Por que pessoas criativas são tão estranhas?

O que a excentricidade e a desinibição cognitiva tem a ver com inovação

Marcus Felix
Samhaus

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É normal pensar que o (único) dom necessário àquele que se dispõe a empreeder é a desenvoltura social— afinal de contas, é necessário vender, negociar, fechar contratos. A desinibição social é sim muito importante, mas de uns tempos pra cá vem se falando muito sobre inovação e criatividade como estratégia competitiva entre as empresas, e nesse caso, é necessário ser cognitivamente desinibido.

Os sonhos são as manifestações não falsificadas da atividade criativa inconsciente. — Carl Jung

Eu quero inovar. Todos querem. O maior ativo que uma empresa pode ter nos dias de hoje é a capacidade de inovar. Mas não há, de forma alguma, uma fórmula para a inovação, não há um princípio ou um tipo de profissional que leve a inovação. Mas uma coisa é certa: pessoas mentalmente desinibidas são mais criativas — e geralmente são mais estranhas também. O senso comum diz que há uma ligação muito forte entre pessoas criativas e um estilo de vida meio excêntrico, e a neurociência também concorda em diversos estudos sobre a ligação entre pessoas com transtorno de personalidade esquizóide e a alta criatividade. A maioria das grandes mentes criativas da nossa história eram pessoas excêntricas.

Se pararmos um tempo pra pensar, a criatividade nada mais é do que a habilidade para criar ou trazer à tona algo de novo. Mas pensando um pouco mais, o que é novo muitas vezes também é esquisito, já que se trata de algo que não é normal. Simples.

Esquisito: adj. Não usual, fora do comum. / Raro, delicioso, excelente. / Bem-acabado, primoroso. / Fam. Extravagante, singular, excêntrico. / Bisonho, rabugento, impertinente. / Bras. Feio, mal vestido.

Guernica
Pablo Picasso

Van Gogh arrancou sua própria orelha e foi um dos maiores pintores pós-impressionistas. Steve Jobs era emocionalmente intenso, mas mudou a história da computação pessoal. Michael Jackson… Bem, era Michael Jackson. Platão percebeu que os maiores poetas eram também meio excêntricos. Aristóteles observou que os criativos eram depressivos. Há muitas ligações que conectam pessoas criativas a comportamentos excêntricos e por vezes a patologias psicológicas.

A beleza da criação concebida na cabeça desses gênios tem como plano de fundo uma vida interior muito rica, mas também uma dor que só pode ser amenizada pela criação. O desprezo pelo mundo exterior que observamos em pessoas criativas — observável pela atitude subversiva — aponta para um investimento mental muito grande para o mundo interior. É muito mais interessante passar o tempo comigo mesmo do que com o mundo exterior, pensaria um excêntrico-criativo. Parece que viver introspectivamente é mais seguro do que fazer amizades, conversar e se relacionar em um mundo perigoso e cheio de decepções.

Tanto tempo dentro de si mesmos os leva a empurrar o limiar do que é dado como normal, ou como alguns autores diriam, empurraram a barreira do possível adjacente. Deixam que suas mentes manifestem tudo aquilo que emerge das informações armazenadas durante muito tempo. Para aqueles que contam com uma vida interior mais rica, não há julgamento externo, timidez e cobrança dentro de suas cabeças — trata-se do lugar mais confortável de se estar. É nesse momento que temos uma mente desinibida, sem freios, sem pudor e nem piedade pelo status quo.

Quanto mais íntimos eles se tornam de si mesmos, quanto mais brincam com as possibilidades dentro de suas cabeças, mais à vontade ficam para criar novas realidades. Em contrapartida, mais se distanciam do mundo externo e mais dificuldades encontram para entender e incorporar os protocolos sociais e regras não escritas da vida.

Uma dor que só pode ser amenizada pela criação

Entendemos que a libido é um desejo, não somente de origem sexual, mas que pode ser o desejo por conhecimento e domínio, como foi identificado por Santo Agostinho. Pode-se também entender libido como uma energia que impulsiona e que leva o indivíduo à busca de algo. Quando o investimento libidinal introspectivo alcança certo ponto, temos a necessidade de por isso para fora, pois o represamento da libido causa um profundo desprazer, que com o tempo traz a doença. A gênese da criação intelectual se encaixa nesse processo e o mais interessante é saber que a psique passa pelo mesmo quando amamos. Os artistas são apaixonados por suas obras.

Para encerrar: Criar está no âmago do ser. É uma questão de se sentir melhor. É um estilo de vida (muitas vezes revoltoso) que reflete em cada detalhe da personalidade de uma pessoa.

A própria criação do mundo e do universo imaginada por Heine fala de algo semelhante:

A doença foi bem a razão
De todo o impulso de criar;
Criando eu pude me curar,
Criando eu me tornei são.

Canções da criação — Novos Poemas (1844)

A voz que fala é a de Deus.

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