadalosso), autora de Suíte Tóquio (@todavialivros, 208 páginas).

Giovana Madalosso nasceu em Curitiba, em 1975, e vive em São Paulo.
É autora de A TETA RACIONAL, finalista do Prêmio Biblioteca Nacional, e de TUDO PODE SER ROUBADO (Todavia, 2018), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura. É considerada uma das escritoras mais importantes da literatura brasileira contemporânea.

Suíte Tóquio foi lançado na pandemia e, mesmo sem eventos presenciais, o livro tem se espalhado vertiginosamente entre os leitores.

“Estou raptando uma criança. Tento afastar esse pensamento, mas ele persiste enquanto descemos pelo elevador, cumprimentamos o Chico, saímos pelo portão. São coisas que fazemos todos os dias, descer, cumprimentar o Chico, sair pelo portão, andar pisando só nas pedras pretas ou nas brancas da calçada, mas hoje é diferente (…)
Me abaixo pra ver o que está acontecendo. Maju, por que meus olhos são tão pequenos e eu vejo um mundo tão grande?”

Em mais um dia normal, a babá Maju atravessa a praça (de um endereço chique de São Paulo) com a menina Cora.
Elas passam pelo ‘exército branco’ e desaparecem em um ônibus. O ‘exército branco’ foi o nome que Fernanda, mãe de Cora, deu às babás que ficam na praça.

Vivendo crises particulares, os pais da menina demoram a perceber que a filha sumiu. Segundo a Folha de São Paulo, o livro evidencia a desigualdade entre patroa e babá e critica heranças escravocratas. Tudo de uma forma tragicômica; com ternura, redenção e sexo. As narradoras, mãe e babá, colocam na berlinda o que as pessoas querem ser e o que de fato são.

Curiosidade: Giovanna cogitou colocar o nome do livro de “Placenta”, mas o editor achou que a obra vai muito além da maternidade, é sobre afetos. Então, eles chegaram a este interessante título “Suíte Tóquio”, que no romance é o quartinho reformado para a baba, batizado assim pela chefe.

O papo com a autora foi sobre maternidade, construção das vozes da história e amor.

Os pontos de vista da Maju e da Fernanda sobre a vida e, sobre a própria menina Cora, são muito diferentes. Como você construiu as particularidades de cada uma, inclusive a linguagem, de forma que a gente perceba exatamente quem está contando o que, já que ambas narram alternadamente a história?

GM: Construí a voz de Fernanda e Maju em duas fases. Primeiro defini um vocabulário e uma sintaxe para cada uma delas. E também um território de humor: para a Fernanda a ironia e o sarcasmo, para a Maju um olhar mais espontâneo, engraçado, mas não menos inteligente. Durante alguns meses trabalhei olhando toda essa cola pregada na minha parede de cortiça. Porém, à medida que ia me aprofundando nas narradoras e fazendo fisicamente as viagens que elas fizeram (Mandaguaçu, Amazônia) passei a conhecê-las tão bem que todo e qualquer esquema mostrou-se desnecessário. Conhecer bem num personagem é como conhecer bem uma pessoa: você sempre acaba por achá-la única.

O tema da maternidade está na vida da Fernanda, mãe da Cora, e da Maju, babá da menina. Como você chegou nessa maternidade tão real, seria um relato biográfico? Em tempo, adorei a ironia ‘mãe holística’.

GM: A mãe holística foi inspirada em mães que observei no meu círculo social e também em trechos de Contra os filhos, da Lina Meruane. Com relação a maternidade real, que você pergunta, parti da minha experiência pessoal para escrever tanto Fernanda quanto Maju. Parti das minhas frustrações, fantasias e da minha dificuldade em me adequar aos papéis maternos para escrever a Fernanda. Parti do amor que sinto pela minha filha para escrever a Maju. Ainda que eu estivesse escrevendo sobre um personagem muito distante de mim, digamos: um homem psicopata (risos), ainda assim estaria partindo de uma centelha do que sinto. É da caixa de sentimentos experimentados pelo escritor que nasce a ficção.

“Parti das minhas frustrações, fantasias e da minha dificuldade em me adequar aos papéis maternos para escrever a Fernanda. Parti do amor que sinto pela minha filha para escrever a Maju.”

O que você diria para os leitores que vão participar do clube do seu livro?

GM: Agradeço por terem cavado um tempo para a minha literatura, ainda mais nesse momento de tanta dispersão em função do caos político e sanitário que estamos vivendo. Aliás, ler pode nos ajudar a encontrar saídas para um momento tão duro, para um país que precisa se reinventar e para um planeta que também precisa se reinventar frente à crise climática.

Quais leituras estão agora na sua cabeceira e você poderia dividir com a gente?

GM: Deixando a tensão de lado, vamos falar de prazer. Estou lendo Manual da Faxineira da Lúcia Berlin e achando maravilhoso. O próximo da fila é um quadrinho erótico da minha xará: a italiana Giovanna Casotto, que nunca li e quero conhecer, já passou da hora de falarmos mais abertamente sobre o prazer feminino.

DICA: VAMOS TER CLUBE DE LEITURA SOBRE ‘SUÍTE TÓQUIO’, É SÓ ENTRAR NO PERFIL DA @salvoconteudo NO INSTAGRAM.

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Caroline Holder
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Jornalista, editora de Política e Economia na GloboNews. Apaixonada por letras, livros, palavras e podcasts. co-criadora da @salvoconteudo.