The Clone Wars: As crônicas de uma guerra perdida

Entre os Cavaleiros Jedi da Velha República e os conspiradores separatistas a serviço do Império, vemos Star Wars em sua melhor forma.

Patrian
O Incoerente

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Nós sabemos qual foi a conclusão dessa guerra. Não é nenhum spoiler dizer que o Império venceu, que a República caiu e os Jedi foram derrotados. Essa conclusão está lá desde 1977, no primeiro filme da saga, Star Wars: Uma Nova Esperança. Mas as guerras não são feitas apenas de conclusões. Entre a primeira e a última batalha existe morte, caos e destruição. As circunstâncias fazem as lendas, os heróis, as alianças e as traições. E poucas são as obras que conseguem explorar tão bem todos os aspectos de uma guerra. Star Wars: A Guerra dos Clones, é uma delas.

S01E20 — “Os custos da guerra nunca podem ser realmente calculados”.

Star Wars: A Guerra dos Clones teve sua estreia em Outubro de 2008, no Cartoon Network e, ainda hoje, é um dos melhores produtos e adaptações derivados de Star Wars. Pessoalmente, tenho um carinho enorme por essa série. Afinal, não foram os filmes clássicos do final da década de 70, ou a segunda triologia do começo dos anos 2000 que me apresentaram ao universo criado por George Lucas. Meu primeiro contato com qualquer coisa de Star Wars, foi nas manhãs da falecida TV Globinho, com episódios de A Guera dos Clones sendo exibidos aleatoriamente na hora do almoço.

Ao longo de suas 6 temporadas (renovada para uma sétima em 2020, pelo Disney+) a série deu uma verdadeira aula de roteiro! São tantos pontos de vista, tantas abordagens e variáveis, executadas de forma tão madura, sensível e abrangente, que é difícil de acreditar que se trata de uma animação destinada ao publico infantil. A sabedoria aqui, vai muito além das frases mostradas na abertura de cada episódio.

A série se passa logo após os eventos do Episódio II: Ataque dos Clones e antes do Episódio III: A Vingança dos Sith. Nela, acompanhamos A Guerra dos Clones (ou Guerras Clônicas), que é o conflito pelo controle da galáxia entre a República, com seu exército de clones e apoio da Ordem Jedi, contra os separatistas do Império, seus droids de batalha e lordes Sith.

Na linha de frente, estão os Jedi Anakin Skywalker, Obi-Wan Kenobi, e — uma das melhores personagens de toda a franquia, criada especialmente para a série — a jovem padawan Ahsoka Tano.

Os conflitos, travados em várias frentes, são retratados de uma forma ousada e ambiciosa, fazendo com que a série não perca o ritmo ao longo dos episódios. Vemos as mais diversas estratégias, manobras militares, missões humanitárias e de resgate, sendo executadas de uma forma tão dinâmica e frenética, que fazem jus ao nome “Guerra Nas Estrelas”.

A história, apesar de simplificada em alguns momentos, possui um nível de detalhe absurdo a respeito das estruturas militares, cadeias de comando, bases e estratégias. São esses detalhes que deixam tudo muito mais crível e imersivo, demonstram o capricho dos roteiristas e dão ainda mais vida ao fascinante universo de Star Wars.

Em uma guerra com essas proporções, cada soldado subjugado ou corrompido, cada nave capturada, cruzador abatido e arma inutilizada, importam. Isso atribui a série um senso de urgência, que torna as perseguições, os combates aéreos e as operações em solo, muito mais emocionantes, empolgantes e imprevisíveis.

Os duelos entre os Jedi também não deixam a desejar. Cada personagem possui um estilo de batalha, uma movimentação e empunham suas armas de formas diferentes. Aqueles que possuem a força, a utilizam de maneira prática nas batalhas — Coisa que os filmes da nova triologia (2015–2019) não fizeram.

Porém, Clone Wars vai muito além das perseguições, explosões e combates. Em incontáveis momentos, a série coloca em xeque nossos conceitos de humanidade, justiça e paz, fazendo paralelos com nosso mundo. Entre caças e cruzadores, somos confrontados pelas vítimas, refugiados e mundos devastados pelas batalhas. Enquanto Sith e Jedi se digladiam pela galáxia, inocentes são pegos no fogo cruzado, alianças são feitas em prol da sobrevivência e a neutralidade é sempre quebrada ou desrespeitada em algum momento. Os melhores episódios são aqueles em que os heróis tem de lidar com as consequências de seus atos e são obrigados a ver, de outros pontos de vista, a guerra da qual fazem parte. O conceito de “Guardiões da Paz”, atribuído aos Jedi, é questionado a todo momento.

Política e diplomacia também estão presentes. O poder militar sucumbe as traições e conspirações de senadores, federações de comércio e governantes. Os Jedi e as tropas da República se mostram ineficazes e impotentes diante a corrupção e a burocracia, e os vemos lidar com problemas inerentes ao código Jedi, como a falta de recursos e a economia de um conflito.

Durante toda a série, somos lembrados de que guerras não são feitas apenas por soldados e armas, mas principalmente por política, diplomacia e conspiração. Eduardo Cunha faria um estrago incalculável no universo Star Wars e no Senado Galáctico.

Os Personagens

S01E04 — “Um plano é tão bom quanto os que o realizam.”

O Universo Star Wars sempre foi conhecido por seus personagens simples, porém cativantes e bem construídos. Em Clone Wars isso não é diferente, e se falarmos em quantidade, é a obra com o maior numero personagens e com alguns dos mais interessantes da franquia.

A série, além de acrescentar muitos elementos novos e nos presentear vez ou outra com personagens apresentados nos filmes, bebe muito da fonte do universo expandido de Star Wars, que é rico e gigantesco — e que, admito, sou leigo.

A animação é tão bem construída, que cria situações e episódios inteiros sem a presença dos protagonistas, ou sem Jedi algum, e que mesmo assim funcionam de forma brilhante. São episódios assim que reforçam o potencial de Star Wars e sua vasta mitologia — Um outro exemplo disso, é o excelente filme Rogue One de 2016 e a ótima primeira temporada de Mandalorian de 2020.

Seria impossível — e massante, citar todos os personagens que dão as caras ao longo da série. Mas alguns são indispensáveis e merecem ser analisados.

Anakin Skywalker

O mesmo Anakin tão criticado nos filmes (Episódios I, II e III) por conta da atuação de Hayden Christensen, aqui é um protagonista fascinante! Um dos pilotos mais habilidosos da República e um dos mais fortes Cavaleiros Jedi, é também um dos mais indisciplinados e arrogantes. Durante toda a série o vemos lidando com seu temperamento e com as consequências de sua indisciplina, sejam elas vitórias ou derrotas.

Assim como o romance proibido com a Senadora Padmé, a rebeldia do personagem funciona muito mais na série, que nos filmes. Anakin é uma figura de oposição, seja nos conflitos com o Conselho Jedi e seu mestre ou em suas manobras inconsequentes nas batalhas. Ao receber responsabilidade de ser mestre de uma jovem Padawan, que comete o mesmos erros e tem uma personalidade tão próxima a sua, Anakin ganha uma profundidade inesperada.

Anakin Skywalker é um personagem tão intrigante, que mesmo quem não conhece os filmes e nem sabe sobre seu futuro devastador, percebe uma aura de obscuridade a seu redor. A série é sutil nesse ponto, mas faz questão de mostrar lapsos do Lado Negro da Força, o atormentando em alguns raros momentos.

Ahsoka Tano

Sem duvidas, uma das melhores personagens de todo o universo Star Wars! A jovem Padawan de Anakin Skywalker é uma Jedi forte, habilidosa e determinada, aprendendo a lidar com sua inexperiência e a controlar seus instintos.

Apesar de ter sido criada como uma Jedi, e de possuir um verdadeiro instinto de guerreira e de liderança, ela ainda não foi anestesiada pela guerra. Sua sensibilidade, sua leveza e seu senso de humor é muito destoante daquele ambiente militarizado e tenso das batalhas. Sua pouca experiência, em contraste com a de todos aqueles comandantes, faz com que ela tenha que se provar a todo momento. Mas também, faz com que ela seja a mais esperançosa entre todos eles.

Ao longo de suas missões, essa esperança é colocada a prova, assim como seus valores. Enquanto conhece todas as facetas da guerra, recebe seu treinamento e desafia seu mestre, Ahsoka Tano é a personagem que mais evolui ao longo da série. Até seu estilo de batalha se refina e se distancia de seus mestres.

Obi-Wan Kenobi

Um dos personagens da Velha República mais bem trabalhados nos filmes e o mais próximo de um Samurai clássico. Aqui vemos Obi-Wan em seu auge, liderando, lutando, criando estratégias e com uma fama que o precede por toda a galaxia.

Apesar de seu sarcasmo e ironia constantes, ele mantém uma postura completamente diferente de Anakin. Ele é cauteloso e paciente, mesmo nos momentos mais caóticos.

As discussões, a amizade e a rivalidade entre Obi-Wan e seu antigo aprendiz, são momentos de ouro para a série, e geram alguns dos melhores diálogos.

Os Clones

S04E01 — “Quando o destino chama, os escolhidos precisam atender.”

Os Clones são o braço armado da República. Um exército inteiro criado com o propósito de lutar e defender a República a qualquer custo. E morrer em combate é o destino desse exército de homens descartáveis.

Acontece que, conforme vemos ao longo da série, apesar de serem criados artificialmente e tratados como recursos de guerra, os Clones não são droids de batalha, ou máquinas. Cada um deles é um indivíduo, um ser que compreende sua função e enxerga a situação em que se encontra. Eles também sentem os impactos da guerra, sentem empatia, se questionam e se corrompem. Alguns dos momentos mais emocionantes da série se passam pelo ponto de vista desses soldados.

Apesar de serem iguais, cada um deles busca instintivamente algo que os diferencie uns dos outros, buscam uma individualidade e questionam seu propósito. Afinal, estariam eles servindo ao lado certo? Possuem escolhas? O Clone de um ser vivo, é um ser vivo também?

Apesar das duvidas, Os Clones estão lá. Eles sentem medo, cometem erros, sentem a adrenalina, alguns até gostam das batalhas, mas eles estão sempre lá, fazendo seus sacrifícios.

Nessa animação, os Clones são personagens complexos que nos fazem sentir suas perdas, tanto quanto a de qualquer Mestre Jedi.

Mercenários

S05E16 — “A moralidade separa heróis de vilões”.

Como citado anteriormente, Star Wars: A Guerra dos Clones bebe muito de todo o universo expandido da saga. E seja nos livros, quadrinhos, jogos ou fanfics, os elementos mais marcantes desse universo expandido, os mais bem trabalhados, são os Caçadores de Recompensa, Mercenários e Piratas, que vivem espalhados por toda a galáxia.

Como se já não fosse o bastante toda a guerra, a politica e as conspirações, a serie brilha mais uma vez ao incluir esses elementos. Eles são ótimos personagens principalmente pela imprevisibilidade que agregam a obra. Eles não seguem um código como os Jedi, não possuem planos de dominação universal como o Império, não são atrelados a valores e burocracias como a República e a maioria deles não se importa com vinganças pessoais. Os únicos propósitos que seguem são os da ganância e sobrevivência.

A maioria deles também não tem medo de enfrentar Mestres Jedi ou tropas do Império. Mas fazem isso apenas quando necessário e pertinente a seus objetivos.

São os personagens que possuem os visuais, as armas e as gambiarras mais interessantes, além dos mais variados estilos de batalha. Eles adicionam a série um clima de RPG, sempre que entram em cena.

A soma de todos estes elementos, abordagens e personagens nos entrega Star Wars em sua melhor forma. Possui uma coragem e um capricho que a última trilogia não nos apresentou no cinema.

Mesmo sabendo onde a Guerra dos Clones irá chegar, entre uma nave explodindo e outra, a animação faz grandes analogias com nosso mundo. É uma obra que passa uma mensagem e nos mostra as crônicas de uma guerra perdida. Afinal, todas são.

** Dica: A ordem de lançamento dos episódios não é a ordem cronológica, segundo a própria Lucas Film. A série faz muito mais sentido se assistida na ordem correta.

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Patrian
O Incoerente

Escrevo menos que gostaria e tenho mais gibis do que consigo ler. samuel.patrian@outlook.com